Carta a um sr. deputado do PS: resposta a João Sobral

15-02-2001
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Carta a Um Sr. Deputado do PS: Resposta a João Sobral

Por VÍTOR VELOSO

Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2001 Compreendo que o sr. deputado tenha obrigações para com o seu partido, para com o Governo, e de um modo especial, para com a ministra da Saúde. Mas o simples facto de ter descido a terreno em defesa da posição da sr.ª ministra é o reconhecimento implícito de que a decisão por ela tomada não foi pacífica, não foi justa, e que nem sequer teve a aceitação pública que a Sr.ª Ministra procurava. Curiosamente, no mesmo jornal, e no mesmo dia em que vem publicado o seu artigo, podemos verificar que, embora o PS tenha subido globalmente nas intenções de voto, a popularidade da sr.ª ministra baixa ainda mais uma vez, mantendo-se no último lugar do "ranking" ministerial. Tinha decidido que não voltaria ao assunto da exoneração do Conselho de Administração do IPO Porto, a não ser, em sede própria, no âmbito das instituições judiciais, que são as únicas idóneas para fazer justiça. Se o meu caro sr. deputado do PS não tivesse, como corolário de acervo de mentiras, meias verdades e desinformações (propositadas, ou por ignorância), atentado ao meu bom nome e à minha integridade, não me daria sequer ao inglório trabalho de tentar esclarecê-lo devidamente. Mas antes de entrar propriamente no assunto, gostaria de felicitá-lo pela qualidade literária do seu "encomendado" artigo, a qual surpreendeu os seus amigos e conhecidos pelo inesperado talento que revela... E dito isto, passo a esclarecer o meu caro sr. deputado do PS, que, como quero crer, estará extremamente mal informado, porquanto apenas teve em conta uma visão unilateral e incompleta dos factos, o que o levou a desconhecer totalmente tanto a realidade da Instituição como a clareza do processo e, igualmente, que havia, desde o início, um total conhecimento, por parte da tutela, de toda a evolução da situação. A actividade de clínica privada no IPO começou a funcionar em 1994, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 73/90, promulgado pelo então ministro da Saúde, e por um regulamento interno, que, além de respeitar o referido diploma, foi oportunamente dado a conhecer e submetido à aprovação da Tutela. Nunca no IPO existiu nenhuma interferência entre a prática pública e a privada; nunca esta última prejudicou a primeira, visto as cirurgias privadas serem sempre realizadas após o horário do regime público (depois das 16 horas). Nunca nenhum doente do regime público geral deixou de ser internado por falta de vaga; o contrário verificou-se muitas vezes - os internamentos privados eram frequentemente adiados por falta de camas. Em 1999, afim de melhorar o regime privado praticado no IPO, a então ministra da Saúde, Maria de Belém Roseira, criou um grupo de trabalho, liderado e conduzido por um representante do Ministério, integrando, para além disso, um elemento da Inspecção Geral de Saúde. Este grupo mantém-se ainda em funções, embora o seu trabalho nunca tivesse sido concluído, não podendo imputar-se ao IPO qualquer responsabilidade relativamente a esta matéria. A actual ministra da Saúde nunca revogou o mencionado despacho, nem extinguiu o grupo de trabalho. Foi o Presidente do Conselho de Administração quem reiteradamente pediu à Inspecção Geral de Saúde que fosse realizada uma auditoria, o que só veio a acontecer tardiamente. Este relatório detectou "irregularidades", mas nunca ilegalidades, o que, como o sr. deputado deve saber, são coisas perfeitamente distintas. Além disso, as opiniões jurídicas da IGS (que, aliás, é um órgão do Ministério da Saúde e tutelado directamente pelo ministro) não são vinculativas, funcionando apenas como "recomendações". A partir dessa data, sempre tivemos autorização da IGS para adiar a aplicação das recomendações, enquanto apresentávamos os pareceres jurídicos