Os PALOP ao espelho

15-01-2001
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Pavilhão da Guiné-Bissau na Expo: as representações dos PALOP estão viradas para o futuro, sem darem relevo ao passado de dependência colonial

Mas em vão se procurará qualquer referência à independência de 1975 ou alusões negativas ao período colonial.

A omissão é comum aos pavilhões dos cinco PALOP. Uma delicadeza diplomática em casa dos antigos colonizadores? Ou a visão descomplexada de povos que olham para o futuro?

«Hoje, estes países caminham para o século XXI libertos do complexo de dominado de que falava Frantz Fanon», assinala Isabel Castro Henriques, professora de História de África na Universidade Clássica de Lisboa, que aceitou guiar o EXPRESSO numa visita aos pavilhões dos PALOP.

Na sua opinião, a capacidade dos novos países de ultrapassarem ressentimentos pelo passado colonial «é uma força africana». «A independência vê-se, não é preciso dizer», conclui.

As ilhas crioulas

Dos cinco pavilhões, o de Cabo Verde é o único que dá destaque explícito à história, em painéis que antecedem uma exposição de arte e artesanato.

A chegada das caravelas é apresentada como ponto de partida para a mestiçagem de homens e culturas que marca a evolução das ilhas. «Depressa, negros e brancos deixaram de o ser para se tornarem, ambos, a alma e essência de Cabo Verde», lê-se num painel - que certamente incomodará os críticos do alegado domínio do «discurso luso-tropicalista» na Expo.

Isabel Henriques assinala o relevo dado ao legado arquitectónico português e à religião cristã. «Em Cabo Verde estavam presentes formas de religiosidade africana, mas criaram-se formas sincréticas de religião que integraram o cristianismo», explica.

O turismo e as energias alternativas do futuro estão também em foco. Em contrapartida, nota-se a falta de referências à emigração.

«A mestiçagem também é a diáspora, todos os homens e mulheres que saíram, voltaram, circularam», diz Isabel Castro Henriques. «Não é possível explicar Cabo Verde sem a diáspora», conclui.

No pavilhão de S. Tomé e Príncipe, a recriação de uma praia com palmeiras recebe o visitante. Uma casa portuguesa, possivelmente numa antiga roça, serve de fundo à apresentação das culturas locais - café, cacau, banana, cana-de-açúcar. Mas o maior relevo é dado ao artesanato e à beleza natural das ilhas, com a promessa de «férias exóticas» no «paraíso do Equador». O turismo é o futuro.

Isabel Castro Henriques nota a falta de referências ao Rei Amador, símbolo da resistência aos portugueses. E refere dois aspectos do passado de S. Tomé e Príncipe que não cabem na concepção do pavilhão: ter sido «espaço de armazenamento de escravos» e de «experimentação das técnicas usadas na colonização do Novo Mundo».

Esculturas rituais

O pavilhão da Guiné-Bissau abre com uma conseguida recriação da selva tropical. O turismo e a etnografia estão em relevo, a par de exemplos de arquitectura colonial e islâmica e de produtos tradicionais como a castanha de caju.

Em destaque estão duas esculturas de madeira ligadas a rituais de fertilidade e de passagem. A sua «grande dimensão simbólica e religiosa», em contraste com a efemeridade da ordem colonial, é assinalada pela professora de história.

Angola apresenta-se aos visitantes como «Um País de Futuro». O maior destaque é dado aos produtos de exportação - o petróleo, as pescas, a madeira e o café -, a par de uma colecção de máscaras tradicionais. Isabel Castro Henriques lamenta a falta de referências aos grandes rios angolanos: «A gestão da água foi sempre uma preocupação das populações deste território», diz.

No bonito pavilhão de Moçambique, os visitantes são atraídos por exemplares embalsamados de espécies marinhas únicas. A navegação e o cruzamento de culturas estão em relevo. Uma vitrina destaca o património da Ilha de Moçambique. Outras exibem colares feitos com prata, missangas antigas e cacos de porcelana apanhados em ruínas e no mar.

Os colares são o símbolo perfeito da recuperação do passado para uma utilidade presente. Talvez seja essa, afinal, a mensagem comum dos pavilhões dos PALOP na Expo.

