EXPRESSO: País

06-12-2001
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Maioria rosa em crise O PS voltou a dividir-se: a pretexto da alcoolemia, o Governo perdeu para os deputados socialistas Alberto Frias Guterres e Oliveira Martins: o braço-de-ferro entre o Governo e o grupo parlamentar durou mais de quatro horas. E os deputados ganharam A SUSPENSÃO da taxa de alcoolemia de 0,2 g/l, em vigor desde 1 de Outubro, provocou um terramoto nas relações entre o Governo e o grupo parlamentar do PS. A interpretação, posta a circular anteontem, de que os socialistas cediam aos lóbis vinícolas, como contrapartida pelo voto favorável de Daniel Campelo ao rectificativo, obrigou o Executivo a um braço-de-ferro com a sua própria bancada... do qual acabou por sair derrotado. A SUSPENSÃO da taxa de alcoolemia de 0,2 g/l, em vigor desde 1 de Outubro, provocou um terramoto nas relações entre o Governo e o grupo parlamentar do PS. A interpretação, posta a circular anteontem, de que os socialistas cediam aos lóbis vinícolas, como contrapartida pelo voto favorável de Daniel Campelo ao rectificativo, obrigou o Executivo a um braço-de-ferro com a sua própria bancada... do qual acabou por sair derrotado. A suspensão dos 0,2 foi aprovada ontem de manhã pelo Parlamento com os votos favoráveis de todos os partidos, com excepção do Bloco de Esquerda e de 24 deputados socialistas. Mas o Governo viu-se forçado a demarcar-se ostensivamente, garantindo que, não obstante respeitar a competência legislativa do Parlamento, «tomará todas as iniciativas que considerar adequadas à protecção da vida humana nas estradas portuguesas». Ao que o EXPRESSO apurou, isso deverá significar o reforço da fiscalização nas estradas e de medidas de prevenção e educação rodoviárias. Suspensão pode ser inconstitucional A história, porém, pode não terminar por aqui. A promulgação da suspensão está agora nas mãos do Presidente da República e essa é uma tarefa que tende a complicar-se se, como pretendem alguns, se confirmar que a lei é inconstitucional. Para os defensores desta tese, «está em causa uma matéria em que Governo e AR possuem competências concorrenciais», significando isto que «é impossível à AR suspender, no todo ou em parte, a vigência do Código da Estrada». A Presidência da República não tem uma posição firmada sobre a sobreposição legislativa entre o Governo e a AR. «Sobre a matéria em apreço, o Presidente não se pronuncia. Assumirá as suas responsabilidade na altura própria, mas não as de mais ninguém». Belém recorda a muita jurisprudência que já existe sobre a matéria (a co-incineração, as portagens do Oeste e as vagas do Ensino Superior foram situações idênticas), na esperança de não ter que enviar o diploma para o Tribunal Constitucional. O filme do drama A suspensão da taxa de 0,2% e a manutenção em vigor da actual taxa de 0,5% até serem conhecidos os resultados da Comissão Científica Independente a criar, começou a ser preparada numa reunião na quarta-feira, dia 28, à hora do almoço. Nela participaram o ministro e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Guilherme Oliveira Martins e José Magalhães, o ministro e o secretário de Estado da Administração Interna, Nuno Severiano Teixeira e Rui Pereira, e, pelo grupo parlamentar, Francisco Assis, Barros Moura e Ana Catarina Mendonça. O objectivo era encontrar uma formulação que desse margem de manobra à bancada para acudir às reivindicações de um regresso à taxa de 0,2%, salvando a face ao ministro da Administração Interna. Este aceitava a nomeação e os resultados da Comissão Científica Independente, mas fazia questão em que, até lá, a taxa de 0,2% se mantivesse em vigor. Os deputados socialistas, contudo, não abdicaram da sua posição, e a partir do momento em que se evidencia a impossibilidade de chegar a uma solução de consenso, Severiano Teixeira e Rui Pereira acabam aí a sua participação no processo. Na quinta-feira, a comissão parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias aprova a proposta. À noite, enquanto continua a votação final do Orçamento do Estado no plenário de S. Bento, onde estão presentes Oliveira Martins e José Magalhães, reúne-se o Conselho de Ministros para apreciar a compra de helicópteros para a Força Aérea. O assunto da taxa de alcoolemia entra, no entanto, na ordem de trabalhos. António Costa lidera a contestação à iniciativa do grupo parlamentar, no que é apoiado por vários outros ministros. O período entre as 21h e as 2h é vivido entre a residência oficial do primeiro-ministro e o hemiciclo de São Bento. O primeiro-ministro não larga o telefone. Fala com o Presidente da República (a pretexto da não realização da audiência habitual das quartas-feiras), com Oliveira Martins, com Francisco Assis. Já perto das duas da manhã, Guterres, Oliveira Martins e Severiano ainda tentam convencer Assis a dar liberdade de voto aos deputados, na esperança de que essa seja a porta para inviabilizar a aprovação. Assis não aceita, e rumores dão conta de que terá ameaçado demitir-se. O líder parlamentar nega: «Estive cerca de uma hora a conversar com o primeiro-ministro mas não houve ameaça de demissão», afirmou ao EXPRESSO. «Não se trata de uma divergência política de fundo, mas de um ponto específico», desdramatiza.

