Ferro e Durão em visitas de cortesia ao eleitor

20-03-2002
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Ferro e Durão em Visitas de Cortesia ao Eleitor

Por ADELINO GOMES

Quarta-feira, 6 de Março de 2002

Passagem meteórica pelas ruas, almoço em restaurantes, comício em pavilhões apertados - a volta de Ferro e Durão ao país satisfaz o ego bairrista dos militantes. Mas é para as câmaras e os microfones, olhos e ouvidos do eleitor, que os estrategos lhes gizam a campanha.

Falta meia hora para o anunciado passeio de Durão Barroso pelo centro de Santarém. No Largo Sá da Bandeira, cenário noutros tempos de disputados comícios multitudinários, uma carrinha lança para o ar "slogans" de mobilização. Do condutor ou dos ocupantes nem sinais nas redondezas. Um pequeno grupo de gente a rondar a idade da reforma movimentar-se-á, por uns minutos, diante da mala de um BMW donde alguém começa a retirar bandeiras e cachecóis. Indiferentes ou manhosos, os transeuntes não parecem sequer dar pela alteração da rotina.

O candidato chega pelas cinco e meia da tarde. Nem um viva, nem um grito. Apenas a estridência desafinada de uma gaita de foles e de um tambor atrás dos quais a comitiva avança pela antiga rua Direita.

Reforçados pelos elementos chegados na caravana e pelo frenesim de repórteres e operadores de câmara, os militantes enchem facilmente as apertadas artérias que os responsáveis locais escolheram para o fugaz banho de real (a bica no café, os dois dedos de conversa com a família do comerciante, o/a militante cheio/a de fé, o/a transeunte que se descobre, desta vez, votante, os desenhos promissores da criancinha).

Uma meia hora depois, o passeio termina onde começou. Quem entrar no Largo nos próximos cinco minutos, vindo de Lisboa ou de Rio Maior, ainda poderá ver uma rapariga com um cachecol de Durão a entrar para uma rápida prece na igreja da Senhora da Piedade, antes de se perder na estrada que conduz a Almeirim.

Os ténues sinais dos actores da campanha e respectivos apoiantes só voltarão às ruas da cidade quando a comitiva de Ferro Rodrigues chegar de Abrantes, lá mais para a noite.

O verdadeiro acontecimento deste primeiro dia da campanha oficial, aquilo que há-de agitar os jornalistas e por intermédio deles o eleitor, sentado diante do televisor caseiro, estão neste momento o director da campanha de Durão, Hermínio Loureiro, e tudo o que é gente de peso no mundo do futebol ligado ao PSD (os Santana Lopes, os Fernando Seara) a tecer em verdadeiro contra relógio para o espectáculo de estrelas marcado para a hora de jantar em Rio Maior.

Num primeiro andar apinhado de mesas para duas mil pessoas, a intervalos que alimentarão a expectativa num crescendo próprio dos espectáculos profissionais, entram primeiro Gomes e as velhas glórias "europeias" do FC Porto. Depois Santana Lopes com Manuel Vilarinho atrás ("O Benfica quis, inequivocamente, dar o seu apoio institucional, o meu e dos seus órgãos sociais, ao PSD e ao dr. Durão Barroso", espantará ele sócios e não sócios minutos depois de se ter estatelado no chão ao tentar acertar à primeira com a bola num alvo à entrada do recinto); Pôncio Monteiro, a esconjurar o perigo de uma acção eleitoral punitiva da massa associativa do FCP contra o PSD; os Loureiros do Boavista; uma mão cheia de campeões olímpicos. Por fim, qual cereja no monumental bolo, os goleadores sportinguistas Jardel e João Pinto.

