EXPRESSO: Opinião

27-05-2001
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A falência da reforma

Luís Marques

«O Governo está incomodado com as críticas generalizadas dos agentes económicos e com a revelação de falhas técnicas grosseiras da reforma fiscal. Fiel à sua natureza, fraca e adaptável, assobia para o ar, dribla a gravidade do problema e tentará, de forma sorrateira, emendar a mão sem assumir os erros. Se puder arranjar algum ou alguns bodes expiatórios tanto melhor. É um estilo. E assim se perde uma oportunidade única de concretizar uma reforma. Uma reforma desejada e reivindicada por empresários e sindicatos.»

A REFORMA fiscal está ferida de morte. Resiste ainda no papel e na propaganda, mas nada a pode salvar dos golpes provocados pelos adversários, primeiro, e agora pelos seus próprios autores. É o moribundo à espera do golpe final, que acontecerá em breve, após uma agonia dolorosa, patética e, pior do que tudo isso, evitável. Da reforma fiscal, tal como ela existia quando foi aprovada na Assembleia da República, restará a memória de um projecto feito à pressa, com o intuito de mostrar trabalho feito, que mistura boas medidas com erros crassos. Algumas das suas disposições sobrevirão, mas integradas numa manta de retalhos que tentará juntar algumas coisas da lei inicial e as alterações que pouco a pouco lhe têm sido acrescentadas.

Os golpes fatais são desferidos sob a forma de despachos. Já vão em três. Um que altera a tributação das pensões, outro as disposições sobre reportes de salários em atraso e o terceiro que muda o regime simplificado dos chamados «recibos verdes». E a coisa não irá ficar por aqui. Outros golpes estão em preparação, até que, um dia destes, desça ao Parlamento, sob a forma de iniciativa legislativa, um cadáver chamado reforma fiscal. Até lá, o país assistirá à agonia daquele que foi um símbolo da regeneração do Governo socialista, bandeira do novo estilo reformista e do início de uma nova era política. A reforma fiscal está a ser desfeita da mesma forma atabalhoada e precipitada com que foi feita.

Tão precipitada e atabalhoada é a forma, que temos despachos a «corrigir» um decreto-lei aprovado na Assembleia da República, situação de duvidosa legalidade. O que se está a passar é a confissão do voluntarismo que domina o Ministério das Finanças. O rigor técnico, a estratégia clara e firme, foram substituídos por uma gestão política que navega à bolina das necessidades tácticas do momento. Estas alterações à reforma fiscal não são o resultado natural da aplicação de uma boa lei. São o reconhecimento público de que a reforma é globalmente uma má lei, com coisas boas à mistura. São a correcção de falhas graves e a resposta parcial ao coro de protestos que a reforma provocou. Como os protestos, justificados e fundamentados, são em número muito superior às correcções já feitas, o Ministério das Finanças vai ter de aplicar-se durante os tempos mais próximos. Parece que é isso mesmo que está a fazer, discreta e subtilmente.

Os responsáveis da reforma fiscal não conseguem esconder o embaraço da situação. O ministro Joaquim Pina Moura fala em ajustes e melhoramentos com a mesma convicção com que projecta a economia portuguesa. Ou seja, nenhuma. Ricardo Sá Fernandes reconhece erros e lamenta-se de que parece estar só a defender a lei de que é autor. E arrisca-se a ficar mesmo sozinho. O Governo está incomodado com as críticas generalizadas dos agentes económicos e com a revelação de falhas técnicas grosseiras. Fiel à sua natureza, fraca e adaptável, assobia para o ar, dribla a gravidade do problema e tentará, de forma sorrateira, emendar a mão sem assumir os erros. Se puder arranjar algum ou alguns bodes expiatórios tanto melhor. É um estilo.

E assim se perde uma oportunidade única de concretizar uma reforma. Uma reforma desejada e reivindicada por empresários e sindicatos. Uma reforma que deveria ter sido precedida da obtenção do consenso dos agentes económicos, das estruturas sindicais e das associações empresariais, como aconteceu, por exemplo, com a reforma fiscal na Alemanha e está a acontecer com os preparativos da reforma fiscal em França. Impossível? Não, não era impossível. Se esse consenso tivesse sido obtido, a oposição parlamentar não poderia evitar a aprovação da lei. Não foi este o caminho seguido por Joaquim Pina Moura. O ministro das Finanças e o primeiro-ministro queriam a reforma fiscal a qualquer preço e preferiram um negócio político com a esquerda parlamentar a um amplo acordo fora do Parlamento. Fecharam a reforma fiscal nos estreitos limites da política doméstica, quando ela precisava de se abrir à sociedade e projectar a modernidade. Podia ser uma alavanca de mobilização. Transformou-se num objecto de discórdia. Não há remendo que salve o que já foi irremediavelmente perdido.

