Filtros com diversas composições

01-05-2001
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Filtros com Diversas Composições

Sábado, 28 de Abril de 2001

Desde Janeiro de 2000 que as publicações em torno da obra de Eça não param de vir a lume. Já saíram mais dois volumes da Edição Crítica ("O Crime do Padre Amaro" e "A Ilustre Casa de Ramires"), romances e ensaios (ver Leituras de 09/09/2000). De então para cá, queirosianos ou não, têm vindo, no âmbito das comemorações do centenário da morte do autor de "O Primo Basílio", a animar o universo editorial português.

Uma das obras que agora merece destaque é o álbum que a Fundação Eça de Queiroz e a Campo das Letras editaram em Novembro de 2000, com o patrocínio da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim e do Instituto Camões. Coordenado por Isabel Pires de Lima, "Retratos de Eça de Queirós" reúne 40 olhares, de entre os quais os que mais chamam a atenção do leitor serão, por certo, os dos escritores contemporâneos.

Há aproximações para todos os gostos - umas mais bem conseguidas do que outras. Logo a abrir, Agustina Bessa-Luís, num texto curto, além de confessar que leu Eça, mais precisamente "Os Maias", aos 15 anos "com uma devoção que nada mais igualou", dá em duas penadas - deixando alguma água na boca - um retrato belíssimo do romancista. "Era alguém que sabia fazer da tinta de escrever um filtro de diversas composições." Este género de "photomaton" - entre o testemunho e a procura da essência da relação obra-homem - surge-nos também pela pena de Mário Cláudio. Pura ficção, e da boa, são os textos de Luísa Costa Gomes e os de Paulo Castilho: ela, imagina o ambiente familiar que rodeava Eça em Neuilly; ele, a partir do seu mais recente romance, "Por Outras Palavras", põe os seus personagens (e a nós) a rir à custa de Eça, como acontece na dramaturgia de Almeida Faria, que imagina um encontro entre o nosso cônsul e Oscar Wilde. Mário de Carvalho e Augusto Abelaira propõem uma estratégia não menos eficaz: a que reúne a ficção e o ensaio. E ambos acertam em cheio.

A par dos textos contemporâneos, publicam-se textos éditos e, plasticamente, o álbum reúne desenhos e pinturas de artistas coevos de Eça e de outros, contemporâneos. Em suma: um álbum para mais tarde recordar...

Há oito anos, um arquitecto, A. Campos Matos lançava a segunda edição do "Dicionário de Eça de Queiroz" - obra que se tornou, desde então, de consulta obrigatória. Agora, é preciso voltar ao lugar do crime, ou melhor, ao "Suplemento ao Dicionário de Eça de Queiroz", um tijolo de 650 páginas. Obviamente, como todo e qualquer dicionário, não se lê de fio a pavio. As razões por que o autor se abalançou a este trabalho são óbvias: desde o 1º Congresso Internacional de Queirosianos (1988), muita água passou por debaixo da ponte, muitas teses foram repensadas e muitos mitos questionados.

O "Suplemento..." faz, no fundo, o ponto da situação da investigação queirosiana, muito embora peque por alguma falta de trabalho de "editing" ao publicar, às vezes quase na íntegra, e no original tom coloquial, algumas das comunicações que se fizeram nos encontros nacionais e internacionais ao longo destes anos. Tal não é motivo bastante para ignorar o trabalho de A. Campos Matos. Inclui textos, sobretudo de ensaística comparada entre Eça e José Régio - de Eugénio Lisboa, só para dar um exemplo - ou pequenos-grandes mistérios com que se confrontam os biógrafos de Eça como é a causa da morte do romancista: o médico Álvaro Sequeira sugere que toda a evolução clínica do escritor é "mais compatível com um processo neoplásico (tumor maligno) do que com as hipóteses até agora formuladas" - "uma doença infecto-contagiosa (tuberculose) ou parasitária (amebíase)".

A propósito de "Os Maias", Maria Filomena Mónica escreve: "Não há, no livro, uma palavra a mais, uma passagem desnecessária. (...) Eça sabia perfeitamente ter escrito uma obra-prima. O que o magoou não foram tanto as críticas, medíocres, que saíram nos jornais, mas o facto de 'Os Maias' terem sobretudo sido debatidos por causa de um imbecil 'fait divers': a acusação de ele ter retratado, na figura de Alencar, Bulhão Pato."

Ora, é justamente a reunião da totalidade dessas críticas que nos propõe António Apolinário Lourenço, ao juntar os textos da "Recepção Imediata de 'Os Maias' de Eça de Queirós". O organizador defende que "os leitores e críticos de Eça de 1888 não estavam em condições de adivinhar" o destino que os "Os Maias" viriam a ter. Não só não adivinharam. Não compreenderam! C. C. L.

