JORNAL PUBLICO: A estratégia do povo

21-06-2000
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14/09/95

A estratégia do povo

"Dá-me uma nota de cinco contos com a marca do PS."

"Ai, isso não tenho."

"Eu gosto tanto do PS, dá-me relógios do PS."

O diálogo entre um potencial jovem eleitor, evidentemente no gozo, e uma menina da Jota socialista marca bem a relação cada vez mais interesseira entre o povo e aqueles senhores e senhoras que, ciclicamente, aportam à entrada das feiras e desatam a oferecer "prendas" cada vez mais sofisticadas a tudo o que se assemelhe a ser humano que lhes passe pela frente.

Aqui há uns anos, ele, o povo, dava-se ao trabalho de insultar os intrusos, atirando-lhes maldades em português vernáculo e assumindo-se ideologicamente na recusa da propaganda que não fosse da sua cor partidária. Banalizado o "vai trabalhar malandro", sem resultados, na óptica dele, povo, a estratégia passou a ser outra: espremer tudo dos políticos. Vai daí a populaça passou a aceitar tudo e a pedir o que lhe dá mais jeito. Ingrata, vai-se tornando mais e mais exigente. O saco está bem... mas prefere o avental, que troca levianamente se vê um boné ou uns óculos. Ah! a volubilidade do povo ainda leva à ruína as finanças dos partidos.

A pequena freguesia de Santo André, concelho de Santiago do Cacém,12 mil habitantes, não foge à regra. Naquele microcosmos híbrido que nem é só rural, nem só urbano, inesperadamente organizado como o são as coisas construídas com um objectivo preciso - Santo André nasceu para albergar os trabalhadores do complexo de Sines -, reproduz-se o ambiente que se vive no resto do país. Tensão eleitoral? Que ideia. Isso é coisa que se passa sobretudo na guerra pelas audiências televisivas.

A minicaravana socialista que ontem, a meio da manhã, investiu numa sessão de "agit prop" pelo mercado local está bem ciente deste estado de alma popular. A ausência de António Vitorino, o cabeça de lista, que partiu em reunião urgente para Bruxelas, é assumida com naturalidade. Nada de frenesim, à função entregam-se homens batidos no terreno, como Joel Hasse Ferreira ou José Reis, deputados de longa data.

Por vezes comentam as mais exageradas e histriónicas manifestações de entusiasmo dos feirantes, com frases de um realismo surpreendente. "Agora fazem isto connosco, depois fazem com os outros." Os "outros" podem ser os comunistas, maioritários na freguesia, que estabeleceram com os socialistas um "acordo informal" para a governação da Junta. João Sousa, da concelhia PS de Santo André, sublinha a expressão "acordo informal" não vá o PÚBLICO extrapolar a "entente" local para o governo da nação.

Entre tendas e pedidos de "dá cá o avental" e respostas de "pega também o autocolante", os socialistas são cautelosos, mas os factos redobram-lhes esperanças. E os factos são a ausência de hostilidade e a quantidade de propaganda já distribuída.

Antes da pausa para a ginginha, Hasse Ferreira fala sem inibições dos problemas internos "muito chatos" na federação de Setúbal. A elaboração da lista local provocou feridas não sanadas. Há uma espécie de "pacto de silêncio" neste intervalo eleitoral, mas "é evidente que a discussão se vai instalar depois de Outubro", garante Hasse prevendo confusões.

O "hit" do Verão convida a pensamentos mais positivos. Mordaz, uma vendedora de roupa goza a magreza dos sacos de plástico e, por interposta subtileza, tudo o que lhe resta esperar dos políticos. "Vocês só dão sacos vazios!" "É o bicho, é o bicho."

Dois soldados da GNR rejeitaram a propaganda. "Queremos ser apartidários." Não queriam ser fotografados. "Temos direito à privacidade", refilaram ante a objectiva. Andam muito sabidinhas as "forças da ordem".

Ao almoço, os socialistas falaram de Cavaco e do novo tabu. Há muitas teorias. A maioria acredita que um governo PS é o cenário que mais lhe convém. E a eles também.

