Com olhos de ver

24-04-2001
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Duas exposições, uma organizada pela Biblioteca Nacional de Lisboa e outra pelo Instituto Camões e Fundação Eça de Queiroz, um vídeo e um «site» na Net contribuem para o melhor conhecimento do escritor, da sua obra e da sua vida

Não se percebe se foi um aviso, se um grito de alma, aquilo que Agustina deu, em «O Independente», ao escrever sobre as comemorações de Eça: «Andamos para aqui a sofrer com programas de cultura que mais parecem ser serviços cívicos.» O que fica claro é que tinha em mente fantochadas (o termo não é dela, mas só faltou usá-lo) que estariam na eminência de ser-nos servidas. Ora, mirando por perto, ou perscrutando os horizontes, nada se perfila senão sólidas e muito responsáveis acções. Tão sólidas e tão responsáveis que alguma frivolidade («mulheres embrulhadas em cortinas e colchas de cama», no guião da cronista) bem poderá, mais mês menos mês, começar a ser pedida pelas turbas. Numa reacção, Carlos Reis, o responsável pelas festividades nacionais, declarava recentemente ao «Público»: «A escritora Agustina Bessa-Luís está mal informada. Sobre Eça de Queirós e sobre as comemorações.» Se a primeira ignorância é algo especulativa, já a segunda parece conferir. À atenção de escritores e de não escritores, destacam-se aqui algumas iniciativas entretanto em curso. Biblioteca Nacional de Lisboa

A BNL sublinha os cem anos da morte de Eça de Queirós com duas realizações de porte: uma exposição ao Campo Grande e um «site» na Internet. Não sendo propriamente biográfica, a mostra «A Escrita do Mundo» irrompe no ano do primeiro texto de Eça, 1866, e irá estender-se até aos volumes póstumos, colocados todavia na época da sua produção. «A exposição funciona, literalmente, em duas dimensões», explica Luís Augusto da Costa Dias, principal autor do guião. «Na vertical, que é a dos painéis das paredes, encontramos o mundo que cercou e alimentou a obra queirosiana: a imprensa e os lugares, e os acontecimentos, literários ou políticos, nacionais e internacionais. Na horizontal, a dos mostruários, está visível a escrita de Eça de Queirós no que tem de mais exacto e palpável: os manuscritos, as cartas, os apontamentos, as edições originais dos livros. Uma e outra dimensão se interpelam e esclarecem. Se nos lembrarmos de que a correspondência de Eça é, em larga medida, uma reflexão sobre a obra, obtemos aí uma terceira dimensão: a da escrita do mundo por ele próprio.» Na feitura da exposição colaboraram Irene Fialho e José Baptista de Sousa, sendo «de primeiríssima ordem» o contributo de António Braz de Oliveira, conhecedor privilegiado dos materiais, e em particular dos espólios, da BNL. O «site» de Eça de Queirós (encontrável em www.bn.pt) pretende, ainda segundo Costa Dias, elevar estas «sugestões de leitura», esta «compreensão da escrita como mundo» a limites ainda superiores. Graças à multiplicação de «links», a informação histórica e iconográfica alarga-se, ao ponto de funcionar, quase autonomamente, como uma enciclopédia de «meio século de cultura novecentista». É isto: o navegador pode informar-se, divagar, e até perder-se pelo mundo fora, servindo a obra de Eça de Queirós hoje como objectivo, no dia seguinte como pretexto. Catálogo da exposição «Eça de Queirós: a Escrita do Mundo», Biblioteca Nacional / Edições Inapa, Lisboa, 2000, 285 págs., 6300$00 Instituto Camões e Fundação Eça de Queiroz