Antes das palmas dos apoiantes, antes mesmo do discurso do candidato, já as televisões, em frenéticos directos, levam ao país a imagem de um PSD triunfante. Durão a dar a direita a Eusébio, a abraçar Simão Sabrosa, a saudar os campeões olímpicos; Santana à mesa com todo o estado maior benfiquista; Alexandre, filho de Pinto da Costa na mesa de honra (estão de relações cortadas, sim; o lugar de Alexandre, empresário, na hierarquia do futebol nacional garantir-lhe-ia lugar lá para a décima mesa da segunda fila a contar da esquerda; mas que estratego iria dizer não a este apelido nesta circunstância eleitoral?).

Há dois dias que Ferro quer abrandar a pressão do Euro 2004 no discurso eleitoral. O capricho das agendas, porém, faz coincidir o jantar dos desportistas com os encontros de negociação de Rui Rio com o grupo Amorim oferecendo a Durão inesperados ganhos de tempo de antena nos directos da noite.

Contra Eusébio, Vilarinho, Pôncio, o candidato socialista dispõe apenas do "trunfo" Dias da Cunha, presidente do Sporting, que surge a seu lado em Abrantes. Ao que o PSD responderá com o tal duo atacante sportinguista do momento, sem falar de mega Carlos Lopes, desiludido, ao que parece, com os antigos companheiros de estrada dos Estados Gerais guterristas.

Ferro ainda gritará, por entre um mar de bandeiras do PS, no comício nocturno na Casa do Campino em Santarém, bem composta nos seus mil lugares de lotação máxima: "Ele [Durão] pensava-se num porto de abrigo. O que se passou nos últimos dias fez com que ele perdesse o Porto e portanto também o Norte. Está desnorteado". É um belo achado de subentendidos em que o candidato socialista começa a revelar-se perito. Só que errado na hora e no local, tão próximos da consagração do adversário em Rio Maior.

Já no carro que o leva a Coimbra, tirada a gravata com que discursou, Ferro garante ao PÚBLICO que nunca viu a questão do Euro 2004 "como instrumento para caçar mais uns votos". Mas não deixa de estranhar que só passado este tempo todo o presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, se tenha disposto a fazer o que devia ter sido uma das suas primeiras iniciativas neste processo: reunir-se com o secretário de Estado das Obras Públicas, Vieira da Silva, para debater o financiamento estatal às acessibilidades dos estádios do Bessa e das Antas. Tranquilo e confiante nos últimos sinais que lhe chegam do eleitorado, não resiste a deixar cair mais uma frase repassada de ironia, quando o PÚBLICO lhe fala do triunfo de Durão em Rio Maior: "Donde se conclui que no mundo do futebol, que Rui Rio diz ser tenebroso, o PSD pelos vistos conta grandes apoios..."

Como o palco do pavilhão (apropriadamente chamado de Multiusos) de Rio Maior, as bandeiras, os cachecóis, os rapazes e raparigas das "jotas" dos dois partidos funcionam como uma espécie de cenário amovível que as respectivas campanhas vão transportando de terra em terra e colocam em locais onde transeuntes e comerciantes se misturam, emprestando-lhes um grão de espontaneidade, com o punhado de militantes indefectíveis que restam das movimentações populares do passado.

O breve passeio de Durão em Santarém, a passagem de Ferro por Abrantes e por ruas de Lisboa (mesmo quando, em Benfica, o carinho dos espontâneos confirmaram a larga popularidade que o Rendimento Mínimo lhe conquistou) funcionam como a apresentação de cumprimentos à terra que a campanha distinguiu. Esta, porém, faz-se cada vez mais para as câmaras e os microfones da televisão e da rádio. Por cada discurso perante os apoiantes, três ou quatro declarações aos enviados especiais garantem a chegada do candidato cada dia, várias vezes ao dia, ao universo de eleitores.

Foi assim neste primeiro dia da campanha oficial. Não custa prever que assim continuará. A acção mediadora, hoje, do Presidente da República, prolonga um pouco mais o domínio avassalador do Euro 2004 sobre o discurso eleitoral. Dificilmente os dois contendores deixarão de puxar o fogo às brasas do lume brando em que o tema será mantido. Agora que o cenário dos próximos embates se situa a Norte...

