Fundos portugueses "empatados" no BERD

11-05-2001
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Projectos de empresas portuguesas chumbam quase sempre na fase de pré-qualificação

Fundos Portugueses "Empatados" no BERD

Por ARTUR NEVES

Segunda-feira, 30 de Abril de 2001

As empresas portuguesas concorrem aos projectos do BERD mas são normalmente chumbadas. Porque não têm currículo, diz a instituição. E elas desinteressam-se do Leste. É um círculo vicioso que impede até a utilização do pequeno fundo português de 150 mil contos. O novo grande mercado é das empresas dos grandes países europeus.

Portugal tem imobilizados no Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (BERD) 150 mil contos em fundos de apoio técnico, que "praticamente não são utilizados" devido ao facto de a instituição chumbar os projectos envolvendo empresas nacionais de consultoria. A revelação é de António de Almeida, representante português na administração do BERD, no momento em que a instituição celebra o seu décimo aniversário. Os projectos chumbam na fase de pré-qualificação, sendo normalmente alegada "a falta de experiência das empresas portuguesas no Leste Europeu". O que tende a reforçar o desinteresse do tecido empresarial por estes mercados.

Apesar de serem a maioria dos participantes, os pequenos países têm pouca margem de manobra numa instituição internacional como o BERD. Segundo António de Almeida, 64 anos, o papel de um país como Portugal seria sempre um papel menor, devido ao seu peso na estrutura accionista. O BERD tem presentemente um capital social de 20 mil milhões de euros (quatro milhões de contos), sendo os EUA o seu principal accionista. Países como a Alemanha ou a França detêm posições de cerca de dez por cento, tendo Portugal subscrito apenas 0,4 por cento do capital. Porém, para o mesmo responsável, a principal fonte de preocupação consiste na incapacidade de Portugal mobilizar os próprios fundos de apoio técnico que colocou à disposição da instituição. É que são os países que mais e melhor os mobilizam os que têm maiores probabilidades de verem empresas suas ganharem projectos de consultoria e para o fornecimento de equipamentos e para a construção e renovação de infra-estruturas na Europa de Leste. É aqui que Portugal é derrotado e os países grandes marcam pontos. A situação não é nova - o primeiro representante português e actualmente presidente do Conselho Económico e Social, José Silva Lopes, na instituição queixava-se recentemente do mesmo.

Especialização pode ajudar

Os fundos de apoio técnico servem sobretudo para financiar a elaboração e acompanhamento de projectos de investimento, auditorias e estudos de viabilidade económica, sendo que as empresas de consultoria que os executam tendem posteriormente a recomendar empresas da mesma nacionalidade. O que se passa, de acordo com este economista formado pela Faculdade de Economia do Porto, é que as empresas portuguesas de consultoria não são competitivas, em parte por razões de dimensão e capacidade financeira, em parte por falta de especialização em sectores económicos-chave. E refere o exemplo dos países nórdicos, que, "tendo-se especializado na consultoria ambiental, veêm os seus fundos de apoio técnico no BERD utilizados em níveis elevados, dada a importância que assume no Leste Europeu a necessidade de implementação de um modelo de desenvolvimento económico sustentável".

Uma parte da solução passará assim pela especialização das actividades de consultoria, lembrando António de Almeida que "ainda há poucos anos, os portugueses detinham uma boa reputação mundial na área dos grandes projectos de engenharia civil".

Mas entende também que tem de manifestar-se uma "maior vontade política" na defesa dos interesses nacionais no BERD, de forma a conseguir-se uma plena utilização dos fundos disponibilizados pelo país. Embora os estatutos do BERD legitimem o chumbo dos projectos na fase de pré-qualificação, Portugal poderia pressionar o banco no sentido da retirada dos seus fundos num cenário em que estes não são necessários ao cumprimento dos objectivos da instituição.

Países de maior dimensão, como a Espanha, que tem no BERD fundos de apoio técnico num montante superior a quatro milhões de contos, também se queixam de serem preteridos no processo de selecção de empresas, embora com taxas de utilização consideradas bastante positivas. Os fundos de apoio técnico ascendem a 170 milhões de contos, "com três ou quatro países a mobilizarem 80 por cento deste valor".

