"Investimento de resultados duvidosos"

13-07-2001
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José Manuel Viegas sobre a proposta da Rave para comboios de alta velocidade

"Investimento de Resultados Duvidosos"

Por CARLOS CIPRIANO

Segunda-feira, 21 de Maio de 2001

O novo projecto para a alta velocidade é demasiado caro e é duvidoso que algumas das linhas consigam gerar receitas que cubram os custos de exploração, considera José Manuel Viegas, especialista em transportes. E falta ainda contabilizar o investimento em três novas pontes.

Professor catedrático de Transportes, José Manuel Viegas acha demasiado cara a nova solução de rede ferroviária de alta velocidade proposta pela Rave, e duvida de que as linhas consigam sequer ver cobertos os seus custos de exploração. Diz também que a Rave não deve sobrepor-se à Refer e ao Instituto Nacional do Transporte Ferroviário (INTF) na sua missão de redesenhar a rede ferroviária nacional. José Manuel Viegas foi um dos autores do projecto da alta velocidade conhecido por "T deitado" (uma linha Porto-Lisboa com saída, a meio do percurso, para Madrid), a que entretanto se veio juntar a proposta que configura um " deitado" (com saídas transversais de Lisboa para Badajoz e de Aveiro para Salamanca).

PÚBLICO - O que pensa de o projecto de rede ferroviária de alta velocidade da Rave contemplar o transporte de mercadorias?

JOSÉ MANUEL VIEGAS - O projecto é muito caro e tenho dúvidas de que consiga entregar aquilo que promete. Estamos todos de acordo em que há um problema de baixa captação de mercadorias para o caminho-de-ferro, mas isso também acontece noutros países da Europa. Há aqui problemas de organização e todos os diagnósticos dizem que o problema não é só infra-estrutura. Ora, como esta é a parte mais cara da questão, devemos fazê-la só depois de ver o que vamos fazer ao lado.

Mas os espanhóis estão a ponderar pôr mercadorias nas suas linhas de alta velocidade...

Os espanhóis não decidiram. Mandaram estudar. Eu gostava era que estudos anteriores que foram objecto de despachos favoráveis de dois ministros deste mesmo Governo - João Cravinho e Jorge Coelho - não fossem ignorados. Isto é-nos apresentado como sendo óbvio que é uma solução melhor, quando na verdade é manifestamente pior.

O que é que tem contra este projecto? É o seu custo?

Não é só o seu custo. É que uma parte importante desse custo esteja aplicado em investimento cujos resultados me parecem duvidosos. Primeiro é preciso saber se conseguimos pagar isto, e eu aí tenho dúvidas, face à situação da dívida nacional, incluindo os compromissos com as futuras gerações, nomeadamente por causa das SCUT [auto-estradas sem custos para o utilizador]. Mas mesmo que aparecesse uma fada e conseguíssemos pagar o investimento, põe-se uma segunda questão, que é saber se conseguimos depois pagar os custos de exploração. E uma terceira questão é se se consegue aquilo que parece ser a verdadeira motivação disto, que é ganhar significativas quotas de mercado nas mercadorias, isto é, saber qual é o alívio do sistema rodoviário que estamos a provocar. Ora, em relação a estas três questões tenho dúvidas sistemáticas. Parece-me que algumas das linhas não conseguirão cobrir os seus custos de exploração, porque qualquer solução de alta tecnologia tem sempre custos fixos muito altos e precisa de muito tráfego. Não vejo que a linha Aveiro-Salamanca ou a linha de Évora ou Sines para o Algarve tenham esse tráfego. Por isso, faz sentido analisar esta rede sem essas duas peças.

Mas esta é uma proposta de rede para o futuro, a longo prazo...

O volume de investimento é tal que não podemos fazê-lo apenas baseado em promessas de que o futuro será radioso daqui a 30 anos. Na solução do "T deitado" - que era só dedicada a passageiros -, os volumes de tráfego que foram estimados por nós apontam para valores para cima do que existe no Madrid-Sevilha em qualquer dos três braços do "T". Isto porque estamos a somar em cada braço dois tráfegos, e ao ter essa junção estamos a viabilizar o investimento e a exploração. Nesta solução, ao fraccionar os tráfegos (Lisboa-Madrid e Porto-Madrid vão por canais diferentes), tenho sérias dúvidas sobre se o Aveiro-Salamanca alguma vez cobrirá os seus custos de exploração.

