Salvar vidas no Mediterrâneo. Parlamento Europeu chumbou quatro resoluções

06-11-2019
marcar artigo

Por dois votos (290 contra 288) e numa votação que dividiu os eurodeputados portugueses do PSD, acabou chumbada em Estrasburgo a resolução sobre a busca e salvamento no Mediterrâneo vinda da LIBE (Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos). Aconteceu na quinta-feira, dia 24, e o resultado - além de gerar polémica nas redes sociais - foi comentado por Marisa Matias num artigo de opinião com o título “As vidas dos outros”. No texto, a eurodeputada do Bloco de Esquerda descreve ter recebido a votação como “um murro no estômago, um nó na garganta”.

“Há mesmo uma maioria de representantes que quer que continuem a morrer pessoas no Mediterrâneo?”, interrogava-se no texto publicado no “Diário de Notícias”, apontando na direção do centro-direita que votou contra, fazendo um "favor" à extrema-direita.

Uma crítica que, no caso dos eurodeputados portugueses, vai direita para Nuno Melo (do CDS-PP) e Álvaro Amaro (PSD), que seguiram a orientação da bancada do Partido Popular Europeu e votaram contra. A indicação de voto do chefe da delegação do PSD até era a contrária, mas só Cláudia Monteiro de Aguiar e Lídia Pereira seguiram Paulo Rangel no voto favorável. José Manuel Fernandes absteve-se e Maria da Graça Carvalho votou de forma negativa, mas corrigiu o voto ainda durante a votação. Por “erro técnico”, veio explicar no Twitter. No entanto, o efeito prático é nenhum porque as regras do voto eletrónico determinam que o que conta é a primeira indicação, mesmo que tenha transmitida por engano.

Nuno Melo não aceita a acusação e mostra-se indignado com “a afirmação de que a maioria dos deputados do Parlamento Europeu" - na qual o membro do CDS se inclui - "votaram contra o salvamento de refugiados no Mediterrâneo”. A acusação “é absolutamente falsa, insidiosa e revela o carácter de quem a profere”, declarou ao Expresso o eurodeputado, que também usou a sua conta no Twitter para se insurgir. O centrista argumenta que esteve contra a proposta da LIBE - cujo relator é socialista - mas lembra que votou a favor de uma outra resolução apresentada pelo PPE sobre salvamentos no Mediterrâneo. Só que também esta foi rejeitada pela maioria, tal como outras duas resoluções do género apresentadas pelos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) e pela extrema-direita e nacionalistas do grupo Identidade e Democracia (ID).

“A mentira de alguma esquerda a propósito do chumbo de uma proposta socialista relacionada com o resgate de pessoas no Mediterrâneo. Típico”, escreveu o eurodeputado, para quem seria igualmente legítimo dizer, “pela mesma ordem de razões, que a esquerda votou contra o salvamento de refugiados no Mediterrâneo”, quando rejeitou a proposta do PPE.

Quanto às razões para ter votado contra, enumera: “A recusa da distinção entre refugiados e migrantes, sabendo-se que a uns e outros se aplicam leis diferentes, e recursos sempre escassos; a tentativa de instrumentalização política do fenómeno, atribuindo-se a algumas ONG o tratamento quase equivalente a Estados, coisa que obviamente não são; a recusa da necessidade da cooperação com países terceiros, por forma a combater as causas que levam tantos a deixar os seus países de origem; e a ausência de resposta para pôr fim ao modelo de negócio perpetuado pelos traficantes e grupos criminosos que têm em mãos a vida de pessoas vulneráveis”.

Já o eurodeputado Álvaro Amaro justificou a sua posição pelo facto de a resolução da LIBE não ter “em conta a posição” do PPE. “Entendi, assim, seguir a linha de voto indicada pelo grupo e votar contra. Aguardo agora que os diversos grupos políticos voltem à negociação, para redigir uma nova resolução que possa expressar a pluralidade de opiniões existente neste Parlamento”, frisou na sua declaração de voto.

Quanto a José Manuel Fernandes, justifica a abstenção e diz que a resolução da LIBE "favorece a criação de negócios privados, à conta de um drama que toca a todos”, referindo-se às redes de tráfico de seres humanos. "A presente resolução falha, de certa forma, na promoção do equilíbrio necessário para tornar as fronteiras da União num lugar mais seguro e humano", declarou, mencionando também a necessidade de ser feita “uma distinção clara entre migrantes económicos e refugiados”.

Mas este último argumento não convence Marisa Matias, que votou contra as resoluções do PPE, ECR e ID. Ao Expresso, a eurodeputada do Bloco de Esquerda diz que “são impraticáveis e não resolvem o problema de fundo” e aponta o dedo à questão da distinção entre refugiados e migrantes económicos. Para ela, essa não pode ser uma triagem feita no momento do resgate. “Como é que se faz isso? A olho? E quem é que tem o poder para decidir que vidas se salvam é que vidas se deixam morrer?”, interroga. “É simplesmente desumano e contrário a qualquer linha do direito internacional. Não queria imaginar ninguém na posição de estar num barco à deriva e ser deixado para trás por ser migrante económico”, concluiu.