A exposição «Eça de Queirós: Marcos Biográficos e Literários» pretende a divulgação da iconografia queirosiana, quer geográfica quer literária, e foi concebida inicialmente para a divulgação no estrangeiro. Trata-se de uma iniciativa da Fundação Eça de Queiroz, realizada em cooperação estreita com o Instituto Camões, que disponibiliza esse conjunto de dez cartazes de formato vasto, largamente ilustrados e de grande qualidade gráfica, enviando-os gratuitamente às instâncias ou organizações (universidades, leitorados, associações culturais) que o desejarem. Os textos e legendas estão em português, mas a mostra faz-se acompanhar de um catálogo, disponível em tradução francesa, inglesa ou espanhola, que contém todas as ilustrações. «O percurso biográfico de Eça», opina A. Campos Matos, coordenador e guionista da exposição, «está longe de ser elemento a negligenciar na percepção da obra». E dá este exemplo pela negativa: «O Porto está praticamente ausente da ficção queirosiana. Caso estranhíssimo, já que toda a adolescência de Eça aí se desenrolou. Isso faz supor uma relação traumática com esse tempo e com esse espaço.» Nada impedirá, de resto, uma exibição através do país, a coordenar pela Fundação Eça de Queiroz, com a inclusão de cartazes suplementares, alusivos por exemplo a «A Cidade e as Serras». Na opinião de Isabel Pires de Lima, do conselho cultural da Fundação, «essa itinerância não colide com a duma outra exposição, preparada pela Comissão Nacional das comemorações». A professora e deputada discorda da visão de Carlos Reis, dada ao «Público» de 31 de Julho passado, que diagnosticava uma «redundância» em matéria de mostras, e se perguntava como «podia» passar em Portugal uma exposição pensada para o estrangeiro. «É uma exposição de elevado teor pedagógico», afirma Isabel Pires de Lima, «e funciona perfeitamente ao nível de escolas, de bibliotecas, no nosso país». Campos Matos concebeu, também para o Instituto Camões e a Fundação Eça de Queiroz, o vídeo «Eça de Queirós. Realidade e Ficção», que percorre o Portugal queirosiano e a biografia do escritor, com legendagem em espanhol, inglês ou francês. O material, altamente informativo, integra uma entrevista com D. Maria Eça de Queiroz, filha do romancista, de finais dos anos 60. «A presença de D. Maria é tão forte que o resto fica ofuscado», receia Campos Matos. A presença é forte, de facto. Mas o conjunto merece-a. Catálogo da exposição «Eça de Queirós. Marcos Biográficos e Literários. 1845-1900», 2000, 75 págs. Vídeo «Eça de Queirós. Realidade e Ficção». Pedidos ao Instituto Camões (geral@instituto-camoes.pt) ou à Fundação Eça de Queiroz (fcq@mail.telepac.pt) Textos de FERNANDO VENÂNCIO

Fotografia de JORGE SIMÃO

1900/2000: Eça vida que eu tive

Ilustres personagens

A irreverente actualidade

Poucos, nenhum íntimo

Casas com várias histórias

Crónicas e outros relatos

As virtudes do defunto

Com olhos de ver

Queiroz/Queirós

A sebenta de Eça

O meu encontro com o Eça

Retratos e auto-retratos

Duas exposições, uma organizada pela Biblioteca Nacional de Lisboa e outra pelo Instituto Camões e Fundação Eça de Queiroz, um vídeo e um «site» na Net contribuem para o melhor conhecimento do escritor, da sua obra e da sua vida

Não se percebe se foi um aviso, se um grito de alma, aquilo que Agustina deu, em «O Independente», ao escrever sobre as comemorações de Eça: «Andamos para aqui a sofrer com programas de cultura que mais parecem ser serviços cívicos.» O que fica claro é que tinha em mente fantochadas (o termo não é dela, mas só faltou usá-lo) que estariam na eminência de ser-nos servidas. Ora, mirando por perto, ou perscrutando os horizontes, nada se perfila senão sólidas e muito responsáveis acções. Tão sólidas e tão responsáveis que alguma frivolidade («mulheres embrulhadas em cortinas e colchas de cama», no guião da cronista) bem poderá, mais mês menos mês, começar a ser pedida pelas turbas. Numa reacção, Carlos Reis, o responsável pelas festividades nacionais, declarava recentemente ao «Público»: «A escritora Agustina Bessa-Luís está mal informada. Sobre Eça de Queirós e sobre as comemorações.» Se a primeira ignorância é algo especulativa, já a segunda parece conferir. À atenção de escritores e de não escritores, destacam-se aqui algumas iniciativas entretanto em curso. Biblioteca Nacional de Lisboa

