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02-05-2001
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Entrevista com Hermínio Loureiro

Dois mil e quantos? 23-APR-2001

Tiago Craveiro

Ainda ninguém sabe quanto vai custar o Europeu de futebol, que Portugal organiza em 2004. Esta é a realidade, pelo menos para a Comissão Parlamentar que fiscaliza e acompanha a afectação de recursos públicos a atribuir pelo Estado. A confirmação é dada pelo deputado Hermínio Loureiro, que preside a essa comissão da Assembleia da República. O social-democrata avisa, em entrevista ao PortugalDiário, que o «semáforo laranja» já foi aceso pela UEFA e que Espanha «tem tudo pronto» para organizar o mais importante torneio entre selecções a nível europeu.

A realidade do Euro 2004, aos olhos dos portugueses, é pouco mais do que aquele momento de alegria no dia do anúncio de que Portugal tinha sido escolhido para organizar a prova. Isto corresponde à realidade actual?

É evidente que sim. É uma constatação à qual sou sensível e que acho que é a verdade. Os portugueses estão ansiosos por ver passar-se do papel à obra. Há um tempo para tudo e este é o tempo de construir e realizar. Temos de deixar os estudos e passar à realidade.

O que falta para se passar à fase de construção de estádios?

Há falta de iniciativa das entidades promotoras relativamente à construção.

Quer dizer, os clubes?

Não. Acho fundamental o papel das autarquias, porque têm mecanismos aos quais podem recorrer e que os clubes não podem.

Por exemplo?

As autarquias podem propor a uma Assembleia Municipal a realização de um empréstimo para fazer face ao início de um estádio. Um clube, para o fazer, tem de se saber da sua real capacidade financeira. Para aceder ao crédito, um clube tem uma capacidade de financiamento limitada. Julgo que valia a pena ponderar-se a criação de uma linha de crédito bonificada aos clubes, para poderem iniciar as obras de construção dos seus estádios.

Mas o Boavista, aparentemente, não precisou desse adiantamento.

Não se trata de um adiantamento. É apenas um mecanismo para passarmos do papel à obra. E, deixe-me que lhe diga, o Boavista serviu aqui como um exemplo. E porquê? Porque vai à frente em tudo, até no nacional de futebol, mas tem sido também a cobaia do sistema. Neste processo o Dr. João Loureiro tem tido um papel importante, dizendo quais têm sido os principais problemas.

Está, portanto, a duvidar da saúde financeira dos clubes envolvidos na construção dos estádios.

Acho que muito dos dinheiros envolvidos na realização do Euro 2004 vai ser auto-financiamento e se há clubes que têm possibilidades de recorrer à banca comercial sem terem grandes problemas, outros têm grandes dificuldades. Devemos aproveitar para saber qual é a real capacidade financeira dos clubes.

Defende uma nova avaliação, é isso?

Acho que devia ser feita já. Os clubes recorreram ao plano Mateus para fazerem face às suas dívidas e o prazo tem a ver com a afectação do Totobola até 2010. Esse toto-despacho prevê que em 2004 seja feita uma reavaliação dessas dívidas. Claro que, perante o dado novo da organização do Europeu, esse é o pior ano para se fazer essa avaliação. Defendo esse estudo sobre a saúde financeira dos clubes já em 2001. Precisamos de saber o que está a ser cumprido, porque neste momento não sabemos.

Espanha está preparada

As normas da UEFA são muito claras e existe mesmo a possibilidade de ser retirada a Portugal a organização do torneio. Corremos esse risco?

Não acredito que a UEFA fizesse uma coisa dessas, mas já nos acendeu a luz laranja do semáforo e quer instalar-se em Portugal já e dividir a Sociedade 2004 em duas partes: uma para a organização da parte desportiva e outra, onde o Governo terá capital maioritário, para tratar das obras.

Essa vinda para Portugal sigifica que a UEFA tem menos confiança em Portugal do que há um ano?

Acho que tem mais dúvidas.

A substituição dos ministros que tutelam o desporto tem afectado essa imagem nacional junto da UEFA?

