Dividir para endividar

07-03-2001
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COMENTÁRIO

Dividir para Endividar

Por CARLOS CIPRIANO

Segunda-feira, 19 de Fevereiro de 2001

O Governo tem-se revelado incapaz de conter os elevados prejuízos da CP e da Refer, que no ano passado poderão ter atingido mais de 70 milhões de contos. Estes números não são ainda oficiais, pois nem o ministro Jorge Coelho, nem o secretário de Estado dos Transportes, Guilhermino Rodrigues, nem as administrações das próprias empresas aceitaram divulgá-los ao PÚBLICO. É uma história, aliás, que se repete no início de cada ano, quando os responsáveis são confrontados com o passivo crescente das empresas públicas de transportes e os números são guardados até à última da hora, talvez na expectativa de que o Ministério das Finanças aprove alguns truques contabilísticos que dourem a pílula.

No caso da CP, por exemplo, estão em causa "umas dotações que ainda não sabemos se entram nas contas do ano passado ou não", de acordo com uma fonte da Secretaria de Estado dos Transportes. E na Refer as contas também não estão fechadas, embora se estime um valor próximo do do ano passado, ou seja, prejuízos de 23 milhões de contos.

O novo modelo para o sector ferroviário (que consiste basicamente na separação entre a gestão da infra-estrutura e a exploração comercial dos comboios) não foi, pois, suficiente para conter o seu défice, apesar de ter sido esse um dos resultados esperados da sua aplicação.

Verdadeira pedra basilar deste modelo é a taxa de uso (portagem ferroviária) que o operador deve pagar à gestora da infra-estrutura pela utilização das suas linhas. Mas as duas empresas nunca estiveram de acordo quanto aos montantes a pagar nem quanto às metodologias para o seu cálculo. Por isso, à revelia das decisões da tutela, a CP acabou por recusar à Refer o pagamento de seis dos 12 milhões a que estaria obrigada em 1999 (para 2000 os números ainda não estão homologados pela entidade reguladora).

As duas empresas não se entendem, também, quanto a algumas fatias do património ferroviário. A Refer entende que os terminais ferro-portuários são infra-estruturas suas que deverão ser usadas pela CP e por outros potenciais operadores mediante pagamento. Mas a empresa de Crisóstomo Teixeira diz que aqueles interfaces são decisivos na sua relação com os clientes das mercadorias. Porém, o que uma e outra pretendem é salvaguardar património que lhes permita capacidade de endividamento. No caso da CP, a perda destes terminais pode, simplesmente, representar a sua falência técnica.

A questão do endividamento atravessa, aliás, toda a problemática desta reforma, a crer nas palavras de Crisóstomo Teixeira (na altura secretário de Estado das Obras Públicas) quando refere que "a decisão da separação do caminho-de-ferro resultou da impossibilidade de realização do Orçamento do Estado no quadro institucional de há quatro anos [1996]". Como não havia dinheiro para fazer simultaneamente estradas e renovar o caminho-de-ferro, "a solução da separação, como solução de recurso susceptível de gerar capacidade de endividamento institucional, foi a solução possível".

Está, pois, tudo explicado: Portugal foi pioneiro na aplicação das directivas comunitárias sobre a separação da infra-estrutura para que o sector pudesse continuar a endividar-se alegremente e os governos pudessem continuar a adiar o seu saneamento financeiro.

COMENTÁRIO

Dividir para Endividar

Por CARLOS CIPRIANO

Segunda-feira, 19 de Fevereiro de 2001

O Governo tem-se revelado incapaz de conter os elevados prejuízos da CP e da Refer, que no ano passado poderão ter atingido mais de 70 milhões de contos. Estes números não são ainda oficiais, pois nem o ministro Jorge Coelho, nem o secretário de Estado dos Transportes, Guilhermino Rodrigues, nem as administrações das próprias empresas aceitaram divulgá-los ao PÚBLICO. É uma história, aliás, que se repete no início de cada ano, quando os responsáveis são confrontados com o passivo crescente das empresas públicas de transportes e os números são guardados até à última da hora, talvez na expectativa de que o Ministério das Finanças aprove alguns truques contabilísticos que dourem a pílula.

No caso da CP, por exemplo, estão em causa "umas dotações que ainda não sabemos se entram nas contas do ano passado ou não", de acordo com uma fonte da Secretaria de Estado dos Transportes. E na Refer as contas também não estão fechadas, embora se estime um valor próximo do do ano passado, ou seja, prejuízos de 23 milhões de contos.

O novo modelo para o sector ferroviário (que consiste basicamente na separação entre a gestão da infra-estrutura e a exploração comercial dos comboios) não foi, pois, suficiente para conter o seu défice, apesar de ter sido esse um dos resultados esperados da sua aplicação.

Verdadeira pedra basilar deste modelo é a taxa de uso (portagem ferroviária) que o operador deve pagar à gestora da infra-estrutura pela utilização das suas linhas. Mas as duas empresas nunca estiveram de acordo quanto aos montantes a pagar nem quanto às metodologias para o seu cálculo. Por isso, à revelia das decisões da tutela, a CP acabou por recusar à Refer o pagamento de seis dos 12 milhões a que estaria obrigada em 1999 (para 2000 os números ainda não estão homologados pela entidade reguladora).

As duas empresas não se entendem, também, quanto a algumas fatias do património ferroviário. A Refer entende que os terminais ferro-portuários são infra-estruturas suas que deverão ser usadas pela CP e por outros potenciais operadores mediante pagamento. Mas a empresa de Crisóstomo Teixeira diz que aqueles interfaces são decisivos na sua relação com os clientes das mercadorias. Porém, o que uma e outra pretendem é salvaguardar património que lhes permita capacidade de endividamento. No caso da CP, a perda destes terminais pode, simplesmente, representar a sua falência técnica.

A questão do endividamento atravessa, aliás, toda a problemática desta reforma, a crer nas palavras de Crisóstomo Teixeira (na altura secretário de Estado das Obras Públicas) quando refere que "a decisão da separação do caminho-de-ferro resultou da impossibilidade de realização do Orçamento do Estado no quadro institucional de há quatro anos [1996]". Como não havia dinheiro para fazer simultaneamente estradas e renovar o caminho-de-ferro, "a solução da separação, como solução de recurso susceptível de gerar capacidade de endividamento institucional, foi a solução possível".

Está, pois, tudo explicado: Portugal foi pioneiro na aplicação das directivas comunitárias sobre a separação da infra-estrutura para que o sector pudesse continuar a endividar-se alegremente e os governos pudessem continuar a adiar o seu saneamento financeiro.

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