nos quais se fundamentava a nossa interpretação. Esta situação foi sempre autorizada pela ministra Maria de Belém até à criação, por despacho ministerial, do Grupo de Trabalho. É falso, portanto, e deveria o sr. deputado sabê-lo, que o Conselho de Administração tenha actuado alguma vez fora da legalidade, ou que tenha de algum modo desafiado a autoridade da Tutela, ou mesmo da IGS. É falso que o Presidente do Conselho de Administração tenha facturado, na clínica privada, os valores que indica, como em qualquer altura poderá ser documentado. É falso que a lista de espera tenha aumentado como consequência da prática de clínica privada. Muito antes pelo contrário! É ridícula e demonstra o seu profundo desconhecimento da realidade hospitalar, a aritmética básica que utiliza ("20 quartos particulares=20 doentes/semana, o que faria com que bastassem 6 meses para acabar com as listas de espera"). Devo dizer-lhe que a solução baseada no seu esquema foi já utilizada, e o resultado foi um aumento substancial da lista de espera! É falso que só tenha havido um lucro de 10 mil contos provenientes dos doentes privados através da cobrança, prevista na lei, de dois por cento dos honorários médicos, pois a clínica privada gerava, para o orçamento do IPO, cerca de 200 mil contos por ano. "A passagem dos doentes do privado para o público chama-se complementaridade e é admitida pelo doente". Esta frase é retirada do relatório confidencial da IGS, facto que deve ter passado despercebido ao sr. deputado, dado que a situação é pacificamente aceite pela IGS, baseando-se no n.º 8.1 do despacho n.º 14/90 (C.F. 3.1.5.). Existem presentemente vários hospitais públicos que praticam clínica privada em moldes em tudo idênticos aos do IPO Porto, com o mesmo estatuto jurídico desta instituição. Contudo, parece, à luz de informações vindas recentemente a público na comunicação social, em relação ao Hospital de Setúbal, por exemplo, que de facto, existem dois pesos e duas medidas de avaliação, o que me leva a crer que poderei contar com a sua inteira solidariedade, conforme promete... Enfim, como recentemente escrevia o dr. Paulo Mendo, "o IPO Porto é um modelo entre os hospitais portugueses", acrescentando que esta situação "é intolerável em Portugal", e que quem se "destaca da mediocridade de fundo, que se torne notado pela qualidade, passa a ser visto como qualquer coisa anómala (...) em que é preciso encontrar um responsável para esta situação indesejável". Os "responsáveis" foram encontrados, agredidos gratuitamente de uma forma arrogante e premeditada. Lamentavelmente, esta acção atinge sobretudo a instituição e o doente oncológico. E é também lamentável que se esqueçam que as instituições são os pilares do Estado, e que, ao fragilizá-las, debilitam o próprio Estado e põem mesmo em risco a Democracia. Não posso estar mais de acordo com a sua opinião de que, ao tratar dos problemas da saúde, não deveriam ser incluídas opiniões partidárias; como cidadão independente, sinto-me perfeitamente à vontade para falar destes assuntos de uma forma isenta, o que, obviamente, não acontecerá com o sr. deputado. Mas tudo isto não passa de uma cortina de fumo para ocultar a total e completa ineficácia do Ministério da Saúde, quer em ideias, quer em acções. Se não, vejamos: para quando a lei que clarifique completamente a situação da clínica privada nos hospitais públicos? Para quando o novo regime jurídico dos hospitais? Para quando a resolução dos verdadeiros problemas das listas de espera? Para quando a melhoria dos cuidados primários? Para quando o controle do Orçamento da Saúde? Para quando a melhoria da saúde do cidadão português? Para isto - e muito mais - o sr. deputado não tem respostas. E olhe que estou a ser bem-educado! Aguardamos calmamente para saber por quem irão, no futuro, dobrar os sinos... *chefe de Serviço Hospitalar, Ex-Director do IPO Porto OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO OPINIÃO