Tem, pelo menos, prejudicado o normal desenrolar do Euro 2004. A UEFA tem reunido sempre com diferentes ministros da mesma pasta e que, infelizmente, apresentam sempre diferenças de opinião estratégica em relação aos seus antecessores, especialmente em questões de pormenor.

Tem faltado uma voz superior, é isso?

Não é conhecida nenhuma opinião do senhor primeiro-ministro sobre o Euro 2004. A não ser as dúvidas e reticências que teve no dia em que a organização nos foi atribuída. Acho que o engenheiro António Guterres devia prestar maior atenção a este assunto.

Os deputados acompanham regularmente o avanço do processo do Europeu de futebol?

Não tanto quanto deviam. Acho mesmo que o ministro José Lello devia ir mensalmente à Assembleia da República dar esclarecimentos aos deputados. É um repto que lhe deixo e que, espero, recolha a sua disponibilidade.

Portugal não está, então, em risco de perder o 2004?

Não nos podemos esquecer que lutámos contra uma poderosíssima Espanha, que tem as auto-estradas, os hospitais e os estádios prontos. Está tudo construído, não é preciso fazer nada.

Então a Espanha está pronta para receber o Euro 2004 e a UEFA sabe disso?

Acho que a Espanha está pronta há muito tempo e a UEFA tem esse conhecimento efectivo.

O Europeu vai realizar-se após as próximas legislativas. Não acha que devia haver um consenso entre PS e PSD?

Eu tenho a convicção plena que a responsabilidade em relação aos pagamentos do Euro 2004 vai ser de um governo do PSD. E por isso o PSD tem aqui uma grande responsabilidade de acompanhamento e fiscalização.

Fernando Gomes disse que Portugal ia gastar 16 milhões de contos neste «desígnio nacional», é verdade?

Na minha opinião o ex-ministro prestou um mau serviço ao Euro 2004 quando disse isso. Eram números que, em nenhuma circunstância, correspondiam à verdade. Acho que o Dr. Fernando Gomes tentava esconder algo aos portugueses, não sei com que intenção. Falou sempre em números muito inferiores à realidade.

Qual é a realidade?

Acho que, neste momento, nem os deputados nem o Governo sabem quanto vai custar o Euro 2004 a Portugal. Seria preciso fazer uma avaliação final e saber se o Benfica entra ou não.

Qual é a importância relativa do Benfica no custo final?

Estamos a falar de alguns milhões de contos. Se calhar, o Estádio da Luz é dos piores do país em termos de acessibilidades e a requalificação custará muito dinheiro.

E quanto é que o Estado já pagou aos clubes?

Muito pouco. É até devedor, porque o Boavista tem direito a 1,2 milhões de contos e ainda só recebeu 600 mil.

Portugal 2005?

Não acha que o Europeu e as cidades escolhidas vão cavar a diferença entre o litoral e o interior do país?

Reconheço que sim, mas há possibilidades de minorar esses efeitos. Podem nascer locais no interior, em Viseu e na Covilhã, por exemplo, para que as equipas façam os seus estágios de preparação. Assim, este projecto seria verdadeiramente nacional e não apenas do litoral.

E o Portugal de 2005, não o preocupa?

Sim, esse é um dos grandes problemas. Nós não podemos desconciliar a organização dos grandes eventos desportivos à prática desportiva do nosso país. Esta política tem que servir para requalificar as infraestruturas desportivas, mas também para aumentar os níveis da prática desportiva.

Com os hábitos que temos não será fácil rentabilizar os espaços?

É preciso que depois do Europeu os estádios não fiquem às moscas ou vazios. Os custos de manutenção são elevados e os cálculos devem ser feitos à priori.

Quer dar algum exemplo?

Tenho dúvidas, por exemplo, em relação ao estádio intermunicipal de Faro/Loulé. Este estádio vai ser construído entre os municípios e sem nenhuma identificação clubística, mas não sei para que é que vai ser depois. Só se estão a pensar na temperatura do Algarve para as equipas escolherem o local para os seus estágios. Mas se assim fôr não são precisos 30 mil lugares. Também neste caso os autarcas têm um papel fundamental.

