Um sistema que não brinca em serviço

22-06-2000
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Saibamos todos

E ra fatal como o destino.

Depois do que, dos mais variantes quadrantes, se havia dito e escrito sobre a composição e estrutura do seu Governo e o seu iniludível significado, estava-se mesmo a ver que o Primeiro-Ministro, na cerimónia de posse do seu Governo, só podia vir brindar-nos com uma inopinada reabilitação da «ideologia» convenientemente agitada contra a «tecnocracia» sem alma, proporcionar-nos umas palavras encantatórias sobre as grandes «desafios» nacionais, oferecer-nos a imagem de um executivo embebido até ao tutano por grandes causas, tarefas e projectos colectivos.

M as a verdade é que antes já muita gente tinha percebido que o grande fio condutor dos critérios, escolhas e soluções adoptadas para a composição do Governo está na montagem de uma temível e sofisticada máquina de poder estreitamente vinculada aos objectivos de influência eleitoral do PS, está num novo salto qualitativo na articulação entre interesses partidários e exercício de funções do Estado.

E se não bastassem as carradas de exemplos que, na estrutura e composição pessoal do Governo, evidenciam este inquietante propósito, aí estaria a demonstrá-lo a apressada e estranhíssima notícia da nomeação dos dirigentes do PS Joel Hasse Ferreira e Carlos Zorrinho para «Altos Comissários para a Descentralização» respectivamente em Lisboa e Vale do Tejo e no Alentejo, sem que ninguém conheça sequer qual o suporte legal destes cargos, o seu enquadramento orgânico, as suas funções.

S alta assim à vista, e uma coisa tem que ver com a outra, que designadamente todos aqueles que não se reconhecem na bondade da governação do PS, têm diante de si não apenas a tarefa maior de dar combate ao mais que provável prosseguimento dos grandes eixos e opções determinantes da política de direita mas também a de lutar vigorosamente e sem descanso contra um plano premeditado de consolidação, duradoura estruturação e refinamento de um complexo sistema de clientelas, dependências e condicionamentos.

Saibamos todos: este é um sistema que não brinca em serviço e que vai apostar claramente no entorpecimento do espírito crítico, na anestesia, dissolução e desintegração de descontentamentos, na criação de sentimentos de impotência e resignação, no favorecimento de uma larga abdicação de qualquer vontade de mudança.

E é neste quadro que, depois de muitos dias em que compreensivelmente muitas atenções estiveram voltadas para a questão da correlação de forças parlamentar e suas prováveis consequências, ganha a maior importância uma aguda compreensão de que, talvez de forma acrescida nesta nova legislatura, o desfecho de muitas iniciativas e batalhas no plano parlamentar ou sobre a política do Governo vai sobretudo depender da nossa capacidade de iniciativa política em direcção à sociedade, aos trabalhadores e aos cidadãos, da movimentação social e dos movimentos de opinião que se afirmarem em torno dos problemas e das necessidades reais do povo e do país, em suma de uma forte revalorização da confiança dos cidadãos na eficácia de sua luta e no peso da sua opinião e intervenção na marcha dos acontecimentos. — Vítor Dias

«Avante!» Nº 1352 - 28.Outubro.1999

Saibamos todos

E ra fatal como o destino.

Depois do que, dos mais variantes quadrantes, se havia dito e escrito sobre a composição e estrutura do seu Governo e o seu iniludível significado, estava-se mesmo a ver que o Primeiro-Ministro, na cerimónia de posse do seu Governo, só podia vir brindar-nos com uma inopinada reabilitação da «ideologia» convenientemente agitada contra a «tecnocracia» sem alma, proporcionar-nos umas palavras encantatórias sobre as grandes «desafios» nacionais, oferecer-nos a imagem de um executivo embebido até ao tutano por grandes causas, tarefas e projectos colectivos.

M as a verdade é que antes já muita gente tinha percebido que o grande fio condutor dos critérios, escolhas e soluções adoptadas para a composição do Governo está na montagem de uma temível e sofisticada máquina de poder estreitamente vinculada aos objectivos de influência eleitoral do PS, está num novo salto qualitativo na articulação entre interesses partidários e exercício de funções do Estado.

E se não bastassem as carradas de exemplos que, na estrutura e composição pessoal do Governo, evidenciam este inquietante propósito, aí estaria a demonstrá-lo a apressada e estranhíssima notícia da nomeação dos dirigentes do PS Joel Hasse Ferreira e Carlos Zorrinho para «Altos Comissários para a Descentralização» respectivamente em Lisboa e Vale do Tejo e no Alentejo, sem que ninguém conheça sequer qual o suporte legal destes cargos, o seu enquadramento orgânico, as suas funções.

S alta assim à vista, e uma coisa tem que ver com a outra, que designadamente todos aqueles que não se reconhecem na bondade da governação do PS, têm diante de si não apenas a tarefa maior de dar combate ao mais que provável prosseguimento dos grandes eixos e opções determinantes da política de direita mas também a de lutar vigorosamente e sem descanso contra um plano premeditado de consolidação, duradoura estruturação e refinamento de um complexo sistema de clientelas, dependências e condicionamentos.

Saibamos todos: este é um sistema que não brinca em serviço e que vai apostar claramente no entorpecimento do espírito crítico, na anestesia, dissolução e desintegração de descontentamentos, na criação de sentimentos de impotência e resignação, no favorecimento de uma larga abdicação de qualquer vontade de mudança.

E é neste quadro que, depois de muitos dias em que compreensivelmente muitas atenções estiveram voltadas para a questão da correlação de forças parlamentar e suas prováveis consequências, ganha a maior importância uma aguda compreensão de que, talvez de forma acrescida nesta nova legislatura, o desfecho de muitas iniciativas e batalhas no plano parlamentar ou sobre a política do Governo vai sobretudo depender da nossa capacidade de iniciativa política em direcção à sociedade, aos trabalhadores e aos cidadãos, da movimentação social e dos movimentos de opinião que se afirmarem em torno dos problemas e das necessidades reais do povo e do país, em suma de uma forte revalorização da confiança dos cidadãos na eficácia de sua luta e no peso da sua opinião e intervenção na marcha dos acontecimentos. — Vítor Dias

«Avante!» Nº 1352 - 28.Outubro.1999

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