Soares diz-se «perplexo» com Cravinho

25-05-2000
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Soares e Cravinho: o presidente da Câmara não foi sequer informado da escolha do ministro

Mais do que a escolha do técnico - que dirigiu o departamento de planeamento estratégico do município durante o consulado de Jorge Sampaio -, o que irrita Soares é o facto de ter sido o último a saber.

Fonseca Ferreira - que ainda a semana passada acusava a direcção guterrista de «défice democrático» - foi empossado segunda-feira no gabinete de Cravinho, na Rua de S. Mamede ao Caldas, sem conhecimento prévio do presidente da Câmara de Lisboa, que até este momento não foi contactado por nenhum dos dois camaradas de partido.

Avisado em Cannes por um holandês

João Soares foi informado da decisão por um construtor civil holandês, quando participava na Feira Internacional de Promotores Imobiliários (Midim), em Cannes, acompanhado de Edite Estrela.

O facto de a cerimónia de posse do novo «patrão» da CCR da área da Grande Lisboa ter ocorrido um dia antes da posse de João Soares como presidente da Junta Metropolitana adensou o clima de mal-estar. O secretismo que rodeou a posse foi tal, que só dois dos 18 presidentes de Câmara que compõem a Junta Metropolitana estiveram presentes: João Benavente, da Azambuja, e Amadeu Penim, de Sesimbra - ambos socialistas.

Apesar de velhos amigos (João Soares ajudou Fonseca Ferreira a desertar do quartel de Penamacor, em 1970, quando já se encontrava mobilizado para a guerra colonial), os dois socialistas têm divergências de fundo sobre as opções estratégicas da capital. Atribuindo a legislação em vigor a competência para elaborar os planos de ordenamento do território às CCR, os conflitos poderão revelar-se insanáveis.

Protesto contido mas «muito firme»

Classificando a atitude de João Cravinho como «uma objectiva desvalorização do poder local democrático», João Soares não se fica. Assumindo o que ele próprio considera «um protesto sereno mas muito firme», o presidente da Câmara de Lisboa confessa-se «perplexo».

O espanto do sucessor de Sampaio na gestão dos destinos de Lisboa decorre sobretudo do receio de que este gesto de «dessintonia» possa vir a prejudicar a região, num momento em que se discutem em Bruxelas cortes significativos nos fundos estruturais. A circunstância exige, em sua opinião, «unir esforços na defesa dos interesses nacional e regionais, no quadro da União Europeia».

Inconformado com o facto de não ter sido ouvido previamente sobre a nomeação - à semelhança do que aconteceu, aliás, com os outros autarcas da área abrangida pela CCR - Soares acusa João Cravinho de ter agido «em contradição com a prática deste Governo ao longo de mais de dois anos de poder». E lamenta que não se tenha respeitado «o espírito de cooperação e diálogo entre as autarquias locais e o poder central» que presidiu à criação das Comissões de Coordenação em 1989.

O incidente ocorre num momento em que a nova Junta Metropolitana enfrenta a sua primeira crise, decorrente da não eleição do social-democrata Isaltino Morais para vice-presidente. O «chumbo» - que inviabiliza o acordo de bastidores que garantia um lugar ao PSD - foi provocado pelo PCP, que não terá honrado a palavra dada.

Choque de poderes pré-regionalização

Até pelo facto de ocorrer entre socialistas, o «Caso Fonseca Ferreira» deixa claramente perceber que se trata de uma disputa pelo poder e não de mera questão de nomes.

João Soares defende o princípio de que deve ser a Junta Metropolitana e não a CCR a assumir o Plano Regional de Ordenamento do Território, para mais atendendo a que a sua presidência decorrer de eleição e não de nomeação.

Soares conta, nessa cruzada, com Jorge Gaspar, coordenador operacional do plano, que subscreve a sua tese. Mas outro parece ser o entendimento do ministro e, bem assim, do homem escolhido para dirigir a Comissão.

Em vésperas do debate da Regionalização, o caso ganha contornos politicamente relevantes. Olhado como «laboratório de ensaio» da região administrativas de Lisboa e Vale do Tejo, a CCR presidida por Fonseca Ferreira está já no centro de um conflito de competências que poderá revelar-se premonitório.

