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15-10-2000
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Diário Económico >>

07 de Abril

O mãos largas

O ministro Jorge Coelho voltou a safar-se na crise dos combustíveis, da mesma forma que se safou na Moderna e se vai safar nas complicadas e sinuosas relações com os empreiteiros. por Raul Vaz O ministro Jorge Coelho voltou a safar-se na crise dos combustíveis, da mesma forma que se safou na Moderna e se vai safar nas complicadas e sinuosas relações com os empreiteiros. Coelho é assim, o típico português que encontra sempre um meio para chegar a um fim, mesmo nos momentos em que a expectativa mais óbvia e equilibrada aponta em sentido contrário. Acontece que Jorge Coelho tem todo o poder deste pequeno mundo português e exerce-o a contento do poder que António Guterres quer ter num universo mais amplo e certamente mais atractivo. Acontece que Coelho só quer servir Guterres, e essa é chave do segredo. Com Coelho safa-se Guterres. A dupla é de sucesso e só não percebe quem não quer ver - o povo vai tendo orgulho num primeiro-ministro que convive de igual com os primeiros do mundo e identifica-se com o ministro que convive de igual com esse mesmo povo. Até ao dia em que Coelho faça mal a Guterres. Sem querer, mas quando já não houver nada para safar. Houve buzinão, ao contrário do que na semana passada nos pareceu ir acontecer. O frenesim de Paulo Portas e o natural acompanhamento de Carlos Carvalhas e Francisco Louçã, fez barulho, o ruído suficiente para Jorge Coelho mostrar a sua eficácia. Sem arrogância - estado absolutamente proibido no espírito guterrista - e com bondosa compreensão pela irritação dos portugueses que precisam de mais dinheiro para encher o depósito e comprar alguns bens de terceira necessidade, o Governo satisfez quem inevitavelmente tinha penalizado. Fácil, como habitualmente: distribui-se por quem mais pode abalar a tranquilidade de quem governa ao sabor das necessidades. Dá-se aos camionistas e aos agricultores, como se há-de estender a mão aos funcionários públicos se eles foram capazes de paralizar estradas e preencher o 'prime time' televisivo. Este Governo tem horror à contestação e responde à indignação com o ar indignado da criança que não percebe o adulto. Claro que entende a asneira e aceita a correcção. Prescinde mesmo de alguns brinquedos, quando corta 100 milhões de contos em edifícios e automóveis. Tudo fica bem, ou parece ficar, até ao próximo conflito. Mas fica, também, o precedente. Porque quando não se enfrenta o problema e não se explica o conflito, ele torna-se o hábito que faz do homem um bicho de hábitos. É assim a verdadeira essencência do mãos largas, o gestor de feridas Jorge Coelho. Não se espere, contudo, inocência. Coelho é tudo menos isso. Sabe com o que conta e com quem conta. Alguém da oposição questiona o ministro sobre os relatórios do SIS publicitados e prometidos na investigação à Universidade Moderna? Passaram-se meses e parece não se ter passado nada. Nem Paulo Portas, visado no assunto, é capaz de exigir o esclarecimento da situação. Porquê?, talvez Coelho saiba. E lembre, se necessário, a Portas. Alguém se lembra da forma como o ministro (não) resolveu a questão de Barrancos? É simples: pediu sondagens para aferir a vontade do eleitor e, como não a queria ferir, fez de conta que havia polícia e fiscalização. Houve tourada de morte, identificações sem rosto ou nome, mais nada. Coelho terá, também aí, dito a Guterres: «Desta safámo-nos!». Alguém tem dúvidas que o ministro vai aceitar as pressões dos empreiteiros e amaciar as restrições aos alvarás impostas por João Cravinho? Não fora a precipitação do presidente da Associação dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas, ao divulgar a nomeação de uma «comissão técnica» para alterar o regime de empreitadas e alavarás, e talvez o assunto já estivesse desbloqueado. A bem dos empreiteiros e das obras que Coelho quer mostrar aos eleitores. É óbvio que o ministro desmentiu a existência da comissão e o chefe dos empreiteiros percebeu o deslize. Quando já ninguém se lembrar, a questão terá solução, haverá obra para Guterres inaugurar, por obra da eficácia do seu incondicional ministro. E Coelho pensará: «Estamos safos». Até ao dia em que não houver nada para safar. Nesse dia, Jorge Coelho poderá dizer, ao espelho: «Estou safo!». • Durão Barroso não parece estar, de facto, bem. Na semana em que criou um «gabinete sombra» de ministeriáveis para seguir e controlar a acção dos verdadeiros ministros, ficou calado quando deveria ser a primeira voz - nem uma palavra no debate paralamentar sobre o aumento dos combustíveis. Estará Durão à espera que Guterres o mande falar? Ou segue à risca as instruções de Cavaco? Seja o que for, é um desastre. • Com Durão Barroso ausente, bem pode António Guterres manter-se afastado das comezinhas questões nacionais. E trocar o debate parlamentar por um almoço com Gorbatchov e uma reunião com os socialistas europeus. É disso que ele gosta; e o povo vai apreciando. Raul Vaz assina esta coluna semanalmente às sextas-feiras.