A BNL sublinha os cem anos da morte de Eça de Queirós com duas realizações de porte: uma exposição ao Campo Grande e um «site» na Internet. Não sendo propriamente biográfica, a mostra «A Escrita do Mundo» irrompe no ano do primeiro texto de Eça, 1866, e irá estender-se até aos volumes póstumos, colocados todavia na época da sua produção. «A exposição funciona, literalmente, em duas dimensões», explica Luís Augusto da Costa Dias, principal autor do guião. «Na vertical, que é a dos painéis das paredes, encontramos o mundo que cercou e alimentou a obra queirosiana: a imprensa e os lugares, e os acontecimentos, literários ou políticos, nacionais e internacionais. Na horizontal, a dos mostruários, está visível a escrita de Eça de Queirós no que tem de mais exacto e palpável: os manuscritos, as cartas, os apontamentos, as edições originais dos livros. Uma e outra dimensão se interpelam e esclarecem. Se nos lembrarmos de que a correspondência de Eça é, em larga medida, uma reflexão sobre a obra, obtemos aí uma terceira dimensão: a da escrita do mundo por ele próprio.» Na feitura da exposição colaboraram Irene Fialho e José Baptista de Sousa, sendo «de primeiríssima ordem» o contributo de António Braz de Oliveira, conhecedor privilegiado dos materiais, e em particular dos espólios, da BNL. O «site» de Eça de Queirós (encontrável em www.bn.pt) pretende, ainda segundo Costa Dias, elevar estas «sugestões de leitura», esta «compreensão da escrita como mundo» a limites ainda superiores. Graças à multiplicação de «links», a informação histórica e iconográfica alarga-se, ao ponto de funcionar, quase autonomamente, como uma enciclopédia de «meio século de cultura novecentista». É isto: o navegador pode informar-se, divagar, e até perder-se pelo mundo fora, servindo a obra de Eça de Queirós hoje como objectivo, no dia seguinte como pretexto. Catálogo da exposição «Eça de Queirós: a Escrita do Mundo», Biblioteca Nacional / Edições Inapa, Lisboa, 2000, 285 págs., 6300$00 Instituto Camões e Fundação Eça de Queiroz

A exposição «Eça de Queirós: Marcos Biográficos e Literários» pretende a divulgação da iconografia queirosiana, quer geográfica quer literária, e foi concebida inicialmente para a divulgação no estrangeiro. Trata-se de uma iniciativa da Fundação Eça de Queiroz, realizada em cooperação estreita com o Instituto Camões, que disponibiliza esse conjunto de dez cartazes de formato vasto, largamente ilustrados e de grande qualidade gráfica, enviando-os gratuitamente às instâncias ou organizações (universidades, leitorados, associações culturais) que o desejarem. Os textos e legendas estão em português, mas a mostra faz-se acompanhar de um catálogo, disponível em tradução francesa, inglesa ou espanhola, que contém todas as ilustrações. «O percurso biográfico de Eça», opina A. Campos Matos, coordenador e guionista da exposição, «está longe de ser elemento a negligenciar na percepção da obra». E dá este exemplo pela negativa: «O Porto está praticamente ausente da ficção queirosiana. Caso estranhíssimo, já que toda a adolescência de Eça aí se desenrolou. Isso faz supor uma relação traumática com esse tempo e com esse espaço.» Nada impedirá, de resto, uma exibição através do país, a coordenar pela Fundação Eça de Queiroz, com a inclusão de cartazes suplementares, alusivos por exemplo a «A Cidade e as Serras». Na opinião de Isabel Pires de Lima, do conselho cultural da Fundação, «essa itinerância não colide com a duma outra exposição, preparada pela Comissão Nacional das comemorações». A professora e deputada discorda da visão de Carlos Reis, dada ao «Público» de 31 de Julho passado, que diagnosticava uma «redundância» em matéria de mostras, e se perguntava como «podia» passar em Portugal uma exposição pensada para o estrangeiro. «É uma exposição de elevado teor pedagógico», afirma Isabel Pires de Lima, «e funciona perfeitamente ao nível de escolas, de bibliotecas, no nosso país». Campos Matos concebeu, também para o Instituto Camões e a Fundação Eça de Queiroz, o vídeo «Eça de Queirós. Realidade e Ficção», que percorre o Portugal queirosiano e a biografia do escritor, com legendagem em espanhol, inglês ou francês. O material, altamente informativo, integra uma entrevista com D. Maria Eça de Queiroz, filha do romancista, de finais dos anos 60. «A presença de D. Maria é tão forte que o resto fica ofuscado», receia Campos Matos. A presença é forte, de facto. Mas o conjunto merece-a. Catálogo da exposição «Eça de Queirós. Marcos Biográficos e Literários. 1845-1900», 2000, 75 págs. Vídeo «Eça de Queirós. Realidade e Ficção». Pedidos ao Instituto Camões (geral@instituto-camoes.pt) ou à Fundação Eça de Queiroz (fcq@mail.telepac.pt) Textos de FERNANDO VENÂNCIO

Fotografia de JORGE SIMÃO

1900/2000: Eça vida que eu tive

Ilustres personagens

A irreverente actualidade

Poucos, nenhum íntimo

Casas com várias histórias

Crónicas e outros relatos

As virtudes do defunto

Com olhos de ver

Queiroz/Queirós

A sebenta de Eça

O meu encontro com o Eça

Retratos e auto-retratos

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