DN

23-11-2000
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"Querida bófia, matei o menino Terra"

Novo Grupo estreia amanhã "Até Mais Ver" no Teatro Aberto, em Lisboa. João Lourenço encena um texto de Oliver Bukowski

Maria João Caetano

DN-Walter Branco

BONECOS. Hortas e Litos vivem rodeados por eles. O cadáver (que não é um boneco) será o seu novo grande amigo

Oliver Bukowski deu indicações para que o morto não fosse um boneco. O encenador João Lourenço gostou da ideia do autor. Por isso, em Até Mais Ver, a peça que o Novo Grupo estreia amanhã no Teatro Aberto, em Lisboa, o morto, o menino Terra, é um cadáver de carne e osso, tão protagonista quanto as outras personagens. No mundo de bonecos do Hortas e do Litos, que vivem assombrados pelos fantasmas das ex-namoradas e têm como companheiros os ursos de peluche conquistados na barraca dos tiros e uma boneca insuflável a que chamam Micas, o morto assume o papel de grande amigo, a quem dirigem afectos e preocupações, com quem partilham confissões e alegrias. É assim, irónico e absurdo, cruel e ao mesmo divertido, o texto do alemão Oliver Bukowski, escrito em 1995. Hortas e Litos são jovens e pobres, olham para o mundo dos ricos com desprezo e alguma inveja, falam com erros e sabem que a teoria quântica mexe menos com a sua vida do que uma grade de cervejas. Tudo muda com o aparecimento do morto, o menino do Porsche e do cartão de crédito, filho do casal Terra, par que janta à luz de velas enquanto troca acusações mordazes e sofisticadas, agredindo-se também fisicamente ao mesmo tempo que juram amor eterno. O palco, como a vida, tem vários níveis. Do alto das estrelas brilhantes uns seres mais inteligentes do que nós poderão estar a olhar para o Litos e para o Hortas, habitantes de uma cave pequena e desarrumada, abaixo da qual só existe a lixeira. A janela para o mundo dos ricos, essa, está bem mais elevada. A ideia de estratificação orientou o cenário concebido por João Lourenço, que decidiu colocar os espectadores no meio de uma noite estrelada. João Lourenço gosta de encenar autores contemporâneos que tratem temas actuais e, neste caso, ficou conquistado pela fragilidade das personagens e pelo mundo de contrastes retratado por Bukowski. A versão é de João Lourenço e Vera San Payo de Lemos, também responsável pela dramaturgia. As interpretações estão a cargo de António Cordeiro, Carlos Pisco, Irene Cruz, João Reis, Luís Alberto, Miguel Magalhães e Filipa Le Goulon Bonniz. "Existe um sopro becktiano que trespassa esta peça e de que talvez nem o autor se tenha apercebido", diz Lourenço, referindo-se ao humor agridoce de Até Mais Ver. O espectáculo trágico-cómico propõe também uma reflexão sobre a morte e a sua repercusão nos mundos dos vivos. Na despedida, os dois amigos murmuram um "até mais ver", encontro marcado nesta ou noutra dimensão.

"Querida bófia, matei o menino Terra"

Novo Grupo estreia amanhã "Até Mais Ver" no Teatro Aberto, em Lisboa. João Lourenço encena um texto de Oliver Bukowski

Maria João Caetano

DN-Walter Branco

BONECOS. Hortas e Litos vivem rodeados por eles. O cadáver (que não é um boneco) será o seu novo grande amigo

Oliver Bukowski deu indicações para que o morto não fosse um boneco. O encenador João Lourenço gostou da ideia do autor. Por isso, em Até Mais Ver, a peça que o Novo Grupo estreia amanhã no Teatro Aberto, em Lisboa, o morto, o menino Terra, é um cadáver de carne e osso, tão protagonista quanto as outras personagens. No mundo de bonecos do Hortas e do Litos, que vivem assombrados pelos fantasmas das ex-namoradas e têm como companheiros os ursos de peluche conquistados na barraca dos tiros e uma boneca insuflável a que chamam Micas, o morto assume o papel de grande amigo, a quem dirigem afectos e preocupações, com quem partilham confissões e alegrias. É assim, irónico e absurdo, cruel e ao mesmo divertido, o texto do alemão Oliver Bukowski, escrito em 1995. Hortas e Litos são jovens e pobres, olham para o mundo dos ricos com desprezo e alguma inveja, falam com erros e sabem que a teoria quântica mexe menos com a sua vida do que uma grade de cervejas. Tudo muda com o aparecimento do morto, o menino do Porsche e do cartão de crédito, filho do casal Terra, par que janta à luz de velas enquanto troca acusações mordazes e sofisticadas, agredindo-se também fisicamente ao mesmo tempo que juram amor eterno. O palco, como a vida, tem vários níveis. Do alto das estrelas brilhantes uns seres mais inteligentes do que nós poderão estar a olhar para o Litos e para o Hortas, habitantes de uma cave pequena e desarrumada, abaixo da qual só existe a lixeira. A janela para o mundo dos ricos, essa, está bem mais elevada. A ideia de estratificação orientou o cenário concebido por João Lourenço, que decidiu colocar os espectadores no meio de uma noite estrelada. João Lourenço gosta de encenar autores contemporâneos que tratem temas actuais e, neste caso, ficou conquistado pela fragilidade das personagens e pelo mundo de contrastes retratado por Bukowski. A versão é de João Lourenço e Vera San Payo de Lemos, também responsável pela dramaturgia. As interpretações estão a cargo de António Cordeiro, Carlos Pisco, Irene Cruz, João Reis, Luís Alberto, Miguel Magalhães e Filipa Le Goulon Bonniz. "Existe um sopro becktiano que trespassa esta peça e de que talvez nem o autor se tenha apercebido", diz Lourenço, referindo-se ao humor agridoce de Até Mais Ver. O espectáculo trágico-cómico propõe também uma reflexão sobre a morte e a sua repercusão nos mundos dos vivos. Na despedida, os dois amigos murmuram um "até mais ver", encontro marcado nesta ou noutra dimensão.

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