Entrevista com Hermínio Loureiro

Dois mil e quantos? 23-APR-2001

Tiago Craveiro

Ainda ninguém sabe quanto vai custar o Europeu de futebol, que Portugal organiza em 2004. Esta é a realidade, pelo menos para a Comissão Parlamentar que fiscaliza e acompanha a afectação de recursos públicos a atribuir pelo Estado. A confirmação é dada pelo deputado Hermínio Loureiro, que preside a essa comissão da Assembleia da República. O social-democrata avisa, em entrevista ao PortugalDiário, que o «semáforo laranja» já foi aceso pela UEFA e que Espanha «tem tudo pronto» para organizar o mais importante torneio entre selecções a nível europeu.

A realidade do Euro 2004, aos olhos dos portugueses, é pouco mais do que aquele momento de alegria no dia do anúncio de que Portugal tinha sido escolhido para organizar a prova. Isto corresponde à realidade actual?

É evidente que sim. É uma constatação à qual sou sensível e que acho que é a verdade. Os portugueses estão ansiosos por ver passar-se do papel à obra. Há um tempo para tudo e este é o tempo de construir e realizar. Temos de deixar os estudos e passar à realidade.

O que falta para se passar à fase de construção de estádios?

Há falta de iniciativa das entidades promotoras relativamente à construção.

Quer dizer, os clubes?

Não. Acho fundamental o papel das autarquias, porque têm mecanismos aos quais podem recorrer e que os clubes não podem.

Por exemplo?

As autarquias podem propor a uma Assembleia Municipal a realização de um empréstimo para fazer face ao início de um estádio. Um clube, para o fazer, tem de se saber da sua real capacidade financeira. Para aceder ao crédito, um clube tem uma capacidade de financiamento limitada. Julgo que valia a pena ponderar-se a criação de uma linha de crédito bonificada aos clubes, para poderem iniciar as obras de construção dos seus estádios.

Mas o Boavista, aparentemente, não precisou desse adiantamento.

Não se trata de um adiantamento. É apenas um mecanismo para passarmos do papel à obra. E, deixe-me que lhe diga, o Boavista serviu aqui como um exemplo. E porquê? Porque vai à frente em tudo, até no nacional de futebol, mas tem sido também a cobaia do sistema. Neste processo o Dr. João Loureiro tem tido um papel importante, dizendo quais têm sido os principais problemas.

Está, portanto, a duvidar da saúde financeira dos clubes envolvidos na construção dos estádios.

Acho que muito dos dinheiros envolvidos na realização do Euro 2004 vai ser auto-financiamento e se há clubes que têm possibilidades de recorrer à banca comercial sem terem grandes problemas, outros têm grandes dificuldades. Devemos aproveitar para saber qual é a real capacidade financeira dos clubes.

Defende uma nova avaliação, é isso?

Acho que devia ser feita já. Os clubes recorreram ao plano Mateus para fazerem face às suas dívidas e o prazo tem a ver com a afectação do Totobola até 2010. Esse toto-despacho prevê que em 2004 seja feita uma reavaliação dessas dívidas. Claro que, perante o dado novo da organização do Europeu, esse é o pior ano para se fazer essa avaliação. Defendo esse estudo sobre a saúde financeira dos clubes já em 2001. Precisamos de saber o que está a ser cumprido, porque neste momento não sabemos.

Espanha está preparada

As normas da UEFA são muito claras e existe mesmo a possibilidade de ser retirada a Portugal a organização do torneio. Corremos esse risco?

Não acredito que a UEFA fizesse uma coisa dessas, mas já nos acendeu a luz laranja do semáforo e quer instalar-se em Portugal já e dividir a Sociedade 2004 em duas partes: uma para a organização da parte desportiva e outra, onde o Governo terá capital maioritário, para tratar das obras.

Essa vinda para Portugal sigifica que a UEFA tem menos confiança em Portugal do que há um ano?

Acho que tem mais dúvidas.

A substituição dos ministros que tutelam o desporto tem afectado essa imagem nacional junto da UEFA?

