EXPRESSO: Opinião

23-06-2001
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Lenta agonia

Luís Marques

«Pina Moura quis marcar o seu distanciamento relativamente aos pares do Governo. Foi aí que procurou a força política capaz de forçar o aparelho governamental a aceitar o inevitável. O dramatismo de quinta-feira é apenas parte desta estratégia. Pina Moura levou a carta a Garcia. O primeiro-ministro vai ter de assumir agora a responsabilidade política.»

A LENTA agonia política de Joaquim Pina Moura é um dos mais dolorosos e patéticos episódios da governação socialista. Até quinta-feira afectava, por igual, o Governo, o primeiro-ministro e o próprio ministro das Finanças. Desde quinta-feira António Guterres passou a ser o principal sustentáculo político do enfraquecido ministro. É o que resulta de um Conselho de Ministros em que Pina Moura terá entrado demissionário e saiu aparentemente reforçado com a aprovação do plano de redução da despesa pública e do orçamento rectificativo.

O plenário governamental é, ele também, uma peça importante, mas triste, deste jogo de sombras em que se transformou a relação do Ministério das Finanças com o restante Governo. A divulgação do pedido de demissão de Pina Moura enquanto decorria o Conselho de Ministros vai ficar como mais um exemplo de um estilo que privilegia a política e faz desta a varinha mágica que tudo resolve. O resultado deste episódio é simples: Pina Moura quis sair e o primeiro-ministro aguentou-o. O ministro das Finanças admitia o sacrifício mas foi António Guterres quem o convenceu a ficar. Numa leitura política imediata Pina Moura saiu reforçado, António Guterres enfraquecido. Na realidade, saíram ambos mais fragilizados, mas o primeiro-ministro em pior situação do que estava antes.

Deste episódio resultou a dramatização política da aprovação de um conjunto de medidas técnicas indispensáveis para corrigir as asneiras do passado. A estratégia foi ensaiada na segunda-feira, na reunião de Pina Moura com os antigos ministros das Finanças e ex-governadores do Banco de Portugal. A convocação de tão incrível conclave, inédito em Portugal e provavelmente em todo o mundo, foi o arranque da operação mediática necessária à legitimação técnica e política das medidas aprovadas pelo Conselho de Ministros de quinta-feira. Mas foi igualmente a iniciativa com que Pina Moura quis marcar o seu distanciamento relativamente aos pares do Governo. Foi aí que procurou a força política capaz de forçar o aparelho governamental a aceitar o inevitável. O dramatismo de quinta-feira é apenas parte desta estratégia. Pina Moura levou a carta a Garcia. O primeiro-ministro vai ter de assumir agora a responsabilidade política.

Joaquim Pina Moura mostrou, assim, que está disposto a lutar até ao limite pelo cargo que ocupa. Na realidade, parece mesmo disposto a tudo. Usando de um pragmatismo inédito no Ministério das Finanças toma e desfaz medidas com a facilidade de um político, mas com uma incongruência imprópria de um técnico. Não tem estratégia económica, mas é hábil nos bastidores da política. Transmite a estranha sensação de que pode fazer hoje uma coisa e amanhã o seu contrário. Como, aliás, tem acontecido. Pina Moura é um político agarrado ao lugar, como qualquer político. Com esta particularidade: ocupa o sensível posto de ministro das Finanças.

Há menos de seis meses propôs e fez aprovar um orçamento despesista. Agora avança com um orçamento rectificativo de contenção, numa pública manifestação de incapacidade e confusão. Já este ano fez aprovar a reforma fiscal, para depois a desfazer pouco a pouco, numa clara demonstração de precipitação e voluntarismo. Anunciou a reforma da tributação do património, para a seguir a adiar. Poucos acreditam que, apesar da hábil gestão política, tenha condições para levar até ao fim as medidas aprovadas na quinta-feira pelo Governo.

Daqui resulta esta estranha situação. Pina Moura tem, finalmente, um programa de acção coerente, necessário e vital ao saneamento das finanças públicas, mas não é certo que tenha ganho apoios fora do Governo e é seguro que perdeu alguns dentro dele. É só esperar para ver até onde irá a inevitável ruptura.

