O palco é a sua casa

10-07-2001
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Teresa Ovídio, actriz, 33 anos

O Palco É a Sua Casa

Segunda-feira, 21 de Maio de 2001

Teresa Ovídio não contará como dá vida a um personagem; para não perturbar o sono de um anjo, desfazer um sonho, ou desvendar um segredo. Sobre tudo o resto, esta actriz de 33 anos fala com uma generosidade e uma energia contagiantes: do seu país, Portugal, que adora; da sua decisão de fazer teatro em Paris, depois de ter iniciado estudos de Psicologia em Lisboa; da família, com quem fala todos os dias ao telefone; dos filmes que viu no cinema; de teatro, do bom e do mau; dos seus sonhos de conhecer pessoas que lhe abram as portas; dos encontros inesquecíveis que já teve, Marcello Mastroianni, por exemplo, com quem houve "um contacto maravilhoso" embora para "uma cena sem importância", num filme de Raoul Ruiz; dos filmes de João César Monteiro, "completamente louco, mas com uma loucura que eu gosto", e das peças encenadas por João Lourenço, com quem gostaria um dia de trabalhar.

A maneira como molda os seus papéis é algo de sagrado que "guarda intimamente para si". Ao mesmo tempo que fala, enrola os braços à volta do corpo: "é importante tentar guardar no ventre o máximo, aquilo que de mais forte sentimos".

Quando entra em palco, estas palavras ganham de repente sentido. Invade o espaço com graça e leveza. E, como na vida real, a sua presença agarra. Porque ri, ou porque chora. Porque tudo nela se passa de forma intensa. "Teresa é uma verdadeira actriz," diz o encenador francês Guy Rétoré, que evoca "a sua poesia, a sua maneira única de se mover em palco". Com a suavidade de uma nuvem, ou a força de um trovão que diz toda a raiva de ser mulher na guerra da Bósnia, mulher violada na peça "Le sexe de la femme comme champ de bataille", do escritor romeno Matéi Visniec. Guy Rétoré, fundador do Théâtre de l'Est Parisien, adaptou-a em "La femme comme champ de bataille" - do silêncio entre uma mulher violada e uma psiquiatra norte-americana nasce aos poucos o diálogo, no qual se liberta enfim o trauma do que a primeira viveu e do que a segunda viu. "A interpretação de ambas é perfeita e natural," lê-se numa critica de 1999. "É puro, bonito e cruel". A receita do sucesso está na contenção do encenador e das actrizes, que escapam ao sentimentalismo.

"O importante foi não cair em estereotipos,", diz Teresa Ovídio. "Nesta peça há muita coisa que não se diz, que não se mostra; temos que trabalhar interiormente". Tudo se adivinha; tudo é emoção controlada, ao contrário da exuberância latina que domina "Ay Carmela", do catalão José Sanchis Sinisterra numa encenação de Pierre Chabert. Um texto que já conquistou quinze países e inspirou o filme "Morrer em Madrid", do cineasta espanhol Carlos Saura.

Foi a primeira encenação em França desta peça, em 1994, que verdadeiramente lançou Teresa Ovídio, e que a levou quatro vezes ao Festival de Teatro de Avignon. A peça conta a história de um casal de saltimbancos, preso na guerra civil de Espanha, para representar para os prisioneiros condenados à morte. Face ao jogo de humilhação dos oficiais franquistas, Carmela prefere juntar-se ao canto heróico dos soldados republicanos antes de serem executados. Depois de fuzilada, a personagem, interpretada por Teresa Ovídio, volta do país dos mortos e, com o actor francês Jean-Marie Galey, oferece uma tragicomédia que valeu as honras da crítica de Avignon.

Foi há sete anos que o assistente do encenador de "Ay Carmela" descobriu Teresa Ovídio num dos 'sketches' que esta então fazia no Canal + , na televisão. Há muito tempo que Pierre Chabert andava à procura de uma "Carmela" instintiva, uma mulher do povo transformada em heroína, uma figura maternal com uma obstinação latina, com os dons do canto e da dança. Teresa Ovídio recebeu o papel como uma "pérola da escrita", "uma prenda" para uma actriz. Da personagem fala como de uma pessoa: "Eu vou a ela e ela já está de braços abertos". A peça já foi representada mais de 700 vezes - "actuo como me sinto nesse dia e cada dia me sinto diferente; e o teatro é isso, é também não ter de forçar um certo estado de espírito".