Filtros com Diversas Composições

Sábado, 28 de Abril de 2001

Desde Janeiro de 2000 que as publicações em torno da obra de Eça não param de vir a lume. Já saíram mais dois volumes da Edição Crítica ("O Crime do Padre Amaro" e "A Ilustre Casa de Ramires"), romances e ensaios (ver Leituras de 09/09/2000). De então para cá, queirosianos ou não, têm vindo, no âmbito das comemorações do centenário da morte do autor de "O Primo Basílio", a animar o universo editorial português.

Uma das obras que agora merece destaque é o álbum que a Fundação Eça de Queiroz e a Campo das Letras editaram em Novembro de 2000, com o patrocínio da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim e do Instituto Camões. Coordenado por Isabel Pires de Lima, "Retratos de Eça de Queirós" reúne 40 olhares, de entre os quais os que mais chamam a atenção do leitor serão, por certo, os dos escritores contemporâneos.

Há aproximações para todos os gostos - umas mais bem conseguidas do que outras. Logo a abrir, Agustina Bessa-Luís, num texto curto, além de confessar que leu Eça, mais precisamente "Os Maias", aos 15 anos "com uma devoção que nada mais igualou", dá em duas penadas - deixando alguma água na boca - um retrato belíssimo do romancista. "Era alguém que sabia fazer da tinta de escrever um filtro de diversas composições." Este género de "photomaton" - entre o testemunho e a procura da essência da relação obra-homem - surge-nos também pela pena de Mário Cláudio. Pura ficção, e da boa, são os textos de Luísa Costa Gomes e os de Paulo Castilho: ela, imagina o ambiente familiar que rodeava Eça em Neuilly; ele, a partir do seu mais recente romance, "Por Outras Palavras", põe os seus personagens (e a nós) a rir à custa de Eça, como acontece na dramaturgia de Almeida Faria, que imagina um encontro entre o nosso cônsul e Oscar Wilde. Mário de Carvalho e Augusto Abelaira propõem uma estratégia não menos eficaz: a que reúne a ficção e o ensaio. E ambos acertam em cheio.

A par dos textos contemporâneos, publicam-se textos éditos e, plasticamente, o álbum reúne desenhos e pinturas de artistas coevos de Eça e de outros, contemporâneos. Em suma: um álbum para mais tarde recordar...

Há oito anos, um arquitecto, A. Campos Matos lançava a segunda edição do "Dicionário de Eça de Queiroz" - obra que se tornou, desde então, de consulta obrigatória. Agora, é preciso voltar ao lugar do crime, ou melhor, ao "Suplemento ao Dicionário de Eça de Queiroz", um tijolo de 650 páginas. Obviamente, como todo e qualquer dicionário, não se lê de fio a pavio. As razões por que o autor se abalançou a este trabalho são óbvias: desde o 1º Congresso Internacional de Queirosianos (1988), muita água passou por debaixo da ponte, muitas teses foram repensadas e muitos mitos questionados.

O "Suplemento..." faz, no fundo, o ponto da situação da investigação queirosiana, muito embora peque por alguma falta de trabalho de "editing" ao publicar, às vezes quase na íntegra, e no original tom coloquial, algumas das comunicações que se fizeram nos encontros nacionais e internacionais ao longo destes anos. Tal não é motivo bastante para ignorar o trabalho de A. Campos Matos. Inclui textos, sobretudo de ensaística comparada entre Eça e José Régio - de Eugénio Lisboa, só para dar um exemplo - ou pequenos-grandes mistérios com que se confrontam os biógrafos de Eça como é a causa da morte do romancista: o médico Álvaro Sequeira sugere que toda a evolução clínica do escritor é "mais compatível com um processo neoplásico (tumor maligno) do que com as hipóteses até agora formuladas" - "uma doença infecto-contagiosa (tuberculose) ou parasitária (amebíase)".

A propósito de "Os Maias", Maria Filomena Mónica escreve: "Não há, no livro, uma palavra a mais, uma passagem desnecessária. (...) Eça sabia perfeitamente ter escrito uma obra-prima. O que o magoou não foram tanto as críticas, medíocres, que saíram nos jornais, mas o facto de 'Os Maias' terem sobretudo sido debatidos por causa de um imbecil 'fait divers': a acusação de ele ter retratado, na figura de Alencar, Bulhão Pato."

Ora, é justamente a reunião da totalidade dessas críticas que nos propõe António Apolinário Lourenço, ao juntar os textos da "Recepção Imediata de 'Os Maias' de Eça de Queirós". O organizador defende que "os leitores e críticos de Eça de 1888 não estavam em condições de adivinhar" o destino que os "Os Maias" viriam a ter. Não só não adivinharam. Não compreenderam! C. C. L.

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