Homenagem a Sophia inaugurou "Vozes e Olhares no Feminino"

26-05-2001
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Homenagem a Sophia Inaugurou "Vozes e Olhares no Feminino"

Por LUÍS MIGUEL QUEIRÓS

Domingo, 4 de Março de 2001 Iniciativa da Porto 2001 encheu auditório da nova biblioteca Apresentada por Maria Alzira Seixo e lida por Manuela Melo, a obra de Sophia de Mello Breyner Andresen abriu mais um ciclo da Capital da Cultura. Mesmo sabendo-se de antemão que Sophia de Mello Breyner Andresen não iria poder estar presente, a sessão inaugural do ciclo "Vozes e Olhares no Feminino", coordenado por Isabel Pires de Lima e integrado na programação do Porto 2001, esgotou anteontem a lotação do auditório da nova Biblioteca Municipal Almeida Garrett. Após uma breve intervenção de Isabel Pires de Lima, que procurou justificar a pertinência de se promover, nos dias de hoje, um programa exclusivamente dedicado à escrita de mulheres, coube à ensaísta Maria Alzira Seixo apresentar a obra de Sophia. E a professora de Literatura Comparada da Universidade de Lisboa revelou-se uma comunicadora contagiante. Sem a mais pequena concessão ao jargão académico, Alzira Seixo mostrou como o empenhamento ético e político convive exemplarmente, na poesia de Sophia, com uma imaculada perfeição formal, e como a sua intuição de um mundo metafísico convive com uma persistente atenção ao real, a "um espaço palpável e a um tempo concreto". Logo a abrir a sua intervenção, a oradora defendeu que Sophia "é um dos grandes vultos da literatura portuguesa de todos os tempos". E se apenas abordou a obra poética da autora, ainda teve tempo, no final, de recordar a prosadora dos "Contos Exemplares" e a notável escritora de literatura infantil que Sophia também é. Neste capítulo, defendeu mesmo que "A Menina do Mar" é um dos quatro maiores livros de literatura infantil do século XX, a par de "A Maravilhosa Viagem de Nils Holgerson", de Selma Lagerlöff, do "Emílio e os Detectives", de Erich Kästner, e de "O Principezinho", de Saint-Exupéry. Recordando o seu tempo de estudante, Alzira Seixo explicou que Sophia foi um dos primeiros poetas que leu, e confessou à assistência a perplexidade que sentiu quando constatou que as mesmas palavras poderiam formar uma frase trivial e, noutro contexto, tornarem-se subitamente poesia. Foi numa viagem de autocarro que intuiu a natureza do mistério da poesia, ao reparar que a janela através da qual olhava coincidia por vezes com as janelas das casas. "Pensei que talvez fosse isso: as palavras às vezes coincidiam com os seus significados, e depois deixavam de coincidir, e voltavam a coincidir outra vez". Ao longo da sessão, Alzira Seixo leu de cor diversos poemas, entre os quais "Promessa", de "Dia do Mar" (1947) - "És tu a primavera que eu esperava,/A vida multiplicada e brilhante,/ Em que é pleno e perfeito cada instante" -, que, mais do que a "promessa" que o título anuncia, considerou uma verdadeira profecia. Que se cumpriria no dia 25 de Abril de 1974, data que serve de título a um outro poema, que Sophia escreveu 30 anos após o anterior: "Esta é madrugada que eu esperava/ O dia inicial inteiro e limpo/ Onde emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo". Mas a "diseuse" oficial da sessão não era ela. Foi a Manuela Melo, vereadora da Cultura e responsável pela programação do Porto 2001, que coube ler nove poemas seleccionados pela própria Sophia. Numa dicção perfeita, e doseando sabiamente emoção e contenção, Manuela Melo provou que ainda lhe ficou o jeito dos tempos em que foi actriz. Para fechar a leitura, escolheu a brevíssima "Inscrição": Quando eu morrer voltarei para buscar/ Os instantes que não vivi junto do mar". O público foi ainda recompensado da ausência da poetisa com a exibição de um filme de José Barahona, realizado para a Comissão dos Descobrimentos, ao qual foram acrescentados alguns fragmentos inéditos. Sophia bebendo chá no jardim, sacando de um cigarro, mostrando-se manifestamente relutante em deixar-se filmar, e explicando a um interlocutor invisível que não gostava de falar de poesia, que isso era "para os professores". No final, já depois de uma curta troca de impressões com o público, Alzira Seixo pediu à filha de Sophia, Isabel Tavares, que se encontrava na assistência, que falasse um pouco da mãe. Deixando a suspeita de que a concisão possa ser uma virtude geneticamente transmissível, esta disse apenas uma frase: "Continua a beber chá, continua a fumar, continua à procura de uma caneta que, invariavelmente, está perdida". Felizmente para nós, leitores, a sua mãe, às vezes, acabou mesmo por encontrar a caneta. OUTROS TÍTULOS EM CULTURA "Amor Cão" vence Fantasporto

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