Triste espectáculo

06-01-2002
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EDITORIAL

Triste Espectáculo

Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

Sexta-feira, 21 de Dezembro de 2001

Num dia o homem ideal era Vitorino. No dia seguinte, pressurosos, os notáveis socialistas apressavam-se a saudar a candidatura de Jaime Gama, logo definida como "ideal". Mais um dia passou e, sem pudor ou rubor, os mesmos dirigentes precipitam-se a aclamar Ferro Rodrigues. O facto de haver uma ou duas excepções no meio deste deplorável espectáculo não muda o essencial: no PS não interessa discutir o que correu mal com o Governo de Guterres, de que todos estes dirigentes foram ministros; no PS também não interessa discutir que políticas diferentes há a propor ao país, já que o país acaba de castigar pesadamente as políticas vigentes; no PS só conta encontrar alguém que possa ganhar as próximas eleições - e estar com esse alguém desde o primeiro momento, para depois colher os eventuais frutos.

Sejamos claros, frontais: Jaime Gama, Ferro Rodrigues e António Vitorino, sendo todos militantes e dirigentes socialistas, não são faces diferentes da mesma moeda. Daquilo que disseram e fizeram ao longo dos últimos anos torna-se claro que têm ideias diferentes para o país, não apenas estilos diferentes. Não se imagina, por exemplo, que Jaime Gama algum dia construísse um estratégia de Governo assente no apoio parlamentar dos comunistas ou dos bloquistas. Mas tal possibilidade até pode corresponder ao estilo, às opções e ao passado de Ferro Rodrigues.

Pensam que isso incomoda os principais líderes socialistas? Nada. O que mostra o seu autismo. Esses líderes socialistas, com destaque para o incontornável Jorge Coelho, assistiram sem estados de alma aos zigue-zagues à esquerda e à direita de António Guterres, sem se incomodarem com saber se isso violava os seus princípios. Continuam na mesma: a sua única preocupação é manter o poder. As únicas palavras que são capazes de balbuciar é que aqueles homens tão diferentes entre si seriam todos garantes "do prosseguimento do projecto de progresso que o PS protagoniza". Fazem-no sem a mínima noção do ridículo das suas palavras: "projecto?" "progresso?" "prosseguimento?" De quê? Da trapalhada guterrista? Da vacuidade governativa? Da irresponsabilidade orçamental? Da infinita capacidade para ceder aos lobbies e às pressões?

Haja decoro. O facto da oposição não ter passado a ter um líder forte e carismático só porque venceu as eleições de 16 de Dezembro não permite ao PS continuar a actuar como se os portugueses fossem tontos. Como se fosse possível chegar junto dos eleitores e dizer que compreenderam a mensagem dos eleitores e depois nada dizerem sobre o que pretendem fazer diferente. Ou nada explicarem porque se sentem qualificados para serem diferentes se, até sábado passado, faziam juras de lealdade a Guterres (e até participavam no seu Governo).

Haja também clareza. Ferro Rodrigues foi um ministro popular (tal como Jaime Gama), mas a sua obra não se limita à criação do Rendimento Mínimo Garantido. Ele foi também o ministro que decidiu realizar a reforma da segurança social contra a opinião maioritária dos técnicos que elaboraram o Livro Branco, o ministro que abdicou de um consenso alargado com os partidos que alternam no poder - no caso o PSD -, para a realizar com o PCP, fazendo-a num sentido estatista e seguindo o caminho inverso ao das reformas que estão a ter lugar nos outros países da União Europeia. É esse o seu padrão de Governo? É esse tipo de alianças que o PS quer desenvolver? É com esse tipo de apoios - os que vêm de um dos mais conservadores partidos comunistas da Europa Ocidental - que o PS tenciona fazer as reformas difíceis de que o país precisa?

Graças a uns extraordinários estatutos que permitem escolher o líder do partido sem ser em Congresso e sem ter de aprovar em simultâneo um programa e um projecto, é possível que o PS se prepare apenas para tentar despachar rapidamente o assunto da liderança para ver se ainda vai a tempo de conservar o poder e, com ele, o emprego dos milhares de "boys" que espalhou pela administração pública.

Claro que tudo isto pode ser evitado se Ferro Rodrigues o desejar. Se for claro. Se colocar o aparelho na ordem e dispensar os caciques do costume. Se tiver a coragem de afastar os que estão mais comprometidos com os males do guterrismo. Se tiver a frontalidade de fazer rupturas.

Até agora não deu nenhum sinal de que sejam essas as suas intenções.