Ferro e Durão em Visitas de Cortesia ao Eleitor

Por ADELINO GOMES

Quarta-feira, 6 de Março de 2002

Passagem meteórica pelas ruas, almoço em restaurantes, comício em pavilhões apertados - a volta de Ferro e Durão ao país satisfaz o ego bairrista dos militantes. Mas é para as câmaras e os microfones, olhos e ouvidos do eleitor, que os estrategos lhes gizam a campanha.

Falta meia hora para o anunciado passeio de Durão Barroso pelo centro de Santarém. No Largo Sá da Bandeira, cenário noutros tempos de disputados comícios multitudinários, uma carrinha lança para o ar "slogans" de mobilização. Do condutor ou dos ocupantes nem sinais nas redondezas. Um pequeno grupo de gente a rondar a idade da reforma movimentar-se-á, por uns minutos, diante da mala de um BMW donde alguém começa a retirar bandeiras e cachecóis. Indiferentes ou manhosos, os transeuntes não parecem sequer dar pela alteração da rotina.

O candidato chega pelas cinco e meia da tarde. Nem um viva, nem um grito. Apenas a estridência desafinada de uma gaita de foles e de um tambor atrás dos quais a comitiva avança pela antiga rua Direita.

Reforçados pelos elementos chegados na caravana e pelo frenesim de repórteres e operadores de câmara, os militantes enchem facilmente as apertadas artérias que os responsáveis locais escolheram para o fugaz banho de real (a bica no café, os dois dedos de conversa com a família do comerciante, o/a militante cheio/a de fé, o/a transeunte que se descobre, desta vez, votante, os desenhos promissores da criancinha).

Uma meia hora depois, o passeio termina onde começou. Quem entrar no Largo nos próximos cinco minutos, vindo de Lisboa ou de Rio Maior, ainda poderá ver uma rapariga com um cachecol de Durão a entrar para uma rápida prece na igreja da Senhora da Piedade, antes de se perder na estrada que conduz a Almeirim.

Os ténues sinais dos actores da campanha e respectivos apoiantes só voltarão às ruas da cidade quando a comitiva de Ferro Rodrigues chegar de Abrantes, lá mais para a noite.

O verdadeiro acontecimento deste primeiro dia da campanha oficial, aquilo que há-de agitar os jornalistas e por intermédio deles o eleitor, sentado diante do televisor caseiro, estão neste momento o director da campanha de Durão, Hermínio Loureiro, e tudo o que é gente de peso no mundo do futebol ligado ao PSD (os Santana Lopes, os Fernando Seara) a tecer em verdadeiro contra relógio para o espectáculo de estrelas marcado para a hora de jantar em Rio Maior.

Num primeiro andar apinhado de mesas para duas mil pessoas, a intervalos que alimentarão a expectativa num crescendo próprio dos espectáculos profissionais, entram primeiro Gomes e as velhas glórias "europeias" do FC Porto. Depois Santana Lopes com Manuel Vilarinho atrás ("O Benfica quis, inequivocamente, dar o seu apoio institucional, o meu e dos seus órgãos sociais, ao PSD e ao dr. Durão Barroso", espantará ele sócios e não sócios minutos depois de se ter estatelado no chão ao tentar acertar à primeira com a bola num alvo à entrada do recinto); Pôncio Monteiro, a esconjurar o perigo de uma acção eleitoral punitiva da massa associativa do FCP contra o PSD; os Loureiros do Boavista; uma mão cheia de campeões olímpicos. Por fim, qual cereja no monumental bolo, os goleadores sportinguistas Jardel e João Pinto.