Entre as duas peças mais importantes na sua vida de actriz de teatro, Teresa Ovídio passou brevemente pelo cinema. Para além da cena fugaz no filme "Trois vies et une seule mort" de Raoul Ruiz, interpretou um papel secundário no "Quasimodo" de Patrick Timsit, e participou em curtas metragens e produções televisivas; sempre com um pé no palco, em peças como "Hollywood, Hollywood" de David Mamet, "Cahiers de doléances" de Tchekhov, ou "Le prince travesti", de Marivaux, entre outras.

Não imagina qual o grande papel que gostaria de representar. Mas gostaria de fazer mais cinema e, um dia, uma peça em Portugal, de onde partiu com 21 anos. Depois de ter hesitado, nomeadamente entre Londres e Barcelona, escolheu Paris, onde chegou com uma ideia muito precisa do que procurava em termos de formação teatral. Encontrou o professor russo Alexandre Arbatt, que dirigia uma escola "perfeitamente de acordo com o que queria" e onde esteve até aos 25 anos.

A sua formação continuou - e mantém-se - em ateliers para actores profissionais, em Paris e Nova Iorque, com John Strasberg, filho de Lee Strasberg, fundador do Actor's Studio nova-iorquino. Para Teresa Ovídio, realização profissional e pessoal parecem confundir-se. "A dor no teatro é muito satisfatória," diz com o olhar próximo e, ao mesmo tempo, distante.

"Sofremos, choramos, estamos mal, e ao mesmo tempo, estamos contentes. E há um prazer enorme de poder estar a sentir isto tudo". Não tenta adivinhar o que o futuro lhe reserva. Mas acredita que está no bom caminho e é feliz pelo simples facto de ter feito a boa escolha. Como se tivesse nascido para o teatro e se sem o teatro não pudesse viver.

Teresa Ovídio, actriz, 33 anos

O Palco É a Sua Casa

Segunda-feira, 21 de Maio de 2001

Teresa Ovídio não contará como dá vida a um personagem; para não perturbar o sono de um anjo, desfazer um sonho, ou desvendar um segredo. Sobre tudo o resto, esta actriz de 33 anos fala com uma generosidade e uma energia contagiantes: do seu país, Portugal, que adora; da sua decisão de fazer teatro em Paris, depois de ter iniciado estudos de Psicologia em Lisboa; da família, com quem fala todos os dias ao telefone; dos filmes que viu no cinema; de teatro, do bom e do mau; dos seus sonhos de conhecer pessoas que lhe abram as portas; dos encontros inesquecíveis que já teve, Marcello Mastroianni, por exemplo, com quem houve "um contacto maravilhoso" embora para "uma cena sem importância", num filme de Raoul Ruiz; dos filmes de João César Monteiro, "completamente louco, mas com uma loucura que eu gosto", e das peças encenadas por João Lourenço, com quem gostaria um dia de trabalhar.

A maneira como molda os seus papéis é algo de sagrado que "guarda intimamente para si". Ao mesmo tempo que fala, enrola os braços à volta do corpo: "é importante tentar guardar no ventre o máximo, aquilo que de mais forte sentimos".

Quando entra em palco, estas palavras ganham de repente sentido. Invade o espaço com graça e leveza. E, como na vida real, a sua presença agarra. Porque ri, ou porque chora. Porque tudo nela se passa de forma intensa. "Teresa é uma verdadeira actriz," diz o encenador francês Guy Rétoré, que evoca "a sua poesia, a sua maneira única de se mover em palco". Com a suavidade de uma nuvem, ou a força de um trovão que diz toda a raiva de ser mulher na guerra da Bósnia, mulher violada na peça "Le sexe de la femme comme champ de bataille", do escritor romeno Matéi Visniec. Guy Rétoré, fundador do Théâtre de l'Est Parisien, adaptou-a em "La femme comme champ de bataille" - do silêncio entre uma mulher violada e uma psiquiatra norte-americana nasce aos poucos o diálogo, no qual se liberta enfim o trauma do que a primeira viveu e do que a segunda viu. "A interpretação de ambas é perfeita e natural," lê-se numa critica de 1999. "É puro, bonito e cruel". A receita do sucesso está na contenção do encenador e das actrizes, que escapam ao sentimentalismo.