EDITORIAL

Triste Espectáculo

Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

Sexta-feira, 21 de Dezembro de 2001

Num dia o homem ideal era Vitorino. No dia seguinte, pressurosos, os notáveis socialistas apressavam-se a saudar a candidatura de Jaime Gama, logo definida como "ideal". Mais um dia passou e, sem pudor ou rubor, os mesmos dirigentes precipitam-se a aclamar Ferro Rodrigues. O facto de haver uma ou duas excepções no meio deste deplorável espectáculo não muda o essencial: no PS não interessa discutir o que correu mal com o Governo de Guterres, de que todos estes dirigentes foram ministros; no PS também não interessa discutir que políticas diferentes há a propor ao país, já que o país acaba de castigar pesadamente as políticas vigentes; no PS só conta encontrar alguém que possa ganhar as próximas eleições - e estar com esse alguém desde o primeiro momento, para depois colher os eventuais frutos.

Sejamos claros, frontais: Jaime Gama, Ferro Rodrigues e António Vitorino, sendo todos militantes e dirigentes socialistas, não são faces diferentes da mesma moeda. Daquilo que disseram e fizeram ao longo dos últimos anos torna-se claro que têm ideias diferentes para o país, não apenas estilos diferentes. Não se imagina, por exemplo, que Jaime Gama algum dia construísse um estratégia de Governo assente no apoio parlamentar dos comunistas ou dos bloquistas. Mas tal possibilidade até pode corresponder ao estilo, às opções e ao passado de Ferro Rodrigues.

Pensam que isso incomoda os principais líderes socialistas? Nada. O que mostra o seu autismo. Esses líderes socialistas, com destaque para o incontornável Jorge Coelho, assistiram sem estados de alma aos zigue-zagues à esquerda e à direita de António Guterres, sem se incomodarem com saber se isso violava os seus princípios. Continuam na mesma: a sua única preocupação é manter o poder. As únicas palavras que são capazes de balbuciar é que aqueles homens tão diferentes entre si seriam todos garantes "do prosseguimento do projecto de progresso que o PS protagoniza". Fazem-no sem a mínima noção do ridículo das suas palavras: "projecto?" "progresso?" "prosseguimento?" De quê? Da trapalhada guterrista? Da vacuidade governativa? Da irresponsabilidade orçamental? Da infinita capacidade para ceder aos lobbies e às pressões?

Haja decoro. O facto da oposição não ter passado a ter um líder forte e carismático só porque venceu as eleições de 16 de Dezembro não permite ao PS continuar a actuar como se os portugueses fossem tontos. Como se fosse possível chegar junto dos eleitores e dizer que compreenderam a mensagem dos eleitores e depois nada dizerem sobre o que pretendem fazer diferente. Ou nada explicarem porque se sentem qualificados para serem diferentes se, até sábado passado, faziam juras de lealdade a Guterres (e até participavam no seu Governo).

Haja também clareza. Ferro Rodrigues foi um ministro popular (tal como Jaime Gama), mas a sua obra não se limita à criação do Rendimento Mínimo Garantido. Ele foi também o ministro que decidiu realizar a reforma da segurança social contra a opinião maioritária dos técnicos que elaboraram o Livro Branco, o ministro que abdicou de um consenso alargado com os partidos que alternam no poder - no caso o PSD -, para a realizar com o PCP, fazendo-a num sentido estatista e seguindo o caminho inverso ao das reformas que estão a ter lugar nos outros países da União Europeia. É esse o seu padrão de Governo? É esse tipo de alianças que o PS quer desenvolver? É com esse tipo de apoios - os que vêm de um dos mais conservadores partidos comunistas da Europa Ocidental - que o PS tenciona fazer as reformas difíceis de que o país precisa?

Graças a uns extraordinários estatutos que permitem escolher o líder do partido sem ser em Congresso e sem ter de aprovar em simultâneo um programa e um projecto, é possível que o PS se prepare apenas para tentar despachar rapidamente o assunto da liderança para ver se ainda vai a tempo de conservar o poder e, com ele, o emprego dos milhares de "boys" que espalhou pela administração pública.

Claro que tudo isto pode ser evitado se Ferro Rodrigues o desejar. Se for claro. Se colocar o aparelho na ordem e dispensar os caciques do costume. Se tiver a coragem de afastar os que estão mais comprometidos com os males do guterrismo. Se tiver a frontalidade de fazer rupturas.

Até agora não deu nenhum sinal de que sejam essas as suas intenções.

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