Designação de Pina Moura é oportunidade

Questionado sobre a recente nomeação do ministro das Finanças, Joaquim Pina Moura, para o lugar de presidente do conselho de governadores do BERD, o antigo presidente da EDP começou por recordar a natureza deste mandato anual. Competirá ao actual titular das Finanças fazer a ligação entre o conselho de administração do BERD e os seus governadores, gerando consensos em questões de diferentes graus de complexidade, desde a remuneração dos administradores até políticas específicas da instituição. Mas, segundo António de Almeida, o momento mais mediático e que proporcionará bastante visibilidade a Portugal será quando Pina Moura presidir à próxima Assembleia Geral do banco, a realizar em Bucareste em 2002, sendo a primeira vez que a instituição se reunirá fora de Londres. Lá estarão chefes de Estado e de Governo e Portugal, sustenta o mesmo responsável, não deveria desperdiçar a oportunidade de trabalhar a sua imagem junto do mercado romeno. O mercado de origem de milhares de imigrantes, muitos deles ilegais, como acontece em Portugal.

Frisando que as suas relações com o actual ministro das Finanças são actualmente "perfeitamente normais e amistosas", depois de históricas divergências de estratégia em relação à EDP, António de Almeida disse ao PÚBLICO ter endereçado a Pina Moura, na sexta-feira, uma proposta de trabalho visando a concertação das tarefas a realizar conjuntamente no futuro imediato.

Cultura do BERD é burocrática

O balanço que o representante de Portugal no Conselho de Administração do BERD faz da actuação desta instituição na sua primeira década de existência é positivo, "tendo em conta o grau de dificuldade destes mercados e a evolução política nem sempre favorável que este conjunto de países têm testemunhado". Um melhor desempenho seria, no entanto, possível "se o banco se mostrasse mais flexível, pró-activo e criativo no seu funcionamento", algo que a sua "cultura demasiado burocrática" dificulta. Uma maior dimensão também ajudaria. Criado para lidar directamente com empresas, o BERD "deveria ter uma cultura institucional diferenciada de outros bancos internacionais como o Banco Mundial ou o Banco Europeu de Investimentos", de forma a potenciar a sua agilidade.

Projectos de empresas portuguesas chumbam quase sempre na fase de pré-qualificação

Fundos Portugueses "Empatados" no BERD

Por ARTUR NEVES

Segunda-feira, 30 de Abril de 2001

As empresas portuguesas concorrem aos projectos do BERD mas são normalmente chumbadas. Porque não têm currículo, diz a instituição. E elas desinteressam-se do Leste. É um círculo vicioso que impede até a utilização do pequeno fundo português de 150 mil contos. O novo grande mercado é das empresas dos grandes países europeus.

Portugal tem imobilizados no Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (BERD) 150 mil contos em fundos de apoio técnico, que "praticamente não são utilizados" devido ao facto de a instituição chumbar os projectos envolvendo empresas nacionais de consultoria. A revelação é de António de Almeida, representante português na administração do BERD, no momento em que a instituição celebra o seu décimo aniversário. Os projectos chumbam na fase de pré-qualificação, sendo normalmente alegada "a falta de experiência das empresas portuguesas no Leste Europeu". O que tende a reforçar o desinteresse do tecido empresarial por estes mercados.

Apesar de serem a maioria dos participantes, os pequenos países têm pouca margem de manobra numa instituição internacional como o BERD. Segundo António de Almeida, 64 anos, o papel de um país como Portugal seria sempre um papel menor, devido ao seu peso na estrutura accionista. O BERD tem presentemente um capital social de 20 mil milhões de euros (quatro milhões de contos), sendo os EUA o seu principal accionista. Países como a Alemanha ou a França detêm posições de cerca de dez por cento, tendo Portugal subscrito apenas 0,4 por cento do capital. Porém, para o mesmo responsável, a principal fonte de preocupação consiste na incapacidade de Portugal mobilizar os próprios fundos de apoio técnico que colocou à disposição da instituição. É que são os países que mais e melhor os mobilizam os que têm maiores probabilidades de verem empresas suas ganharem projectos de consultoria e para o fornecimento de equipamentos e para a construção e renovação de infra-estruturas na Europa de Leste. É aqui que Portugal é derrotado e os países grandes marcam pontos. A situação não é nova - o primeiro representante português e actualmente presidente do Conselho Económico e Social, José Silva Lopes, na instituição queixava-se recentemente do mesmo.

