O testemunho de Rosalina

09-03-2001
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O Testemunho de Rosalina

Por RICARDO DIAS FELNER

Sexta-feira, 9 de Março de 2001 O testemunho de Rosalina Caixinha, órfã de pai e mãe em Entre-os-Rios, atinge o coração, corta como uma lâmina. A peça, transmitida pela SIC na terça-feira, marca a cobertura televisiva da tragédia. "Não há nada que a gente possa dizer. Eles dizem que fazem tudo. Já tinham dito que a ponte estava má. Falam agora em indemnizações. A indemnização dá-me o meu pai e a minha mãe? Não dá." A mulher lavada em lágrimas, destroçada, arrebata qualquer espectador, dá-lhe a dimensão cruel do desespero, causa desconforto, incómodo. Quando vemos o depoimento vem-nos à memória o célebre desabafo descontrolado da mãe de um dos militares soviéticos que se afogaram no submarino Kursk, captado por uma câmara de televisão e transmitido em todo o mundo. A declaração, vociferada contra o Governo, abanou a sociedade ocidental - pôs a descoberto a degradação do sistema político e militar russo. Há no entanto quem entenda que o testemunho de Rosalina foi apenas mais um exemplo de vampirismo jornalístico, relançando o debate sobre se deve ou não o jornalista revelar relatos de pessoas familiares das vítimas, em grande comoção. A questão coloca-se com particular pertinência, claro está, relativamente às televisões. Mas é ou não a expressão da dor daquela filha incontornável no sentido de se mostrar o dano infligido pela inexistência das devidas inspecções a uma ponte com mais de cem anos? O telespectador refasteladamente incomodado no sofá, responde porventura com automática repugnância: bastava dar a opinião dos técnicos, com os números todos certinhos, o dito e o contra-dito de responsáveis e irresponsáveis políticos; bastava mostrar a importância que a imprensa internacional estava a dar ao assunto. O Código Deontológico do Jornalista defende que o jornalista "obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas". O preceito, levado à letra, excluiria boa parte do noticiário. Excluiria a mãe russa. Excluiria, obviamente, Rosalina Caixinha. É inegável que tem havido um excesso de publicitação do estado emocional dos familiares das vítimas. Depois de Rosalina, todas as outras reportagens do género são despudoradas, servem apenas para preencher o tempo dos "directos" e mostrar imagens fortes, chocantes - uma forma de fazer durar o drama, na ressaca do acontecimento. Mas não se pode é querer limpar o ecrã de dor e lágrimas quando morrem 70 pessoas. A imagem da tragédia deverá ser Rosalina e não Jorge Coelho. OUTROS TÍTULOS EM MEDIA Programa de Tomás Taveira encalhado na RTP

Alta Autoridade e sindicato apoiam auto-regulação

A declaração dos "media"

Jornalistas guineenses contra censura

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