"Onde estão os homens que engravidaram estas mulheres?"

03-02-2002
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"Onde Estão Os Homens Que Engravidaram Estas Mulheres?"

Por CESALTINA PINTO

Sábado, 19 de Janeiro de 2002 Junto ao tribunal da Maia não foram muitos os que se manifestaram mas, no fim, coube a uma militante socialista perguntar: "Onde estão, afinal, os 17 homens que engravidaram estas mulheres?" Não eram mais de meia centena os manifestantes que desde cedo aguardavam o início do julgamento da Maia, defendendo a absolvição das 17 mulheres acusadas de terem praticado o aborto. Logo depois das 9h00, a Plataforma Direito de Optar segurava uma longa faixa onde se lia: "Lei injusta - Absolvição!". Mas os slogans e as palavras de ordem não se faziam ouvir, a não ser por brincadeira, do outro lado da rua, e atrás do gradeamento das instalações da escola básica do 2º e 3º ciclo da Maia, instalada em frente do complexo desportivo de ténis, onde se realizava o julgamento. Aí, um grupo de miúdos e adolescentes aproveitava o intervalo das aulas para espreitar o frenesim dos jornalistas e o aparato dos directos das televisões. Naturalmente excitados, gritavam em coro: "Não ao aborto, não ao aborto...". Os adultos, por seu lado, preferiam o símbolo de flores brancas e amarelas, "um símbolo de alegria ao fim de quatro meses de humilhação e tristeza", e geriam a expectativa da divulgação da sentença. Os comunistas Ilda Figueiredo e Honório Novo, assim como os bloquistas Francisco Louçã e João Teixeira Lopes eram as figuras em destaque. Elementos da Juventude Comunista seguravam cartazes onde chamavam "crime" ao julgamento. E outros jovens transformaram-se em "sanduiches", para que na frente se lêsse "eu mando na minha barriga" e atrás se completasse com "e tu mandas na tua". "Chega de opressão, viva a liberação", "Mandam mulheres para a fogueira com a vida como bandeira" e "Julgam os inocentes, mas os culpados estão ausentes" eram outros dos "slogans" pintados a preto em painéis de cartão. Enquanto na sala improvisada do tribunal a juiza lia os pressupostos que haveriam de culminar numa sentença, o bar do complexo desportivo não tinha mãos a medir para tantos cafés. O açúcar esgotou e a responsável pelo atendimento ao balcão dizia-se já confusa de todo com tanto pedido e aflita para fazer o troco aos euros. Depois de conhecida a sentença, já os putos da escola invadiam os corredores de entrada no complexo desportivo. Alberto, de 12 anos e cabelo espetado por camadas de gel, confessava não saber bem o que era um aborto. "É por causa dos filhos", apostava, explicando-se depois melhor: "É uma operação que se faz quando não se quer ver nascer um filho". A sua amiga Vânia, dois anos mais velha, ia um pouco mais longe: "Quando uma mulher engravida e não quer o filho a solução é abortar", explica a Vânia que, na sua ingenuidade, se confessou incapaz de poder vir a praticar um aborto: "Se ficasse grávida era porque queria, pois a criança não tem culpa. Se não quisesse o filho dava a uma instituição, porque há muita gente que não pode ter filhos". E como se evita uma gravidez? "Usando preservativo", diz prontamente, logo seguida de um colega que corrige para "camisinha". Mas o Alberto questiona, com riso maldoso: "de manga curta ou comprida?". No fim, enquanto os notáveis se desdobravam em declarações às câmaras de televisão, Fina da Armada, uma militante socialista, advogava: "Em todas as lutas há os mártires e os heróis. Embora seja um drama para quem foi condenado, é positivo para a luta das mulheres. Quem luta pela mudança da lei, agora tem uma prova de que se pode ser condenado por prática de aborto". E não deixava de perguntar, intrigada: "Mas onde estão, afinal, os 17 homens que engravidaram estas mulheres?". OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Forte polémica e uma condenação

"Não posso fugir à lei", disse a única mulher condenada na Maia

EDITORIAL Passos que podem ser dados

"Onde estão os homens que engravidaram estas mulheres?"

"Lei: alteração! Julgamento: humilhação!"

Inquérito

Reacções institucionais

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