E-mail: ldmarques@mail.telepac.pt

A falência da reforma

Luís Marques

«O Governo está incomodado com as críticas generalizadas dos agentes económicos e com a revelação de falhas técnicas grosseiras da reforma fiscal. Fiel à sua natureza, fraca e adaptável, assobia para o ar, dribla a gravidade do problema e tentará, de forma sorrateira, emendar a mão sem assumir os erros. Se puder arranjar algum ou alguns bodes expiatórios tanto melhor. É um estilo. E assim se perde uma oportunidade única de concretizar uma reforma. Uma reforma desejada e reivindicada por empresários e sindicatos.»

A REFORMA fiscal está ferida de morte. Resiste ainda no papel e na propaganda, mas nada a pode salvar dos golpes provocados pelos adversários, primeiro, e agora pelos seus próprios autores. É o moribundo à espera do golpe final, que acontecerá em breve, após uma agonia dolorosa, patética e, pior do que tudo isso, evitável. Da reforma fiscal, tal como ela existia quando foi aprovada na Assembleia da República, restará a memória de um projecto feito à pressa, com o intuito de mostrar trabalho feito, que mistura boas medidas com erros crassos. Algumas das suas disposições sobrevirão, mas integradas numa manta de retalhos que tentará juntar algumas coisas da lei inicial e as alterações que pouco a pouco lhe têm sido acrescentadas.

Os golpes fatais são desferidos sob a forma de despachos. Já vão em três. Um que altera a tributação das pensões, outro as disposições sobre reportes de salários em atraso e o terceiro que muda o regime simplificado dos chamados «recibos verdes». E a coisa não irá ficar por aqui. Outros golpes estão em preparação, até que, um dia destes, desça ao Parlamento, sob a forma de iniciativa legislativa, um cadáver chamado reforma fiscal. Até lá, o país assistirá à agonia daquele que foi um símbolo da regeneração do Governo socialista, bandeira do novo estilo reformista e do início de uma nova era política. A reforma fiscal está a ser desfeita da mesma forma atabalhoada e precipitada com que foi feita.

Tão precipitada e atabalhoada é a forma, que temos despachos a «corrigir» um decreto-lei aprovado na Assembleia da República, situação de duvidosa legalidade. O que se está a passar é a confissão do voluntarismo que domina o Ministério das Finanças. O rigor técnico, a estratégia clara e firme, foram substituídos por uma gestão política que navega à bolina das necessidades tácticas do momento. Estas alterações à reforma fiscal não são o resultado natural da aplicação de uma boa lei. São o reconhecimento público de que a reforma é globalmente uma má lei, com coisas boas à mistura. São a correcção de falhas graves e a resposta parcial ao coro de protestos que a reforma provocou. Como os protestos, justificados e fundamentados, são em número muito superior às correcções já feitas, o Ministério das Finanças vai ter de aplicar-se durante os tempos mais próximos. Parece que é isso mesmo que está a fazer, discreta e subtilmente.

Os responsáveis da reforma fiscal não conseguem esconder o embaraço da situação. O ministro Joaquim Pina Moura fala em ajustes e melhoramentos com a mesma convicção com que projecta a economia portuguesa. Ou seja, nenhuma. Ricardo Sá Fernandes reconhece erros e lamenta-se de que parece estar só a defender a lei de que é autor. E arrisca-se a ficar mesmo sozinho. O Governo está incomodado com as críticas generalizadas dos agentes económicos e com a revelação de falhas técnicas grosseiras. Fiel à sua natureza, fraca e adaptável, assobia para o ar, dribla a gravidade do problema e tentará, de forma sorrateira, emendar a mão sem assumir os erros. Se puder arranjar algum ou alguns bodes expiatórios tanto melhor. É um estilo.

E assim se perde uma oportunidade única de concretizar uma reforma. Uma reforma desejada e reivindicada por empresários e sindicatos. Uma reforma que deveria ter sido precedida da obtenção do consenso dos agentes económicos, das estruturas sindicais e das associações empresariais, como aconteceu, por exemplo, com a reforma fiscal na Alemanha e está a acontecer com os preparativos da reforma fiscal em França. Impossível? Não, não era impossível. Se esse consenso tivesse sido obtido, a oposição parlamentar não poderia evitar a aprovação da lei. Não foi este o caminho seguido por Joaquim Pina Moura. O ministro das Finanças e o primeiro-ministro queriam a reforma fiscal a qualquer preço e preferiram um negócio político com a esquerda parlamentar a um amplo acordo fora do Parlamento. Fecharam a reforma fiscal nos estreitos limites da política doméstica, quando ela precisava de se abrir à sociedade e projectar a modernidade. Podia ser uma alavanca de mobilização. Transformou-se num objecto de discórdia. Não há remendo que salve o que já foi irremediavelmente perdido.

E-mail: ldmarques@mail.telepac.pt

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