Que lhe parece a perspectiva da Rave de que o caminho-de-ferro convencional é para acabar?

Há muita coisa na CP em que o serviço prestado é inferior ao desejável, mas essa é uma matéria que não faz parte das atribuições da Rave. O Estado, ao longo de 20 anos, demitiu-se de clarificar o enquadramento funcional e económico da CP. Mas isso não quer dizer que a solução seja fechar. Há com certeza linhas que são para fechar, outras que são para manter e outras para revigorar.

Isso tudo depende do cruzamento entre as duas redes e depende de decisão de toda a política de transportes. O volume de investimento que está em causa e o défice que temos todos os anos na CP e na Refer, como resultado de um sistema que está torto, justifica que se faça uma tentativa de articulação do sistema de transportes nacional. A alta velocidade precisa de ser alimentada por todos os outros modos de transporte. As estações de alta velocidade têm que estar muito bem entrosadas com o caminho-de-ferro clássico e com o transporte rodoviário.

Qual a viabilidade de desaparecer a linha do Norte entre Lisboa e a Ota, substituindo-a por um "shuttle" em alta velocidade?

Nada disso é muito claro. O presidente da Rave vai soltando mais uns "bites" de cada vez que estas coisas se falam. Ele não disse, por exemplo, o que vai acontecer ao serviço para Santarém, para o Entroncamento, ou como é que as ligações da Linha do Leste e da Beira Baixa chegam a Lisboa. Não me parece que a Linha do Norte possa ser assim fechada.

O que lhe parece a previsão de custos de 1,3 milhões de contos por quilómetro que a Rave apresenta?

É uma média razoável para aquilo que pode ser o conjunto das linhas apresentadas, mas não contempla a nova ponte sobre o Tejo, a nova ponte sobre o Douro e a ponte sobre o Tejo no Carregado.

Não percebo porque não podemos ir de Lisboa para a Ota pela margem direita do Tejo porque custa 200 milhões de contos e reclamamos para isso uma ponte que custa 300 milhões (ainda que também sirva para tráfego suburbano).

José Manuel Viegas sobre a proposta da Rave para comboios de alta velocidade

"Investimento de Resultados Duvidosos"

Por CARLOS CIPRIANO

Segunda-feira, 21 de Maio de 2001

O novo projecto para a alta velocidade é demasiado caro e é duvidoso que algumas das linhas consigam gerar receitas que cubram os custos de exploração, considera José Manuel Viegas, especialista em transportes. E falta ainda contabilizar o investimento em três novas pontes.

Professor catedrático de Transportes, José Manuel Viegas acha demasiado cara a nova solução de rede ferroviária de alta velocidade proposta pela Rave, e duvida de que as linhas consigam sequer ver cobertos os seus custos de exploração. Diz também que a Rave não deve sobrepor-se à Refer e ao Instituto Nacional do Transporte Ferroviário (INTF) na sua missão de redesenhar a rede ferroviária nacional. José Manuel Viegas foi um dos autores do projecto da alta velocidade conhecido por "T deitado" (uma linha Porto-Lisboa com saída, a meio do percurso, para Madrid), a que entretanto se veio juntar a proposta que configura um " deitado" (com saídas transversais de Lisboa para Badajoz e de Aveiro para Salamanca).

PÚBLICO - O que pensa de o projecto de rede ferroviária de alta velocidade da Rave contemplar o transporte de mercadorias?

JOSÉ MANUEL VIEGAS - O projecto é muito caro e tenho dúvidas de que consiga entregar aquilo que promete. Estamos todos de acordo em que há um problema de baixa captação de mercadorias para o caminho-de-ferro, mas isso também acontece noutros países da Europa. Há aqui problemas de organização e todos os diagnósticos dizem que o problema não é só infra-estrutura. Ora, como esta é a parte mais cara da questão, devemos fazê-la só depois de ver o que vamos fazer ao lado.

Mas os espanhóis estão a ponderar pôr mercadorias nas suas linhas de alta velocidade...

Os espanhóis não decidiram. Mandaram estudar. Eu gostava era que estudos anteriores que foram objecto de despachos favoráveis de dois ministros deste mesmo Governo - João Cravinho e Jorge Coelho - não fossem ignorados. Isto é-nos apresentado como sendo óbvio que é uma solução melhor, quando na verdade é manifestamente pior.