PSD partido com a resolução

A votação em plenário revela o quão fraturante é a questão migratória, que acabou também por partir a delegação do PSD. Para Cláudia Monteiro de Aguiar, "fazia todo o sentido não ir de acordo com o grupo [do PPE], e votar favoravelmente esta resolução". Ao Expresso, explicou que a questão foi discutida na delegação social-democrata, tendo a indicação sido “para se votar favoravelmente", ainda que cada eurodeputado tivesse liberdade de escolha. Cláudia Aguiar diz não concordar com a “criminalização de quem tenta ajudar pessoas, simplesmente por trazê-las para terra”.

"Não me fazia sentido votar contra isto", afirma, fazendo uma referência ao caso do português Miguel Duarte, acusado de auxílio à imigração ilegal em Itália por causa das operações no Mediterrâneo.

Na sua declaração de voto expressou que “a Comissão Europeia deve apresentar orientações para que os Estados Membros limitem a criminalização indevida de pessoas que prestam auxílio, nomeadamente os comandantes e os membros da tripulação, que não deverão sofrer sanções penais pelo simples facto de terem socorrido pessoas".

Paulo Rangel também votou favoravelmente e se todos os eurodeputados do PSD tivessem seguido o mesmo sentido de voto do chefe da delegação, a resolução poderia ter passado. A diferença foram apenas dois votos. José Gusmão, do Bloco de Esquerda, também não votou. O eurodeputado esteve ausente da sessão plenária de Estrasburgo por razões familiares. Entre a esquerda portuguesa, o voto foi idêntico: todos os deputados do PS e PCP votaram a favor, tal como o deputado do PAN.

Com os chumbos da semana passada, o Parlamento Europeu falha no objetivo de pressionar os Estados Membros a encontrarem soluções europeias para o desafio das migrações e refugiados. Há vários anos que se arrastam as negociações para se reformar o sistema comum de asilo, e encontrar um mecanismo solidário de repartição de refugiados entre estados membros. As soluções têm sido sempre "ad hoc", bilaterais e temporárias.

A discussão terá agora de voltar à comissão LIBE, onde Rangel e Melo são os dois efetivos. As resoluções do Parlamento Europeu não têm caráter legislativo, servem sobretudo para pressionar os Estados Membros e a Comissão Europeia a agir. Mas, para isso, os eurodeputados têm de se entender quanto a uma posição comum.

Por dois votos (290 contra 288) e numa votação que dividiu os eurodeputados portugueses do PSD, acabou chumbada em Estrasburgo a resolução sobre a busca e salvamento no Mediterrâneo vinda da LIBE (Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos). Aconteceu na quinta-feira, dia 24, e o resultado - além de gerar polémica nas redes sociais - foi comentado por Marisa Matias num artigo de opinião com o título “As vidas dos outros”. No texto, a eurodeputada do Bloco de Esquerda descreve ter recebido a votação como “um murro no estômago, um nó na garganta”.

“Há mesmo uma maioria de representantes que quer que continuem a morrer pessoas no Mediterrâneo?”, interrogava-se no texto publicado no “Diário de Notícias”, apontando na direção do centro-direita que votou contra, fazendo um "favor" à extrema-direita.

Uma crítica que, no caso dos eurodeputados portugueses, vai direita para Nuno Melo (do CDS-PP) e Álvaro Amaro (PSD), que seguiram a orientação da bancada do Partido Popular Europeu e votaram contra. A indicação de voto do chefe da delegação do PSD até era a contrária, mas só Cláudia Monteiro de Aguiar e Lídia Pereira seguiram Paulo Rangel no voto favorável. José Manuel Fernandes absteve-se e Maria da Graça Carvalho votou de forma negativa, mas corrigiu o voto ainda durante a votação. Por “erro técnico”, veio explicar no Twitter. No entanto, o efeito prático é nenhum porque as regras do voto eletrónico determinam que o que conta é a primeira indicação, mesmo que tenha transmitida por engano.

Nuno Melo não aceita a acusação e mostra-se indignado com “a afirmação de que a maioria dos deputados do Parlamento Europeu" - na qual o membro do CDS se inclui - "votaram contra o salvamento de refugiados no Mediterrâneo”. A acusação “é absolutamente falsa, insidiosa e revela o carácter de quem a profere”, declarou ao Expresso o eurodeputado, que também usou a sua conta no Twitter para se insurgir. O centrista argumenta que esteve contra a proposta da LIBE - cujo relator é socialista - mas lembra que votou a favor de uma outra resolução apresentada pelo PPE sobre salvamentos no Mediterrâneo. Só que também esta foi rejeitada pela maioria, tal como outras duas resoluções do género apresentadas pelos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) e pela extrema-direita e nacionalistas do grupo Identidade e Democracia (ID).