Antes das palmas dos apoiantes, antes mesmo do discurso do candidato, já as televisões, em frenéticos directos, levam ao país a imagem de um PSD triunfante. Durão a dar a direita a Eusébio, a abraçar Simão Sabrosa, a saudar os campeões olímpicos; Santana à mesa com todo o estado maior benfiquista; Alexandre, filho de Pinto da Costa na mesa de honra (estão de relações cortadas, sim; o lugar de Alexandre, empresário, na hierarquia do futebol nacional garantir-lhe-ia lugar lá para a décima mesa da segunda fila a contar da esquerda; mas que estratego iria dizer não a este apelido nesta circunstância eleitoral?).

Há dois dias que Ferro quer abrandar a pressão do Euro 2004 no discurso eleitoral. O capricho das agendas, porém, faz coincidir o jantar dos desportistas com os encontros de negociação de Rui Rio com o grupo Amorim oferecendo a Durão inesperados ganhos de tempo de antena nos directos da noite.

Contra Eusébio, Vilarinho, Pôncio, o candidato socialista dispõe apenas do "trunfo" Dias da Cunha, presidente do Sporting, que surge a seu lado em Abrantes. Ao que o PSD responderá com o tal duo atacante sportinguista do momento, sem falar de mega Carlos Lopes, desiludido, ao que parece, com os antigos companheiros de estrada dos Estados Gerais guterristas.

Ferro ainda gritará, por entre um mar de bandeiras do PS, no comício nocturno na Casa do Campino em Santarém, bem composta nos seus mil lugares de lotação máxima: "Ele [Durão] pensava-se num porto de abrigo. O que se passou nos últimos dias fez com que ele perdesse o Porto e portanto também o Norte. Está desnorteado". É um belo achado de subentendidos em que o candidato socialista começa a revelar-se perito. Só que errado na hora e no local, tão próximos da consagração do adversário em Rio Maior.

Já no carro que o leva a Coimbra, tirada a gravata com que discursou, Ferro garante ao PÚBLICO que nunca viu a questão do Euro 2004 "como instrumento para caçar mais uns votos". Mas não deixa de estranhar que só passado este tempo todo o presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, se tenha disposto a fazer o que devia ter sido uma das suas primeiras iniciativas neste processo: reunir-se com o secretário de Estado das Obras Públicas, Vieira da Silva, para debater o financiamento estatal às acessibilidades dos estádios do Bessa e das Antas. Tranquilo e confiante nos últimos sinais que lhe chegam do eleitorado, não resiste a deixar cair mais uma frase repassada de ironia, quando o PÚBLICO lhe fala do triunfo de Durão em Rio Maior: "Donde se conclui que no mundo do futebol, que Rui Rio diz ser tenebroso, o PSD pelos vistos conta grandes apoios..."

Como o palco do pavilhão (apropriadamente chamado de Multiusos) de Rio Maior, as bandeiras, os cachecóis, os rapazes e raparigas das "jotas" dos dois partidos funcionam como uma espécie de cenário amovível que as respectivas campanhas vão transportando de terra em terra e colocam em locais onde transeuntes e comerciantes se misturam, emprestando-lhes um grão de espontaneidade, com o punhado de militantes indefectíveis que restam das movimentações populares do passado.

O breve passeio de Durão em Santarém, a passagem de Ferro por Abrantes e por ruas de Lisboa (mesmo quando, em Benfica, o carinho dos espontâneos confirmaram a larga popularidade que o Rendimento Mínimo lhe conquistou) funcionam como a apresentação de cumprimentos à terra que a campanha distinguiu. Esta, porém, faz-se cada vez mais para as câmaras e os microfones da televisão e da rádio. Por cada discurso perante os apoiantes, três ou quatro declarações aos enviados especiais garantem a chegada do candidato cada dia, várias vezes ao dia, ao universo de eleitores.

Foi assim neste primeiro dia da campanha oficial. Não custa prever que assim continuará. A acção mediadora, hoje, do Presidente da República, prolonga um pouco mais o domínio avassalador do Euro 2004 sobre o discurso eleitoral. Dificilmente os dois contendores deixarão de puxar o fogo às brasas do lume brando em que o tema será mantido. Agora que o cenário dos próximos embates se situa a Norte...

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