Especialização pode ajudar

Os fundos de apoio técnico servem sobretudo para financiar a elaboração e acompanhamento de projectos de investimento, auditorias e estudos de viabilidade económica, sendo que as empresas de consultoria que os executam tendem posteriormente a recomendar empresas da mesma nacionalidade. O que se passa, de acordo com este economista formado pela Faculdade de Economia do Porto, é que as empresas portuguesas de consultoria não são competitivas, em parte por razões de dimensão e capacidade financeira, em parte por falta de especialização em sectores económicos-chave. E refere o exemplo dos países nórdicos, que, "tendo-se especializado na consultoria ambiental, veêm os seus fundos de apoio técnico no BERD utilizados em níveis elevados, dada a importância que assume no Leste Europeu a necessidade de implementação de um modelo de desenvolvimento económico sustentável".

Uma parte da solução passará assim pela especialização das actividades de consultoria, lembrando António de Almeida que "ainda há poucos anos, os portugueses detinham uma boa reputação mundial na área dos grandes projectos de engenharia civil".

Mas entende também que tem de manifestar-se uma "maior vontade política" na defesa dos interesses nacionais no BERD, de forma a conseguir-se uma plena utilização dos fundos disponibilizados pelo país. Embora os estatutos do BERD legitimem o chumbo dos projectos na fase de pré-qualificação, Portugal poderia pressionar o banco no sentido da retirada dos seus fundos num cenário em que estes não são necessários ao cumprimento dos objectivos da instituição.

Países de maior dimensão, como a Espanha, que tem no BERD fundos de apoio técnico num montante superior a quatro milhões de contos, também se queixam de serem preteridos no processo de selecção de empresas, embora com taxas de utilização consideradas bastante positivas. Os fundos de apoio técnico ascendem a 170 milhões de contos, "com três ou quatro países a mobilizarem 80 por cento deste valor".

Designação de Pina Moura é oportunidade

Questionado sobre a recente nomeação do ministro das Finanças, Joaquim Pina Moura, para o lugar de presidente do conselho de governadores do BERD, o antigo presidente da EDP começou por recordar a natureza deste mandato anual. Competirá ao actual titular das Finanças fazer a ligação entre o conselho de administração do BERD e os seus governadores, gerando consensos em questões de diferentes graus de complexidade, desde a remuneração dos administradores até políticas específicas da instituição. Mas, segundo António de Almeida, o momento mais mediático e que proporcionará bastante visibilidade a Portugal será quando Pina Moura presidir à próxima Assembleia Geral do banco, a realizar em Bucareste em 2002, sendo a primeira vez que a instituição se reunirá fora de Londres. Lá estarão chefes de Estado e de Governo e Portugal, sustenta o mesmo responsável, não deveria desperdiçar a oportunidade de trabalhar a sua imagem junto do mercado romeno. O mercado de origem de milhares de imigrantes, muitos deles ilegais, como acontece em Portugal.

Frisando que as suas relações com o actual ministro das Finanças são actualmente "perfeitamente normais e amistosas", depois de históricas divergências de estratégia em relação à EDP, António de Almeida disse ao PÚBLICO ter endereçado a Pina Moura, na sexta-feira, uma proposta de trabalho visando a concertação das tarefas a realizar conjuntamente no futuro imediato.

Cultura do BERD é burocrática

O balanço que o representante de Portugal no Conselho de Administração do BERD faz da actuação desta instituição na sua primeira década de existência é positivo, "tendo em conta o grau de dificuldade destes mercados e a evolução política nem sempre favorável que este conjunto de países têm testemunhado". Um melhor desempenho seria, no entanto, possível "se o banco se mostrasse mais flexível, pró-activo e criativo no seu funcionamento", algo que a sua "cultura demasiado burocrática" dificulta. Uma maior dimensão também ajudaria. Criado para lidar directamente com empresas, o BERD "deveria ter uma cultura institucional diferenciada de outros bancos internacionais como o Banco Mundial ou o Banco Europeu de Investimentos", de forma a potenciar a sua agilidade.

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