Áurea Sampaio

14/09/95

A estratégia do povo

"Dá-me uma nota de cinco contos com a marca do PS."

"Ai, isso não tenho."

"Eu gosto tanto do PS, dá-me relógios do PS."

O diálogo entre um potencial jovem eleitor, evidentemente no gozo, e uma menina da Jota socialista marca bem a relação cada vez mais interesseira entre o povo e aqueles senhores e senhoras que, ciclicamente, aportam à entrada das feiras e desatam a oferecer "prendas" cada vez mais sofisticadas a tudo o que se assemelhe a ser humano que lhes passe pela frente.

Aqui há uns anos, ele, o povo, dava-se ao trabalho de insultar os intrusos, atirando-lhes maldades em português vernáculo e assumindo-se ideologicamente na recusa da propaganda que não fosse da sua cor partidária. Banalizado o "vai trabalhar malandro", sem resultados, na óptica dele, povo, a estratégia passou a ser outra: espremer tudo dos políticos. Vai daí a populaça passou a aceitar tudo e a pedir o que lhe dá mais jeito. Ingrata, vai-se tornando mais e mais exigente. O saco está bem... mas prefere o avental, que troca levianamente se vê um boné ou uns óculos. Ah! a volubilidade do povo ainda leva à ruína as finanças dos partidos.

A pequena freguesia de Santo André, concelho de Santiago do Cacém,12 mil habitantes, não foge à regra. Naquele microcosmos híbrido que nem é só rural, nem só urbano, inesperadamente organizado como o são as coisas construídas com um objectivo preciso - Santo André nasceu para albergar os trabalhadores do complexo de Sines -, reproduz-se o ambiente que se vive no resto do país. Tensão eleitoral? Que ideia. Isso é coisa que se passa sobretudo na guerra pelas audiências televisivas.

A minicaravana socialista que ontem, a meio da manhã, investiu numa sessão de "agit prop" pelo mercado local está bem ciente deste estado de alma popular. A ausência de António Vitorino, o cabeça de lista, que partiu em reunião urgente para Bruxelas, é assumida com naturalidade. Nada de frenesim, à função entregam-se homens batidos no terreno, como Joel Hasse Ferreira ou José Reis, deputados de longa data.

Por vezes comentam as mais exageradas e histriónicas manifestações de entusiasmo dos feirantes, com frases de um realismo surpreendente. "Agora fazem isto connosco, depois fazem com os outros." Os "outros" podem ser os comunistas, maioritários na freguesia, que estabeleceram com os socialistas um "acordo informal" para a governação da Junta. João Sousa, da concelhia PS de Santo André, sublinha a expressão "acordo informal" não vá o PÚBLICO extrapolar a "entente" local para o governo da nação.

Entre tendas e pedidos de "dá cá o avental" e respostas de "pega também o autocolante", os socialistas são cautelosos, mas os factos redobram-lhes esperanças. E os factos são a ausência de hostilidade e a quantidade de propaganda já distribuída.

Antes da pausa para a ginginha, Hasse Ferreira fala sem inibições dos problemas internos "muito chatos" na federação de Setúbal. A elaboração da lista local provocou feridas não sanadas. Há uma espécie de "pacto de silêncio" neste intervalo eleitoral, mas "é evidente que a discussão se vai instalar depois de Outubro", garante Hasse prevendo confusões.

O "hit" do Verão convida a pensamentos mais positivos. Mordaz, uma vendedora de roupa goza a magreza dos sacos de plástico e, por interposta subtileza, tudo o que lhe resta esperar dos políticos. "Vocês só dão sacos vazios!" "É o bicho, é o bicho."

Dois soldados da GNR rejeitaram a propaganda. "Queremos ser apartidários." Não queriam ser fotografados. "Temos direito à privacidade", refilaram ante a objectiva. Andam muito sabidinhas as "forças da ordem".

Ao almoço, os socialistas falaram de Cavaco e do novo tabu. Há muitas teorias. A maioria acredita que um governo PS é o cenário que mais lhe convém. E a eles também.

Áurea Sampaio

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