O.R.

Soares e Cravinho: o presidente da Câmara não foi sequer informado da escolha do ministro

Mais do que a escolha do técnico - que dirigiu o departamento de planeamento estratégico do município durante o consulado de Jorge Sampaio -, o que irrita Soares é o facto de ter sido o último a saber.

Fonseca Ferreira - que ainda a semana passada acusava a direcção guterrista de «défice democrático» - foi empossado segunda-feira no gabinete de Cravinho, na Rua de S. Mamede ao Caldas, sem conhecimento prévio do presidente da Câmara de Lisboa, que até este momento não foi contactado por nenhum dos dois camaradas de partido.

Avisado em Cannes por um holandês

João Soares foi informado da decisão por um construtor civil holandês, quando participava na Feira Internacional de Promotores Imobiliários (Midim), em Cannes, acompanhado de Edite Estrela.

O facto de a cerimónia de posse do novo «patrão» da CCR da área da Grande Lisboa ter ocorrido um dia antes da posse de João Soares como presidente da Junta Metropolitana adensou o clima de mal-estar. O secretismo que rodeou a posse foi tal, que só dois dos 18 presidentes de Câmara que compõem a Junta Metropolitana estiveram presentes: João Benavente, da Azambuja, e Amadeu Penim, de Sesimbra - ambos socialistas.

Apesar de velhos amigos (João Soares ajudou Fonseca Ferreira a desertar do quartel de Penamacor, em 1970, quando já se encontrava mobilizado para a guerra colonial), os dois socialistas têm divergências de fundo sobre as opções estratégicas da capital. Atribuindo a legislação em vigor a competência para elaborar os planos de ordenamento do território às CCR, os conflitos poderão revelar-se insanáveis.

Protesto contido mas «muito firme»

Classificando a atitude de João Cravinho como «uma objectiva desvalorização do poder local democrático», João Soares não se fica. Assumindo o que ele próprio considera «um protesto sereno mas muito firme», o presidente da Câmara de Lisboa confessa-se «perplexo».

O espanto do sucessor de Sampaio na gestão dos destinos de Lisboa decorre sobretudo do receio de que este gesto de «dessintonia» possa vir a prejudicar a região, num momento em que se discutem em Bruxelas cortes significativos nos fundos estruturais. A circunstância exige, em sua opinião, «unir esforços na defesa dos interesses nacional e regionais, no quadro da União Europeia».

Inconformado com o facto de não ter sido ouvido previamente sobre a nomeação - à semelhança do que aconteceu, aliás, com os outros autarcas da área abrangida pela CCR - Soares acusa João Cravinho de ter agido «em contradição com a prática deste Governo ao longo de mais de dois anos de poder». E lamenta que não se tenha respeitado «o espírito de cooperação e diálogo entre as autarquias locais e o poder central» que presidiu à criação das Comissões de Coordenação em 1989.

O incidente ocorre num momento em que a nova Junta Metropolitana enfrenta a sua primeira crise, decorrente da não eleição do social-democrata Isaltino Morais para vice-presidente. O «chumbo» - que inviabiliza o acordo de bastidores que garantia um lugar ao PSD - foi provocado pelo PCP, que não terá honrado a palavra dada.

Choque de poderes pré-regionalização

Até pelo facto de ocorrer entre socialistas, o «Caso Fonseca Ferreira» deixa claramente perceber que se trata de uma disputa pelo poder e não de mera questão de nomes.

João Soares defende o princípio de que deve ser a Junta Metropolitana e não a CCR a assumir o Plano Regional de Ordenamento do Território, para mais atendendo a que a sua presidência decorrer de eleição e não de nomeação.

Soares conta, nessa cruzada, com Jorge Gaspar, coordenador operacional do plano, que subscreve a sua tese. Mas outro parece ser o entendimento do ministro e, bem assim, do homem escolhido para dirigir a Comissão.

Em vésperas do debate da Regionalização, o caso ganha contornos politicamente relevantes. Olhado como «laboratório de ensaio» da região administrativas de Lisboa e Vale do Tejo, a CCR presidida por Fonseca Ferreira está já no centro de um conflito de competências que poderá revelar-se premonitório.

O.R.

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