CRISTINA FIGUEIREDO e NICOLAU SANTOS com MARIA TERESA OLIVEIRA

Cravinho impõe «caça às fortunas» NUMA semana marcada por novos descarrilamentos entre o Governo e o Grupo Parlamentar do PS, ainda houve espaço para João Cravinho obrigar Guterres a emendar o Orçamento do Estado em matéria de combate à evasão fiscal. Com o apoio da maioria da esquerda parlamentar, o deputado mostrou-se inflexível na apresentação de uma proposta segundo a qual os contribuintes com um património líquido global superior a 100 mil contos ficam obrigados a declará-lo para efeitos de IRS. E o Governo acabou por aceitar. As emendas de Cravinho pretendiam ir mais longe na aplicação imediata dos princípios de combate à evasão fiscal contidos na reforma aprovada há um ano, nomeadamente com a aplicação, já em 2002, da tributação das mais-valias. Mas aqui o deputado não conseguiu convencer o Governo e vingou (com o apoio do PSD e PP), a suspensão daquela medida. Dezassete socialistas abstiveram-se, o que prova que continua a haver no PS quem duvide da atitude do Executivo em matéria fiscal. Pina Moura, o ex-ministro, veio garantir que o Governo «foi e é inteiramente fiel à reforma fiscal». O que obrigou Oliveira Martins a garantir, mais uma vez, que sim. Para já, deu-se um passo. À força.

ÂNGELA SILVA

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A interpretação, posta a circular anteontem, de que os socialistas cediam aos lóbis vinícolas, como contrapartida pelo voto favorável de Daniel Campelo ao rectificativo, obrigou o Executivo a um braço-de-ferro com a sua própria bancada... do qual acabou por sair derrotado. A suspensão dos 0,2 foi aprovada ontem de manhã pelo Parlamento com os votos favoráveis de todos os partidos, com excepção do Bloco de Esquerda e de 24 deputados socialistas. Mas o Governo viu-se forçado a demarcar-se ostensivamente, garantindo que, não obstante respeitar a competência legislativa do Parlamento, «tomará todas as iniciativas que considerar adequadas à protecção da vida humana nas estradas portuguesas». Ao que o EXPRESSO apurou, isso deverá significar o reforço da fiscalização nas estradas e de medidas de prevenção e educação rodoviárias. Suspensão pode ser inconstitucional A história, porém, pode não terminar por aqui. A promulgação da suspensão está agora nas mãos do Presidente da República e essa é uma tarefa que tende a complicar-se se, como pretendem alguns, se confirmar que a lei é inconstitucional. Para os defensores desta tese, «está em causa uma matéria em que Governo e AR possuem competências concorrenciais», significando isto que «é impossível à AR suspender, no todo ou em parte, a vigência do Código da Estrada». A Presidência da República não tem uma posição firmada sobre a sobreposição legislativa entre o Governo e a AR. «Sobre a matéria em apreço, o Presidente não se pronuncia. Assumirá as suas responsabilidade na altura própria, mas não as de mais ninguém». Belém recorda a muita jurisprudência que já existe sobre a matéria (a co-incineração, as portagens do Oeste e as vagas do Ensino Superior foram situações idênticas), na esperança de não ter que enviar o diploma para o Tribunal Constitucional. O filme do drama A suspensão da taxa de 0,2% e a manutenção em vigor da actual taxa de 0,5% até serem conhecidos os resultados da Comissão Científica Independente a criar, começou a ser preparada numa reunião na quarta-feira, dia 28, à hora do almoço. Nela participaram o ministro e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Guilherme Oliveira Martins e José Magalhães, o ministro e o secretário de Estado da Administração Interna, Nuno Severiano Teixeira e Rui Pereira, e, pelo grupo parlamentar, Francisco Assis, Barros Moura e Ana Catarina Mendonça. O objectivo era encontrar uma formulação que desse margem de manobra à bancada para acudir às reivindicações de um regresso à taxa de 0,2%, salvando a face ao ministro da Administração Interna. Este aceitava a nomeação e os resultados da Comissão Científica Independente, mas fazia questão em que, até lá, a taxa de 0,2% se mantivesse em vigor. Os deputados socialistas, contudo, não abdicaram da sua posição, e a partir do momento em que se evidencia a impossibilidade de chegar a uma solução de consenso, Severiano Teixeira e Rui Pereira acabam aí a sua participação no processo. Na quinta-feira, a comissão parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias aprova a proposta. À noite, enquanto continua a votação final do Orçamento do Estado no plenário de S. Bento, onde estão presentes Oliveira Martins e José Magalhães, reúne-se o Conselho de Ministros para apreciar a compra de helicópteros para a Força Aérea. O assunto da taxa de alcoolemia entra, no entanto, na ordem de trabalhos. António Costa lidera a contestação à iniciativa do grupo parlamentar, no que é apoiado por vários outros ministros. O período entre as 21h e as 2h é vivido entre a residência oficial do primeiro-ministro e o hemiciclo de São Bento. O primeiro-ministro não larga o telefone. Fala com o Presidente da República (a pretexto da não realização da audiência habitual das quartas-feiras), com Oliveira Martins, com Francisco Assis. Já perto das duas da manhã, Guterres, Oliveira Martins e Severiano ainda tentam convencer Assis a dar liberdade de voto aos deputados, na esperança de que essa seja a porta para inviabilizar a aprovação. Assis não aceita, e rumores dão conta de que terá ameaçado demitir-se. O líder parlamentar nega: «Estive cerca de uma hora a conversar com o primeiro-ministro mas não houve ameaça de demissão», afirmou ao EXPRESSO. «Não se trata de uma divergência política de fundo, mas de um ponto específico», desdramatiza.

CRISTINA FIGUEIREDO e NICOLAU SANTOS com MARIA TERESA OLIVEIRA

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ÂNGELA SILVA

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