Visita em Janeiro não detectou qualquer perigo

09-03-2001
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Visita em Janeiro Não Detectou Qualquer Perigo

Por LEONETE BOTELHO*

Terça-feira, 6 de Março de 2001

Não há plano de fiscalização de pontes

Desmantelamento da JAE diminuiu o acompanhamento das infra-estruturas mais antigas. Vistoria de 1998 em Entre-os-Rios não alertou para indícios de anomalias.

"Não havia qualquer indício de perigo a nível da estrutura da ponte de Entre-os-Rios". Quem o afirma é Vítor Baptista, vice-presidente do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), referindo-se à visita feita em Janeiro deste ano por um técnico na sequência de um pedido de instalação, pela empresa de Águas do Douro e Paiva, de uma conduta de abastecimento de água na ponte. Sublinhe-se que a inspecção se limitou ao estado do tabuleiro e dos pilares da ponte acima do leito do rio, não tendo havido uma fiscalização das suas fundações. "Os técnicos têm marcadores para avaliar a segurança das estruturas, e não se verificava qualquer desvio nesses marcadores", justificou Vítor Baptista.

A última vistoria, feita pela antiga Junta Autónoma de Estradas (JAE) em Maio de 1998, também não alertara para indícios de anomalias, quer nos tabuleiros, quer nos pilares, quer nos encostos. Isso mesmo reiterou ontem ao PÚBLICO o gabinete do ex-secretário de Estado das Obras Públicas, Luís Parreirão: "Não havia qualquer informação sobre o risco de ruína da ponte". Segundo o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Francisco Sousa Soares, no futuro as vistorias às pontes devem ter particular atenção as fundações. E sublinha a necessidade de criar rotinas de inspecção e manutenção de pontes que tenham em conta este aspecto.

Falta fiscalização

A inexistência de relatórios com indícios de perigo em Entre-os-Rios não invalida as críticas de falta de fiscalização apontadas por vários especialistas, que relacionam esta ausência com o desmantelamento da JAE em 1999, pelo então ministro João Cravinho. Na altura, foram criados três novos organismos (ver caixa) - Instituto de Estradas de Portugal (IEP), Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR) e ICERR.

Para Fernando Nunes da Silva, do Instituto Superior Técnico, aqui reside a chave do problema. "O ICERR não tem gente. Foi extinta a Divisão de Pontes, um serviço especializado que era uma verdadeira escola de engenharia de pontes, porque existiam ali coisas pouco claras, com fortes indícios de desvio de dinheiros públicos. Foi tudo privatizado", afirmou. No mesmo sentido se pronunciaram ao PÚBLICO actuais e antigos quadros da JAE: actualmente não há vigilância nem manutenção regular do estado das pontes, excepto as grandes estruturas, como a Ponte 25 de Abril ou as pontes ferroviárias, cuja manutenção está a cargo da Refer. Daí resulta que possa haver algumas pontes em situação semelhante à de Entre-os-Rios. Um destes especialistas defendeu que devia haver um plano sistemático de inspecção de pontes. Em pontes antigas como a de Entre-os-Rios, com 116 anos, os efeitos de cheias sucessivas na estabilidade das estruturas precisam de ser acompanhados, e isso não acontece actualmente.

Confrontado com as críticas sobre a extinção da JAE, João Cravinho, que visitou ontem o local do acidente, recordou ao PÚBLICO que a reestruturação aconteceu na sequência das suspeitas de corrupção e das irregularidades detectadas pelo Tribunal de Contas. "Preferiam que eu tivesse deixado as coisas como estavam?" O que rejeita é que a extinção da JAE tenha deixado alguma espécie de vazio de competências em matéria de estradas. Os institutos que foram criados "são sucedâneos na integralidade da JAE, com todos os meios para continuar a fazer a vistoria das pontes".

*com Clara Barata e Rui Baptista

Três administrações, só dois engenheiros civis

O facto de só existirem dois engenheiros civis no conjunto dos administradores das três entidades que substituíram a JAE é apontado como um sinal eloquente da falta de capacidade técnica daquelas instituições. Um dos engenheiros é Jorge Zuniga, um quadro da antiga JAE que chefiou o gabinete de Maranha das Neves durante a sua passagem pela Secretaria de Estado das Obras Públicas. Faz parte da administração do IEP, que tem como presidente António Martins - formado em Engenharia, sim, mas mecânica -, o homem que presidia ao Metropolitano de Lisboa quando ocorreu o afundanço do Terreiro do Paço. No IEP são ainda administradores Rui Soares, jurista, Câncio Martins, arquitecto, e Rui Gomes, economista. Os dois últimos, aliás, fazem também parte das administrações do ICOR e do ICERR - tal como o presidente, António Martins, por inerência. No ICOR há ainda Bicó da Costa, licenciado em Gestão. E, no ICERR, o administrador-delegado, Vítor Baptista, é jurista. Só nas reuniões é acompanhado por Artur Trindade, engenheiro civil, que ali representa a Associação Nacional dos Municípios Portugueses como administrador não executivo.