"O importante foi não cair em estereotipos,", diz Teresa Ovídio. "Nesta peça há muita coisa que não se diz, que não se mostra; temos que trabalhar interiormente". Tudo se adivinha; tudo é emoção controlada, ao contrário da exuberância latina que domina "Ay Carmela", do catalão José Sanchis Sinisterra numa encenação de Pierre Chabert. Um texto que já conquistou quinze países e inspirou o filme "Morrer em Madrid", do cineasta espanhol Carlos Saura.

Foi a primeira encenação em França desta peça, em 1994, que verdadeiramente lançou Teresa Ovídio, e que a levou quatro vezes ao Festival de Teatro de Avignon. A peça conta a história de um casal de saltimbancos, preso na guerra civil de Espanha, para representar para os prisioneiros condenados à morte. Face ao jogo de humilhação dos oficiais franquistas, Carmela prefere juntar-se ao canto heróico dos soldados republicanos antes de serem executados. Depois de fuzilada, a personagem, interpretada por Teresa Ovídio, volta do país dos mortos e, com o actor francês Jean-Marie Galey, oferece uma tragicomédia que valeu as honras da crítica de Avignon.

Foi há sete anos que o assistente do encenador de "Ay Carmela" descobriu Teresa Ovídio num dos 'sketches' que esta então fazia no Canal + , na televisão. Há muito tempo que Pierre Chabert andava à procura de uma "Carmela" instintiva, uma mulher do povo transformada em heroína, uma figura maternal com uma obstinação latina, com os dons do canto e da dança. Teresa Ovídio recebeu o papel como uma "pérola da escrita", "uma prenda" para uma actriz. Da personagem fala como de uma pessoa: "Eu vou a ela e ela já está de braços abertos". A peça já foi representada mais de 700 vezes - "actuo como me sinto nesse dia e cada dia me sinto diferente; e o teatro é isso, é também não ter de forçar um certo estado de espírito".

Entre as duas peças mais importantes na sua vida de actriz de teatro, Teresa Ovídio passou brevemente pelo cinema. Para além da cena fugaz no filme "Trois vies et une seule mort" de Raoul Ruiz, interpretou um papel secundário no "Quasimodo" de Patrick Timsit, e participou em curtas metragens e produções televisivas; sempre com um pé no palco, em peças como "Hollywood, Hollywood" de David Mamet, "Cahiers de doléances" de Tchekhov, ou "Le prince travesti", de Marivaux, entre outras.

Não imagina qual o grande papel que gostaria de representar. Mas gostaria de fazer mais cinema e, um dia, uma peça em Portugal, de onde partiu com 21 anos. Depois de ter hesitado, nomeadamente entre Londres e Barcelona, escolheu Paris, onde chegou com uma ideia muito precisa do que procurava em termos de formação teatral. Encontrou o professor russo Alexandre Arbatt, que dirigia uma escola "perfeitamente de acordo com o que queria" e onde esteve até aos 25 anos.

A sua formação continuou - e mantém-se - em ateliers para actores profissionais, em Paris e Nova Iorque, com John Strasberg, filho de Lee Strasberg, fundador do Actor's Studio nova-iorquino. Para Teresa Ovídio, realização profissional e pessoal parecem confundir-se. "A dor no teatro é muito satisfatória," diz com o olhar próximo e, ao mesmo tempo, distante.

"Sofremos, choramos, estamos mal, e ao mesmo tempo, estamos contentes. E há um prazer enorme de poder estar a sentir isto tudo". Não tenta adivinhar o que o futuro lhe reserva. Mas acredita que está no bom caminho e é feliz pelo simples facto de ter feito a boa escolha. Como se tivesse nascido para o teatro e se sem o teatro não pudesse viver.

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