Os dias da conspiração no PS

16-12-2000
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Os Dias da Conspiração no PS

Por EDUARDO DÂMASO

Sábado, 16 de Dezembro de 2000 O caso da Fundação para a Prevenção e Segurança foi visto até quarta-feira no estado-maior do PS apenas como uma tentativa de abater Vara. Mas a revelação de Gomes destapou o clima conspirativo que há muito existe no PS. E revelou também que Guterres estava no centro da crise. António Guterres sabia que iria ter inevitavelmente um problema devido à forma humilhante como Fernando Gomes saiu do Governo. Um problema na luta interna do partido, quando se jogasse a sua sucessão ou quisesse aspirar a outros voos. Isso era certo e seguro, porque Gomes desde o princípio que deixara claro não gostar da forma como fora remodelado. O líder do PS não contava, porém, que tal problema se revelasse tão depressa e que tivesse os contornos adquiridos esta semana. Sobretudo estava longe de pensar que, no limite, o caso iniciado há 15 dias com uma notícia do "Expresso" sobre a constituição e financiamento da Fundação para a Prevenção e Segurança (FPS) se pudesse desenvolver de uma forma que o transformaria a si no alvo privilegiado. No meio da crise gerada com a pseudodemissão de António Costa e a saída intempestiva de Ricardo Sá Fernandes do Governo, em que a imagem do primeiro-ministro já saíra brutalmente desgastada, nem Guterres nem o seu estado-maior viam o caso da FPS como uma história que pudesse chegar ao topo. No máximo, na análise feita dentro do PS e do Governo, era uma tentativa para abater Armando Vara, alegadamente por parte de pessoas próximas de Fernando Gomes no quadro de uma vingança desejada por este. Gomes nunca escondeu que se sentiu alvo de uma campanha montada a partir de dentro do próprio Governo para o colocar na linha dos remodeláveis e, em privado, atribuiu sempre a Armando Vara a ambição de lhe suceder à frente do Ministério da Administração Interna (MAI). Só no final da semana passada alguns dos principais dirigentes do PS admitiram que o caso pudesse vulnerabilizar Jorge Coelho pelo lado da responsabilidade política, já que era o titular da Administração Interna à altura dos factos, apesar de não ter tido interferência directa na história da FPS. E quando na semana passada o PSD fez menção de ir por aí, ao pedir para que Jorge Coelho fosse convocado para ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito, as luzes vermelhas acenderam na direcção do PS. O caso estava a subir de patamar. Se Vara soçobrasse, passaria Coelho a ser o próximo objectivo. Com Guterres empenhado na cimeira de Nice, foi Jorge Coelho quem ficou com as despesas da gestão da crise durante o fim-de-semana e os encontros e contactos telefónicos entre a cidade francesa, onde se discutia o futuro da Europa, e Lisboa não pararam. Logo aí, em conversas de Jorge Coelho com os diversos protagonistas, foram analisadas todas as hipóteses para sair da crise, inclusive a demissão de Vara após a sua prestação na comissão. A opção, porém, foi resistir e organizar a trincheira para a difícil semana que se avizinhava. Segunda-feira, no Parlamento, o ministro do Desporto fez questão de deixar Jorge Coelho fora do caso, assumindo que a sua acção se inseriu na vasta delegação de competências que é hábito o secretário de Estado Adjunto receber no MAI. Entre os socialistas, também começa a saber-se na terça-feira à tarde que Fernando Gomes põe Coelho fora da questão, por ter formulado a convicção de que não estava por dentro dos pormenores da criação da fundação e que se aprontaria para dizer isso na audição. Há quem respire de alívio, pois pareciam estar criadas as condições para manter baixa a mira do fogo da oposição. Fernando Gomes tinha comunicado as suas desconfianças no processo da fundação a Jorge Coelho durante um almoço realizado em Maio do ano passado, com este a aconselhá-lo a fazer o que a sua consciência lhe ditasse, incluindo a suspensão do financiamento, mas também que esclarecesse o assunto com Vara. Coelho defendeu que não seria sustentável manter um clima de suspeição entre os dois. A granada de Gomes O que ninguém sabia no estado-maior do PS é que Gomes tinha uma granada de mão no bolso e se preparava para deixar claro que comunicara o assunto pessoalmente a Guterres. A direcção do PS e o seu líder foram apanhados de surpresa na quarta-feira e só aí Guterres se convenceu que o caso iria fazer estragos muito maiores. Emite imediatamente um comunicado a confirmar a versão de Gomes e a traçar a orientação para a defesa que no dia seguinte fez no Parlamento: dera luz verde a Gomes para agir em busca da verdade e transparência sobre a FPS. Subliminarmente, Guterres também quis dizer que Gomes se limitou a tentar resolver o problema intrapares, provavelmente para aniquilar Vara dentro do partido, sem necessitar de seguir outros caminhos. Ou seja, terá Guterres querido dizer que Gomes estava obrigado a abrir pelo menos um inquérito, porventura através da Inspecção-Geral da Administração Interna, bem como a requerer à Procuradoria-Geral da República que apreciasse a legalidade do acto constitutivo da fundação, e não o fez. Na noite de quarta-feira realizava-se uma reunião do secretariado nacional do partido e a expectativa era enorme. Se Gomes aparecesse na reunião, o ambiente seria de cortar à faca. Gomes estava em Lisboa e, na realidade, ainda ponderou comparecer na reunião, mas desistiu da ideia. No Largo do Rato era evidente que Gomes se transformara no conveniente rosto do inimigo interno para Guterres desencadear uma estratégia que recusara há três meses, quando, no pico das movimentações feitas por Mário Soares e das críticas desencadeadas por Henrique Neto, Jorge Coelho lhe propusera a convocação de um congresso extraordinário. De resto, o caso da Fundação para a Prevenção e Segurança fez vir ao de cima todo o mal-estar que há muito existe no PS, acentuando a autofagia que começa a instalar-se entre os socialistas. A contestação larvar que se vinha a sentir sobretudo em sectores conotados com Mário Soares ganha agora outra dimensão face ao desafio de Guterres para uma clarificação interna em congresso. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Sampaio exigiu demissões