“A mentira de alguma esquerda a propósito do chumbo de uma proposta socialista relacionada com o resgate de pessoas no Mediterrâneo. Típico”, escreveu o eurodeputado, para quem seria igualmente legítimo dizer, “pela mesma ordem de razões, que a esquerda votou contra o salvamento de refugiados no Mediterrâneo”, quando rejeitou a proposta do PPE.

Quanto às razões para ter votado contra, enumera: “A recusa da distinção entre refugiados e migrantes, sabendo-se que a uns e outros se aplicam leis diferentes, e recursos sempre escassos; a tentativa de instrumentalização política do fenómeno, atribuindo-se a algumas ONG o tratamento quase equivalente a Estados, coisa que obviamente não são; a recusa da necessidade da cooperação com países terceiros, por forma a combater as causas que levam tantos a deixar os seus países de origem; e a ausência de resposta para pôr fim ao modelo de negócio perpetuado pelos traficantes e grupos criminosos que têm em mãos a vida de pessoas vulneráveis”.

Já o eurodeputado Álvaro Amaro justificou a sua posição pelo facto de a resolução da LIBE não ter “em conta a posição” do PPE. “Entendi, assim, seguir a linha de voto indicada pelo grupo e votar contra. Aguardo agora que os diversos grupos políticos voltem à negociação, para redigir uma nova resolução que possa expressar a pluralidade de opiniões existente neste Parlamento”, frisou na sua declaração de voto.

Quanto a José Manuel Fernandes, justifica a abstenção e diz que a resolução da LIBE "favorece a criação de negócios privados, à conta de um drama que toca a todos”, referindo-se às redes de tráfico de seres humanos. "A presente resolução falha, de certa forma, na promoção do equilíbrio necessário para tornar as fronteiras da União num lugar mais seguro e humano", declarou, mencionando também a necessidade de ser feita “uma distinção clara entre migrantes económicos e refugiados”.

Mas este último argumento não convence Marisa Matias, que votou contra as resoluções do PPE, ECR e ID. Ao Expresso, a eurodeputada do Bloco de Esquerda diz que “são impraticáveis e não resolvem o problema de fundo” e aponta o dedo à questão da distinção entre refugiados e migrantes económicos. Para ela, essa não pode ser uma triagem feita no momento do resgate. “Como é que se faz isso? A olho? E quem é que tem o poder para decidir que vidas se salvam é que vidas se deixam morrer?”, interroga. “É simplesmente desumano e contrário a qualquer linha do direito internacional. Não queria imaginar ninguém na posição de estar num barco à deriva e ser deixado para trás por ser migrante económico”, concluiu.

PSD partido com a resolução

A votação em plenário revela o quão fraturante é a questão migratória, que acabou também por partir a delegação do PSD. Para Cláudia Monteiro de Aguiar, "fazia todo o sentido não ir de acordo com o grupo [do PPE], e votar favoravelmente esta resolução". Ao Expresso, explicou que a questão foi discutida na delegação social-democrata, tendo a indicação sido “para se votar favoravelmente", ainda que cada eurodeputado tivesse liberdade de escolha. Cláudia Aguiar diz não concordar com a “criminalização de quem tenta ajudar pessoas, simplesmente por trazê-las para terra”.

"Não me fazia sentido votar contra isto", afirma, fazendo uma referência ao caso do português Miguel Duarte, acusado de auxílio à imigração ilegal em Itália por causa das operações no Mediterrâneo.

Na sua declaração de voto expressou que “a Comissão Europeia deve apresentar orientações para que os Estados Membros limitem a criminalização indevida de pessoas que prestam auxílio, nomeadamente os comandantes e os membros da tripulação, que não deverão sofrer sanções penais pelo simples facto de terem socorrido pessoas".

Paulo Rangel também votou favoravelmente e se todos os eurodeputados do PSD tivessem seguido o mesmo sentido de voto do chefe da delegação, a resolução poderia ter passado. A diferença foram apenas dois votos. José Gusmão, do Bloco de Esquerda, também não votou. O eurodeputado esteve ausente da sessão plenária de Estrasburgo por razões familiares. Entre a esquerda portuguesa, o voto foi idêntico: todos os deputados do PS e PCP votaram a favor, tal como o deputado do PAN.

Com os chumbos da semana passada, o Parlamento Europeu falha no objetivo de pressionar os Estados Membros a encontrarem soluções europeias para o desafio das migrações e refugiados. Há vários anos que se arrastam as negociações para se reformar o sistema comum de asilo, e encontrar um mecanismo solidário de repartição de refugiados entre estados membros. As soluções têm sido sempre "ad hoc", bilaterais e temporárias.

A discussão terá agora de voltar à comissão LIBE, onde Rangel e Melo são os dois efetivos. As resoluções do Parlamento Europeu não têm caráter legislativo, servem sobretudo para pressionar os Estados Membros e a Comissão Europeia a agir. Mas, para isso, os eurodeputados têm de se entender quanto a uma posição comum.

marcar artigo