Visita em Janeiro Não Detectou Qualquer Perigo

Por LEONETE BOTELHO*

Terça-feira, 6 de Março de 2001

Não há plano de fiscalização de pontes

Desmantelamento da JAE diminuiu o acompanhamento das infra-estruturas mais antigas. Vistoria de 1998 em Entre-os-Rios não alertou para indícios de anomalias.

"Não havia qualquer indício de perigo a nível da estrutura da ponte de Entre-os-Rios". Quem o afirma é Vítor Baptista, vice-presidente do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), referindo-se à visita feita em Janeiro deste ano por um técnico na sequência de um pedido de instalação, pela empresa de Águas do Douro e Paiva, de uma conduta de abastecimento de água na ponte. Sublinhe-se que a inspecção se limitou ao estado do tabuleiro e dos pilares da ponte acima do leito do rio, não tendo havido uma fiscalização das suas fundações. "Os técnicos têm marcadores para avaliar a segurança das estruturas, e não se verificava qualquer desvio nesses marcadores", justificou Vítor Baptista.

A última vistoria, feita pela antiga Junta Autónoma de Estradas (JAE) em Maio de 1998, também não alertara para indícios de anomalias, quer nos tabuleiros, quer nos pilares, quer nos encostos. Isso mesmo reiterou ontem ao PÚBLICO o gabinete do ex-secretário de Estado das Obras Públicas, Luís Parreirão: "Não havia qualquer informação sobre o risco de ruína da ponte". Segundo o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Francisco Sousa Soares, no futuro as vistorias às pontes devem ter particular atenção as fundações. E sublinha a necessidade de criar rotinas de inspecção e manutenção de pontes que tenham em conta este aspecto.

Falta fiscalização

A inexistência de relatórios com indícios de perigo em Entre-os-Rios não invalida as críticas de falta de fiscalização apontadas por vários especialistas, que relacionam esta ausência com o desmantelamento da JAE em 1999, pelo então ministro João Cravinho. Na altura, foram criados três novos organismos (ver caixa) - Instituto de Estradas de Portugal (IEP), Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR) e ICERR.

Para Fernando Nunes da Silva, do Instituto Superior Técnico, aqui reside a chave do problema. "O ICERR não tem gente. Foi extinta a Divisão de Pontes, um serviço especializado que era uma verdadeira escola de engenharia de pontes, porque existiam ali coisas pouco claras, com fortes indícios de desvio de dinheiros públicos. Foi tudo privatizado", afirmou. No mesmo sentido se pronunciaram ao PÚBLICO actuais e antigos quadros da JAE: actualmente não há vigilância nem manutenção regular do estado das pontes, excepto as grandes estruturas, como a Ponte 25 de Abril ou as pontes ferroviárias, cuja manutenção está a cargo da Refer. Daí resulta que possa haver algumas pontes em situação semelhante à de Entre-os-Rios. Um destes especialistas defendeu que devia haver um plano sistemático de inspecção de pontes. Em pontes antigas como a de Entre-os-Rios, com 116 anos, os efeitos de cheias sucessivas na estabilidade das estruturas precisam de ser acompanhados, e isso não acontece actualmente.

Confrontado com as críticas sobre a extinção da JAE, João Cravinho, que visitou ontem o local do acidente, recordou ao PÚBLICO que a reestruturação aconteceu na sequência das suspeitas de corrupção e das irregularidades detectadas pelo Tribunal de Contas. "Preferiam que eu tivesse deixado as coisas como estavam?" O que rejeita é que a extinção da JAE tenha deixado alguma espécie de vazio de competências em matéria de estradas. Os institutos que foram criados "são sucedâneos na integralidade da JAE, com todos os meios para continuar a fazer a vistoria das pontes".

*com Clara Barata e Rui Baptista

Três administrações, só dois engenheiros civis

O facto de só existirem dois engenheiros civis no conjunto dos administradores das três entidades que substituíram a JAE é apontado como um sinal eloquente da falta de capacidade técnica daquelas instituições. Um dos engenheiros é Jorge Zuniga, um quadro da antiga JAE que chefiou o gabinete de Maranha das Neves durante a sua passagem pela Secretaria de Estado das Obras Públicas. Faz parte da administração do IEP, que tem como presidente António Martins - formado em Engenharia, sim, mas mecânica -, o homem que presidia ao Metropolitano de Lisboa quando ocorreu o afundanço do Terreiro do Paço. No IEP são ainda administradores Rui Soares, jurista, Câncio Martins, arquitecto, e Rui Gomes, economista. Os dois últimos, aliás, fazem também parte das administrações do ICOR e do ICERR - tal como o presidente, António Martins, por inerência. No ICOR há ainda Bicó da Costa, licenciado em Gestão. E, no ICERR, o administrador-delegado, Vítor Baptista, é jurista. Só nas reuniões é acompanhado por Artur Trindade, engenheiro civil, que ali representa a Associação Nacional dos Municípios Portugueses como administrador não executivo.

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