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Sobretudo estava longe de pensar que, no limite, o caso iniciado há 15 dias com uma notícia do "Expresso" sobre a constituição e financiamento da Fundação para a Prevenção e Segurança (FPS) se pudesse desenvolver de uma forma que o transformaria a si no alvo privilegiado. No meio da crise gerada com a pseudodemissão de António Costa e a saída intempestiva de Ricardo Sá Fernandes do Governo, em que a imagem do primeiro-ministro já saíra brutalmente desgastada, nem Guterres nem o seu estado-maior viam o caso da FPS como uma história que pudesse chegar ao topo. No máximo, na análise feita dentro do PS e do Governo, era uma tentativa para abater Armando Vara, alegadamente por parte de pessoas próximas de Fernando Gomes no quadro de uma vingança desejada por este. Gomes nunca escondeu que se sentiu alvo de uma campanha montada a partir de dentro do próprio Governo para o colocar na linha dos remodeláveis e, em privado, atribuiu sempre a Armando Vara a ambição de lhe suceder à frente do Ministério da Administração Interna (MAI). Só no final da semana passada alguns dos principais dirigentes do PS admitiram que o caso pudesse vulnerabilizar Jorge Coelho pelo lado da responsabilidade política, já que era o titular da Administração Interna à altura dos factos, apesar de não ter tido interferência directa na história da FPS. E quando na semana passada o PSD fez menção de ir por aí, ao pedir para que Jorge Coelho fosse convocado para ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito, as luzes vermelhas acenderam na direcção do PS. O caso estava a subir de patamar. Se Vara soçobrasse, passaria Coelho a ser o próximo objectivo. Com Guterres empenhado na cimeira de Nice, foi Jorge Coelho quem ficou com as despesas da gestão da crise durante o fim-de-semana e os encontros e contactos telefónicos entre a cidade francesa, onde se discutia o futuro da Europa, e Lisboa não pararam. Logo aí, em conversas de Jorge Coelho com os diversos protagonistas, foram analisadas todas as hipóteses para sair da crise, inclusive a demissão de Vara após a sua prestação na comissão. A opção, porém, foi resistir e organizar a trincheira para a difícil semana que se avizinhava. Segunda-feira, no Parlamento, o ministro do Desporto fez questão de deixar Jorge Coelho fora do caso, assumindo que a sua acção se inseriu na vasta delegação de competências que é hábito o secretário de Estado Adjunto receber no MAI. Entre os socialistas, também começa a saber-se na terça-feira à tarde que Fernando Gomes põe Coelho fora da questão, por ter formulado a convicção de que não estava por dentro dos pormenores da criação da fundação e que se aprontaria para dizer isso na audição. Há quem respire de alívio, pois pareciam estar criadas as condições para manter baixa a mira do fogo da oposição. Fernando Gomes tinha comunicado as suas desconfianças no processo da fundação a Jorge Coelho durante um almoço realizado em Maio do ano passado, com este a aconselhá-lo a fazer o que a sua consciência lhe ditasse, incluindo a suspensão do financiamento, mas também que esclarecesse o assunto com Vara. Coelho defendeu que não seria sustentável manter um clima de suspeição entre os dois. A granada de Gomes O que ninguém sabia no estado-maior do PS é que Gomes tinha uma granada de mão no bolso e se preparava para deixar claro que comunicara o assunto pessoalmente a Guterres. A direcção do PS e o seu líder foram apanhados de surpresa na quarta-feira e só aí Guterres se convenceu que o caso iria fazer estragos muito maiores. Emite imediatamente um comunicado a confirmar a versão de Gomes e a traçar a orientação para a defesa que no dia seguinte fez no Parlamento: dera luz verde a Gomes para agir em busca da verdade e transparência sobre a FPS. Subliminarmente, Guterres também quis dizer que Gomes se limitou a tentar resolver o problema intrapares, provavelmente para aniquilar Vara dentro do partido, sem necessitar de seguir outros caminhos. Ou seja, terá Guterres querido dizer que Gomes estava obrigado a abrir pelo menos um inquérito, porventura através da Inspecção-Geral da Administração Interna, bem como a requerer à Procuradoria-Geral da República que apreciasse a legalidade do acto constitutivo da fundação, e não o fez. Na noite de quarta-feira realizava-se uma reunião do secretariado nacional do partido e a expectativa era enorme. Se Gomes aparecesse na reunião, o ambiente seria de cortar à faca. Gomes estava em Lisboa e, na realidade, ainda ponderou comparecer na reunião, mas desistiu da ideia. No Largo do Rato era evidente que Gomes se transformara no conveniente rosto do inimigo interno para Guterres desencadear uma estratégia que recusara há três meses, quando, no pico das movimentações feitas por Mário Soares e das críticas desencadeadas por Henrique Neto, Jorge Coelho lhe propusera a convocação de um congresso extraordinário. De resto, o caso da Fundação para a Prevenção e Segurança fez vir ao de cima todo o mal-estar que há muito existe no PS, acentuando a autofagia que começa a instalar-se entre os socialistas. A contestação larvar que se vinha a sentir sobretudo em sectores conotados com Mário Soares ganha agora outra dimensão face ao desafio de Guterres para uma clarificação interna em congresso. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Sampaio exigiu demissões

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