O que é que tem contra este projecto? É o seu custo?

Não é só o seu custo. É que uma parte importante desse custo esteja aplicado em investimento cujos resultados me parecem duvidosos. Primeiro é preciso saber se conseguimos pagar isto, e eu aí tenho dúvidas, face à situação da dívida nacional, incluindo os compromissos com as futuras gerações, nomeadamente por causa das SCUT [auto-estradas sem custos para o utilizador]. Mas mesmo que aparecesse uma fada e conseguíssemos pagar o investimento, põe-se uma segunda questão, que é saber se conseguimos depois pagar os custos de exploração. E uma terceira questão é se se consegue aquilo que parece ser a verdadeira motivação disto, que é ganhar significativas quotas de mercado nas mercadorias, isto é, saber qual é o alívio do sistema rodoviário que estamos a provocar. Ora, em relação a estas três questões tenho dúvidas sistemáticas. Parece-me que algumas das linhas não conseguirão cobrir os seus custos de exploração, porque qualquer solução de alta tecnologia tem sempre custos fixos muito altos e precisa de muito tráfego. Não vejo que a linha Aveiro-Salamanca ou a linha de Évora ou Sines para o Algarve tenham esse tráfego. Por isso, faz sentido analisar esta rede sem essas duas peças.

Mas esta é uma proposta de rede para o futuro, a longo prazo...

O volume de investimento é tal que não podemos fazê-lo apenas baseado em promessas de que o futuro será radioso daqui a 30 anos. Na solução do "T deitado" - que era só dedicada a passageiros -, os volumes de tráfego que foram estimados por nós apontam para valores para cima do que existe no Madrid-Sevilha em qualquer dos três braços do "T". Isto porque estamos a somar em cada braço dois tráfegos, e ao ter essa junção estamos a viabilizar o investimento e a exploração. Nesta solução, ao fraccionar os tráfegos (Lisboa-Madrid e Porto-Madrid vão por canais diferentes), tenho sérias dúvidas sobre se o Aveiro-Salamanca alguma vez cobrirá os seus custos de exploração.

Que lhe parece a perspectiva da Rave de que o caminho-de-ferro convencional é para acabar?

Há muita coisa na CP em que o serviço prestado é inferior ao desejável, mas essa é uma matéria que não faz parte das atribuições da Rave. O Estado, ao longo de 20 anos, demitiu-se de clarificar o enquadramento funcional e económico da CP. Mas isso não quer dizer que a solução seja fechar. Há com certeza linhas que são para fechar, outras que são para manter e outras para revigorar.

Isso tudo depende do cruzamento entre as duas redes e depende de decisão de toda a política de transportes. O volume de investimento que está em causa e o défice que temos todos os anos na CP e na Refer, como resultado de um sistema que está torto, justifica que se faça uma tentativa de articulação do sistema de transportes nacional. A alta velocidade precisa de ser alimentada por todos os outros modos de transporte. As estações de alta velocidade têm que estar muito bem entrosadas com o caminho-de-ferro clássico e com o transporte rodoviário.

Qual a viabilidade de desaparecer a linha do Norte entre Lisboa e a Ota, substituindo-a por um "shuttle" em alta velocidade?

Nada disso é muito claro. O presidente da Rave vai soltando mais uns "bites" de cada vez que estas coisas se falam. Ele não disse, por exemplo, o que vai acontecer ao serviço para Santarém, para o Entroncamento, ou como é que as ligações da Linha do Leste e da Beira Baixa chegam a Lisboa. Não me parece que a Linha do Norte possa ser assim fechada.

O que lhe parece a previsão de custos de 1,3 milhões de contos por quilómetro que a Rave apresenta?

É uma média razoável para aquilo que pode ser o conjunto das linhas apresentadas, mas não contempla a nova ponte sobre o Tejo, a nova ponte sobre o Douro e a ponte sobre o Tejo no Carregado.

Não percebo porque não podemos ir de Lisboa para a Ota pela margem direita do Tejo porque custa 200 milhões de contos e reclamamos para isso uma ponte que custa 300 milhões (ainda que também sirva para tráfego suburbano).

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