E-mail: ldmarques@mail.pt

Lenta agonia

Luís Marques

«Pina Moura quis marcar o seu distanciamento relativamente aos pares do Governo. Foi aí que procurou a força política capaz de forçar o aparelho governamental a aceitar o inevitável. O dramatismo de quinta-feira é apenas parte desta estratégia. Pina Moura levou a carta a Garcia. O primeiro-ministro vai ter de assumir agora a responsabilidade política.»

A LENTA agonia política de Joaquim Pina Moura é um dos mais dolorosos e patéticos episódios da governação socialista. Até quinta-feira afectava, por igual, o Governo, o primeiro-ministro e o próprio ministro das Finanças. Desde quinta-feira António Guterres passou a ser o principal sustentáculo político do enfraquecido ministro. É o que resulta de um Conselho de Ministros em que Pina Moura terá entrado demissionário e saiu aparentemente reforçado com a aprovação do plano de redução da despesa pública e do orçamento rectificativo.

O plenário governamental é, ele também, uma peça importante, mas triste, deste jogo de sombras em que se transformou a relação do Ministério das Finanças com o restante Governo. A divulgação do pedido de demissão de Pina Moura enquanto decorria o Conselho de Ministros vai ficar como mais um exemplo de um estilo que privilegia a política e faz desta a varinha mágica que tudo resolve. O resultado deste episódio é simples: Pina Moura quis sair e o primeiro-ministro aguentou-o. O ministro das Finanças admitia o sacrifício mas foi António Guterres quem o convenceu a ficar. Numa leitura política imediata Pina Moura saiu reforçado, António Guterres enfraquecido. Na realidade, saíram ambos mais fragilizados, mas o primeiro-ministro em pior situação do que estava antes.

Deste episódio resultou a dramatização política da aprovação de um conjunto de medidas técnicas indispensáveis para corrigir as asneiras do passado. A estratégia foi ensaiada na segunda-feira, na reunião de Pina Moura com os antigos ministros das Finanças e ex-governadores do Banco de Portugal. A convocação de tão incrível conclave, inédito em Portugal e provavelmente em todo o mundo, foi o arranque da operação mediática necessária à legitimação técnica e política das medidas aprovadas pelo Conselho de Ministros de quinta-feira. Mas foi igualmente a iniciativa com que Pina Moura quis marcar o seu distanciamento relativamente aos pares do Governo. Foi aí que procurou a força política capaz de forçar o aparelho governamental a aceitar o inevitável. O dramatismo de quinta-feira é apenas parte desta estratégia. Pina Moura levou a carta a Garcia. O primeiro-ministro vai ter de assumir agora a responsabilidade política.

Joaquim Pina Moura mostrou, assim, que está disposto a lutar até ao limite pelo cargo que ocupa. Na realidade, parece mesmo disposto a tudo. Usando de um pragmatismo inédito no Ministério das Finanças toma e desfaz medidas com a facilidade de um político, mas com uma incongruência imprópria de um técnico. Não tem estratégia económica, mas é hábil nos bastidores da política. Transmite a estranha sensação de que pode fazer hoje uma coisa e amanhã o seu contrário. Como, aliás, tem acontecido. Pina Moura é um político agarrado ao lugar, como qualquer político. Com esta particularidade: ocupa o sensível posto de ministro das Finanças.

Há menos de seis meses propôs e fez aprovar um orçamento despesista. Agora avança com um orçamento rectificativo de contenção, numa pública manifestação de incapacidade e confusão. Já este ano fez aprovar a reforma fiscal, para depois a desfazer pouco a pouco, numa clara demonstração de precipitação e voluntarismo. Anunciou a reforma da tributação do património, para a seguir a adiar. Poucos acreditam que, apesar da hábil gestão política, tenha condições para levar até ao fim as medidas aprovadas na quinta-feira pelo Governo.

Daqui resulta esta estranha situação. Pina Moura tem, finalmente, um programa de acção coerente, necessário e vital ao saneamento das finanças públicas, mas não é certo que tenha ganho apoios fora do Governo e é seguro que perdeu alguns dentro dele. É só esperar para ver até onde irá a inevitável ruptura.

E-mail: ldmarques@mail.pt

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