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Os cidadãos da abstenção

Educação, família e Estado

Arturinho ministro

CARTAS AO DIRECTOR

O povo é monárquico

Caso Saleiro - 1

Caso Saleiro - 2

Caso Saleiro - 3

"À vol d'oiseau"

Citações

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Se o meu caro sr. deputado do PS não tivesse, como corolário de acervo de mentiras, meias verdades e desinformações (propositadas, ou por ignorância), atentado ao meu bom nome e à minha integridade, não me daria sequer ao inglório trabalho de tentar esclarecê-lo devidamente. Mas antes de entrar propriamente no assunto, gostaria de felicitá-lo pela qualidade literária do seu "encomendado" artigo, a qual surpreendeu os seus amigos e conhecidos pelo inesperado talento que revela... E dito isto, passo a esclarecer o meu caro sr. deputado do PS, que, como quero crer, estará extremamente mal informado, porquanto apenas teve em conta uma visão unilateral e incompleta dos factos, o que o levou a desconhecer totalmente tanto a realidade da Instituição como a clareza do processo e, igualmente, que havia, desde o início, um total conhecimento, por parte da tutela, de toda a evolução da situação. A actividade de clínica privada no IPO começou a funcionar em 1994, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 73/90, promulgado pelo então ministro da Saúde, e por um regulamento interno, que, além de respeitar o referido diploma, foi oportunamente dado a conhecer e submetido à aprovação da Tutela. Nunca no IPO existiu nenhuma interferência entre a prática pública e a privada; nunca esta última prejudicou a primeira, visto as cirurgias privadas serem sempre realizadas após o horário do regime público (depois das 16 horas). Nunca nenhum doente do regime público geral deixou de ser internado por falta de vaga; o contrário verificou-se muitas vezes - os internamentos privados eram frequentemente adiados por falta de camas. Em 1999, afim de melhorar o regime privado praticado no IPO, a então ministra da Saúde, Maria de Belém Roseira, criou um grupo de trabalho, liderado e conduzido por um representante do Ministério, integrando, para além disso, um elemento da Inspecção Geral de Saúde. Este grupo mantém-se ainda em funções, embora o seu trabalho nunca tivesse sido concluído, não podendo imputar-se ao IPO qualquer responsabilidade relativamente a esta matéria. A actual ministra da Saúde nunca revogou o mencionado despacho, nem extinguiu o grupo de trabalho. Foi o Presidente do Conselho de Administração quem reiteradamente pediu à Inspecção Geral de Saúde que fosse realizada uma auditoria, o que só veio a acontecer tardiamente. Este relatório detectou "irregularidades", mas nunca ilegalidades, o que, como o sr. deputado deve saber, são coisas perfeitamente distintas. Além disso, as opiniões jurídicas da IGS (que, aliás, é um órgão do Ministério da Saúde e tutelado directamente pelo ministro) não são vinculativas, funcionando apenas como "recomendações". A partir dessa data, sempre tivemos autorização da IGS para adiar a aplicação das recomendações, enquanto apresentávamos os pareceres jurídicos nos quais se fundamentava a nossa interpretação. Esta situação foi sempre autorizada pela ministra Maria de Belém até à criação, por despacho ministerial, do Grupo de Trabalho. É falso, portanto, e deveria o sr. deputado sabê-lo, que o Conselho de Administração tenha actuado alguma vez fora da legalidade, ou que tenha de algum modo desafiado a autoridade da Tutela, ou mesmo da IGS. É falso que o Presidente do Conselho de Administração tenha facturado, na clínica privada, os valores que indica, como em qualquer altura poderá ser documentado. É falso que a lista de espera tenha aumentado como consequência da prática de clínica privada. Muito antes pelo contrário! É ridícula e demonstra o seu profundo desconhecimento da realidade hospitalar, a aritmética básica que utiliza ("20 quartos particulares=20 doentes/semana, o que faria com que bastassem 6 meses para acabar com as listas de espera"). Devo dizer-lhe que a solução baseada no seu esquema foi já utilizada, e o resultado foi um aumento substancial da lista de espera! É falso que só tenha havido um lucro de 10 mil contos provenientes dos doentes privados através da cobrança, prevista na lei, de dois por cento dos honorários médicos, pois a clínica privada gerava, para o orçamento do IPO, cerca de 200 mil contos por ano. "A passagem dos doentes do privado para o público chama-se complementaridade e é admitida pelo doente". Esta frase é retirada do relatório confidencial da IGS, facto que deve ter passado despercebido ao sr. deputado, dado que a situação é pacificamente aceite pela IGS, baseando-se no n.º 8.1 do despacho n.º 14/90 (C.F. 3.1.5.). Existem presentemente vários hospitais públicos que praticam clínica privada em moldes em tudo idênticos aos do IPO Porto, com o mesmo estatuto jurídico desta instituição. Contudo, parece, à luz de informações vindas recentemente a público na comunicação social, em relação ao Hospital de Setúbal, por exemplo, que de facto, existem dois pesos e duas medidas de avaliação, o que me leva a crer que poderei contar com a sua inteira solidariedade, conforme promete... Enfim, como recentemente escrevia o dr. Paulo Mendo, "o IPO Porto é um modelo entre os hospitais portugueses", acrescentando que esta situação "é intolerável em Portugal", e que quem se "destaca da mediocridade de fundo, que se torne notado pela qualidade, passa a ser visto como qualquer coisa anómala (...) em que é preciso encontrar um responsável para esta situação indesejável". Os "responsáveis" foram encontrados, agredidos gratuitamente de uma forma arrogante e premeditada. Lamentavelmente, esta acção atinge sobretudo a instituição e o doente oncológico. E é também lamentável que se esqueçam que as instituições são os pilares do Estado, e que, ao fragilizá-las, debilitam o próprio Estado e põem mesmo em risco a Democracia. Não posso estar mais de acordo com a sua opinião de que, ao tratar dos problemas da saúde, não deveriam ser incluídas opiniões partidárias; como cidadão independente, sinto-me perfeitamente à vontade para falar destes assuntos de uma forma isenta, o que, obviamente, não acontecerá com o sr. deputado. Mas tudo isto não passa de uma cortina de fumo para ocultar a total e completa ineficácia do Ministério da Saúde, quer em ideias, quer em acções. Se não, vejamos: para quando a lei que clarifique completamente a situação da clínica privada nos hospitais públicos? Para quando o novo regime jurídico dos hospitais? Para quando a resolução dos verdadeiros problemas das listas de espera? Para quando a melhoria dos cuidados primários? Para quando o controle do Orçamento da Saúde? Para quando a melhoria da saúde do cidadão português? Para isto - e muito mais - o sr. deputado não tem respostas. E olhe que estou a ser bem-educado! Aguardamos calmamente para saber por quem irão, no futuro, dobrar os sinos... *chefe de Serviço Hospitalar, Ex-Director do IPO Porto OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO OPINIÃO

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Os cidadãos da abstenção

Educação, família e Estado

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