Tem, pelo menos, prejudicado o normal desenrolar do Euro 2004. A UEFA tem reunido sempre com diferentes ministros da mesma pasta e que, infelizmente, apresentam sempre diferenças de opinião estratégica em relação aos seus antecessores, especialmente em questões de pormenor.

Tem faltado uma voz superior, é isso?

Não é conhecida nenhuma opinião do senhor primeiro-ministro sobre o Euro 2004. A não ser as dúvidas e reticências que teve no dia em que a organização nos foi atribuída. Acho que o engenheiro António Guterres devia prestar maior atenção a este assunto.

Os deputados acompanham regularmente o avanço do processo do Europeu de futebol?

Não tanto quanto deviam. Acho mesmo que o ministro José Lello devia ir mensalmente à Assembleia da República dar esclarecimentos aos deputados. É um repto que lhe deixo e que, espero, recolha a sua disponibilidade.

Portugal não está, então, em risco de perder o 2004?

Não nos podemos esquecer que lutámos contra uma poderosíssima Espanha, que tem as auto-estradas, os hospitais e os estádios prontos. Está tudo construído, não é preciso fazer nada.

Então a Espanha está pronta para receber o Euro 2004 e a UEFA sabe disso?

Acho que a Espanha está pronta há muito tempo e a UEFA tem esse conhecimento efectivo.

O Europeu vai realizar-se após as próximas legislativas. Não acha que devia haver um consenso entre PS e PSD?

Eu tenho a convicção plena que a responsabilidade em relação aos pagamentos do Euro 2004 vai ser de um governo do PSD. E por isso o PSD tem aqui uma grande responsabilidade de acompanhamento e fiscalização.

Fernando Gomes disse que Portugal ia gastar 16 milhões de contos neste «desígnio nacional», é verdade?

Na minha opinião o ex-ministro prestou um mau serviço ao Euro 2004 quando disse isso. Eram números que, em nenhuma circunstância, correspondiam à verdade. Acho que o Dr. Fernando Gomes tentava esconder algo aos portugueses, não sei com que intenção. Falou sempre em números muito inferiores à realidade.

Qual é a realidade?

Acho que, neste momento, nem os deputados nem o Governo sabem quanto vai custar o Euro 2004 a Portugal. Seria preciso fazer uma avaliação final e saber se o Benfica entra ou não.

Qual é a importância relativa do Benfica no custo final?

Estamos a falar de alguns milhões de contos. Se calhar, o Estádio da Luz é dos piores do país em termos de acessibilidades e a requalificação custará muito dinheiro.

E quanto é que o Estado já pagou aos clubes?

Muito pouco. É até devedor, porque o Boavista tem direito a 1,2 milhões de contos e ainda só recebeu 600 mil.

Portugal 2005?

Não acha que o Europeu e as cidades escolhidas vão cavar a diferença entre o litoral e o interior do país?

Reconheço que sim, mas há possibilidades de minorar esses efeitos. Podem nascer locais no interior, em Viseu e na Covilhã, por exemplo, para que as equipas façam os seus estágios de preparação. Assim, este projecto seria verdadeiramente nacional e não apenas do litoral.

E o Portugal de 2005, não o preocupa?

Sim, esse é um dos grandes problemas. Nós não podemos desconciliar a organização dos grandes eventos desportivos à prática desportiva do nosso país. Esta política tem que servir para requalificar as infraestruturas desportivas, mas também para aumentar os níveis da prática desportiva.

Com os hábitos que temos não será fácil rentabilizar os espaços?

É preciso que depois do Europeu os estádios não fiquem às moscas ou vazios. Os custos de manutenção são elevados e os cálculos devem ser feitos à priori.

Quer dar algum exemplo?

Tenho dúvidas, por exemplo, em relação ao estádio intermunicipal de Faro/Loulé. Este estádio vai ser construído entre os municípios e sem nenhuma identificação clubística, mas não sei para que é que vai ser depois. Só se estão a pensar na temperatura do Algarve para as equipas escolherem o local para os seus estágios. Mas se assim fôr não são precisos 30 mil lugares. Também neste caso os autarcas têm um papel fundamental.

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