Frederico Carvalho

Em cartaz

Pavilhão da Guiné-Bissau na Expo: as representações dos PALOP estão viradas para o futuro, sem darem relevo ao passado de dependência colonial

Mas em vão se procurará qualquer referência à independência de 1975 ou alusões negativas ao período colonial.

A omissão é comum aos pavilhões dos cinco PALOP. Uma delicadeza diplomática em casa dos antigos colonizadores? Ou a visão descomplexada de povos que olham para o futuro?

«Hoje, estes países caminham para o século XXI libertos do complexo de dominado de que falava Frantz Fanon», assinala Isabel Castro Henriques, professora de História de África na Universidade Clássica de Lisboa, que aceitou guiar o EXPRESSO numa visita aos pavilhões dos PALOP.

Na sua opinião, a capacidade dos novos países de ultrapassarem ressentimentos pelo passado colonial «é uma força africana». «A independência vê-se, não é preciso dizer», conclui.

As ilhas crioulas

Dos cinco pavilhões, o de Cabo Verde é o único que dá destaque explícito à história, em painéis que antecedem uma exposição de arte e artesanato.

A chegada das caravelas é apresentada como ponto de partida para a mestiçagem de homens e culturas que marca a evolução das ilhas. «Depressa, negros e brancos deixaram de o ser para se tornarem, ambos, a alma e essência de Cabo Verde», lê-se num painel - que certamente incomodará os críticos do alegado domínio do «discurso luso-tropicalista» na Expo.

Isabel Henriques assinala o relevo dado ao legado arquitectónico português e à religião cristã. «Em Cabo Verde estavam presentes formas de religiosidade africana, mas criaram-se formas sincréticas de religião que integraram o cristianismo», explica.

O turismo e as energias alternativas do futuro estão também em foco. Em contrapartida, nota-se a falta de referências à emigração.

«A mestiçagem também é a diáspora, todos os homens e mulheres que saíram, voltaram, circularam», diz Isabel Castro Henriques. «Não é possível explicar Cabo Verde sem a diáspora», conclui.

No pavilhão de S. Tomé e Príncipe, a recriação de uma praia com palmeiras recebe o visitante. Uma casa portuguesa, possivelmente numa antiga roça, serve de fundo à apresentação das culturas locais - café, cacau, banana, cana-de-açúcar. Mas o maior relevo é dado ao artesanato e à beleza natural das ilhas, com a promessa de «férias exóticas» no «paraíso do Equador». O turismo é o futuro.

Isabel Castro Henriques nota a falta de referências ao Rei Amador, símbolo da resistência aos portugueses. E refere dois aspectos do passado de S. Tomé e Príncipe que não cabem na concepção do pavilhão: ter sido «espaço de armazenamento de escravos» e de «experimentação das técnicas usadas na colonização do Novo Mundo».

Esculturas rituais

O pavilhão da Guiné-Bissau abre com uma conseguida recriação da selva tropical. O turismo e a etnografia estão em relevo, a par de exemplos de arquitectura colonial e islâmica e de produtos tradicionais como a castanha de caju.

Em destaque estão duas esculturas de madeira ligadas a rituais de fertilidade e de passagem. A sua «grande dimensão simbólica e religiosa», em contraste com a efemeridade da ordem colonial, é assinalada pela professora de história.

Angola apresenta-se aos visitantes como «Um País de Futuro». O maior destaque é dado aos produtos de exportação - o petróleo, as pescas, a madeira e o café -, a par de uma colecção de máscaras tradicionais. Isabel Castro Henriques lamenta a falta de referências aos grandes rios angolanos: «A gestão da água foi sempre uma preocupação das populações deste território», diz.

No bonito pavilhão de Moçambique, os visitantes são atraídos por exemplares embalsamados de espécies marinhas únicas. A navegação e o cruzamento de culturas estão em relevo. Uma vitrina destaca o património da Ilha de Moçambique. Outras exibem colares feitos com prata, missangas antigas e cacos de porcelana apanhados em ruínas e no mar.

Os colares são o símbolo perfeito da recuperação do passado para uma utilidade presente. Talvez seja essa, afinal, a mensagem comum dos pavilhões dos PALOP na Expo.

Frederico Carvalho

Em cartaz

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