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O mãos largas

O ministro Jorge Coelho voltou a safar-se na crise dos combustíveis, da mesma forma que se safou na Moderna e se vai safar nas complicadas e sinuosas relações com os empreiteiros. por Raul Vaz O ministro Jorge Coelho voltou a safar-se na crise dos combustíveis, da mesma forma que se safou na Moderna e se vai safar nas complicadas e sinuosas relações com os empreiteiros. Coelho é assim, o típico português que encontra sempre um meio para chegar a um fim, mesmo nos momentos em que a expectativa mais óbvia e equilibrada aponta em sentido contrário. Acontece que Jorge Coelho tem todo o poder deste pequeno mundo português e exerce-o a contento do poder que António Guterres quer ter num universo mais amplo e certamente mais atractivo. Acontece que Coelho só quer servir Guterres, e essa é chave do segredo. Com Coelho safa-se Guterres. A dupla é de sucesso e só não percebe quem não quer ver - o povo vai tendo orgulho num primeiro-ministro que convive de igual com os primeiros do mundo e identifica-se com o ministro que convive de igual com esse mesmo povo. Até ao dia em que Coelho faça mal a Guterres. Sem querer, mas quando já não houver nada para safar. Houve buzinão, ao contrário do que na semana passada nos pareceu ir acontecer. O frenesim de Paulo Portas e o natural acompanhamento de Carlos Carvalhas e Francisco Louçã, fez barulho, o ruído suficiente para Jorge Coelho mostrar a sua eficácia. Sem arrogância - estado absolutamente proibido no espírito guterrista - e com bondosa compreensão pela irritação dos portugueses que precisam de mais dinheiro para encher o depósito e comprar alguns bens de terceira necessidade, o Governo satisfez quem inevitavelmente tinha penalizado. Fácil, como habitualmente: distribui-se por quem mais pode abalar a tranquilidade de quem governa ao sabor das necessidades. Dá-se aos camionistas e aos agricultores, como se há-de estender a mão aos funcionários públicos se eles foram capazes de paralizar estradas e preencher o 'prime time' televisivo. Este Governo tem horror à contestação e responde à indignação com o ar indignado da criança que não percebe o adulto. Claro que entende a asneira e aceita a correcção. Prescinde mesmo de alguns brinquedos, quando corta 100 milhões de contos em edifícios e automóveis. Tudo fica bem, ou parece ficar, até ao próximo conflito. Mas fica, também, o precedente. Porque quando não se enfrenta o problema e não se explica o conflito, ele torna-se o hábito que faz do homem um bicho de hábitos. É assim a verdadeira essencência do mãos largas, o gestor de feridas Jorge Coelho. Não se espere, contudo, inocência. Coelho é tudo menos isso. Sabe com o que conta e com quem conta. Alguém da oposição questiona o ministro sobre os relatórios do SIS publicitados e prometidos na investigação à Universidade Moderna? Passaram-se meses e parece não se ter passado nada. Nem Paulo Portas, visado no assunto, é capaz de exigir o esclarecimento da situação. Porquê?, talvez Coelho saiba. E lembre, se necessário, a Portas. Alguém se lembra da forma como o ministro (não) resolveu a questão de Barrancos? É simples: pediu sondagens para aferir a vontade do eleitor e, como não a queria ferir, fez de conta que havia polícia e fiscalização. Houve tourada de morte, identificações sem rosto ou nome, mais nada. Coelho terá, também aí, dito a Guterres: «Desta safámo-nos!». Alguém tem dúvidas que o ministro vai aceitar as pressões dos empreiteiros e amaciar as restrições aos alvarás impostas por João Cravinho? Não fora a precipitação do presidente da Associação dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas, ao divulgar a nomeação de uma «comissão técnica» para alterar o regime de empreitadas e alavarás, e talvez o assunto já estivesse desbloqueado. A bem dos empreiteiros e das obras que Coelho quer mostrar aos eleitores. É óbvio que o ministro desmentiu a existência da comissão e o chefe dos empreiteiros percebeu o deslize. Quando já ninguém se lembrar, a questão terá solução, haverá obra para Guterres inaugurar, por obra da eficácia do seu incondicional ministro. E Coelho pensará: «Estamos safos». Até ao dia em que não houver nada para safar. Nesse dia, Jorge Coelho poderá dizer, ao espelho: «Estou safo!». • Durão Barroso não parece estar, de facto, bem. Na semana em que criou um «gabinete sombra» de ministeriáveis para seguir e controlar a acção dos verdadeiros ministros, ficou calado quando deveria ser a primeira voz - nem uma palavra no debate paralamentar sobre o aumento dos combustíveis. Estará Durão à espera que Guterres o mande falar? Ou segue à risca as instruções de Cavaco? Seja o que for, é um desastre. • Com Durão Barroso ausente, bem pode António Guterres manter-se afastado das comezinhas questões nacionais. E trocar o debate parlamentar por um almoço com Gorbatchov e uma reunião com os socialistas europeus. É disso que ele gosta; e o povo vai apreciando. Raul Vaz assina esta coluna semanalmente às sextas-feiras.

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