"Como me chateiam, agora só digo dinossáurio"

04-06-2001
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"Como Me Chateiam, Agora Só Digo Dinossáurio"

Segunda-feira, 4 de Junho de 2001

É por teimosia - admite Galopim de Carvalho, que põe no meio da palavra dinossauro a letra "i". Essa teimosia foi ao ponto de recusar figurar como revisor científico de uma tradução porque a editora preferia a expressão dinossauro, e já lhe valeu uma polémica com linguistas como José Pedro Machado. Galopim de Carvalho explica as suas razões. No novo dicionário da Academia de Ciências de Lisboa, diz, aceita-se tanto dinossauro como dinossáurio. "Portanto, todos temos razão", conclui.

PÚBLICA - Pôs meio-mundo a dizer dinossáurio, em traduções de livros e até a legendas de filmes. A palavra dinossauro é composta por "dino", de "deinós", que em grego significa "terrível", e por "sauro", que é "lagarto". A expressão sáurio aplica-se ao grupo que inclui, além dos lagartos, as lagartixas. Por isso, deveria dizer-se dinossauro e não dinossáurio.

ANTÓNIO GALOPIM DE CARVALHO - Não, não tem de ser assim. A gente diz sauro ou sáurio? Diz sáurio.

R. - Os sáurios são os répteis.

R. - Réptil e lagarto eram, por assim dizer, sinónimos. A razão está aí. O lagarto era a expressão do réptil. A gente diz aquele grande crocodilo, ou seja, aquele grande réptil. Ao latinizar palavras que vêm do grego, deve ter havido uma transformação que fez com que seja mais correcto dizer dinossauro. Mas Robert Owen chamou-lhe dinossauria - pôs lá um "i". Então ele, como autor do neologismo, como autor do conceito, não tem o direito de ser respeitado? Nos livros de paleontologia pelos quais estudei e pelos quais ensinamos, continuamos a dizer dinossáurio, porque temos essa tradição científica do Owen. Os espanhóis chamam-lhes dinossáurios também. Se disser dinossauro gasta-se menos energia, é mais fácil e rápido. É uma maneira de economizar energia. Se disser dinossáurio, tem de fechar a garganta lá atrás, e se escrever tem de pôr uma pinta no "i".

R. - Agora é por teimosia. Há uns quatro anos, uma editora convidou-me para fazer a revisão científica de um álbum para jovens sobre dinossáurios. Fui pondo tudo o que era dinossauro como dinossáurio. Se é revisão científica é porque tenho responsabilidade científica e autoridade. Quando entreguei o livro com as sugestões e emendas, o editor telefonou-me a dizer que tinha muita pena, que não ia escrever dinossáurio mas dinossauro. Não, ou faz como eu digo, ou não conta comigo, disse-lhe eu. Acabei por lhe dizer: olhe, então não ponha o meu nome como revisor científico, faça como quiser e não precisa de me pagar. Não recebi 70 ou 80 contos. A teimosia foi ao ponto de rejeitar figurar na revisão de uma tradução do inglês para português. Até prejudiquei o meu filho, que fez a tradução. Tinha-lhe dito que lhe dava o dinheiro da revisão. Ele ainda invectivou um bocado, mas percebeu a minha posição.

R. - Com certeza. Por exemplo, quando dou uma entrevista digo dinossáurio, mas o jornalista escreve dinossauro. Não peço para pôr dinossáurio. Não somos multados por dizer de uma maneira ou de outra. No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa aceitam-se os dois termos. Portanto, todos temos razão. Há dicionários onde vem dinossauro e outros onde se diz para ver dinossáurio.

O linguista José Pedro Machado, que fez o dicionário etimológico, teve uma polémica comigo nos jornais, o que é delicioso. Escrevi um artigo dinossauro/dinossáurio e expliquei as minhas razões. Depois também recebi o telefonema de uma senhora da Faculdade de Letras, a mostrar-me as razões dela. Disse-lhe que estava certo, mas que sou fiel à tradição científica. Hoje não insisto se algum dos meus assistentes quiser escrever dinossauro. Eu escrevo dinossáurio.

R. - Já não me lembro, mas eram razões sobre a evolução da palavra, sobre as regras para transformar o termo grego no latino e a junção de dois termos.

R. - Talvez tenham razão, se a palavra sauro estiver sozinha. Estando agarrada ao "deinós", que é grego, não sei...

R. - Mas por que é que lagarto é sauro? Não é.

R. - Não é de certeza. Lagarto é lagarto. Lagartixa é lagartixa e ambos são sáurios. E dinossauro também é sáurio, neste conceito que sáurio é igual a réptil.

R. - Mas não há razão nenhuma para sáurio ser tudo e para sauro ser só lagarto.

R. - Um lagarto é um sáurio, não é um sauro. Se tiver a liberdade de dizer que sauro é a mesma coisa que sáurio, então tudo é sáurio e nada é sáurio.

R. - Pela memória que tenho, a única razão para a eliminação do "i" decorre de uma regra gramatical ligada à evolução das palavras. Agora não me venham dizer que sauro é uma coisa e que sáurio é outra. Em termos de sistemática, isso não faz sentido. Sauro e sáurio são a mesma coisa. O problema de sauro ou sáurio é puramente linguístico. Quem quiser escrever dinossauro, que escreva. Um termo tem legitimidade científica, o outro linguística. Mas como me chateiam tanto, agora só digo dinossáurio.

"Como Me Chateiam, Agora Só Digo Dinossáurio"

Segunda-feira, 4 de Junho de 2001

É por teimosia - admite Galopim de Carvalho, que põe no meio da palavra dinossauro a letra "i". Essa teimosia foi ao ponto de recusar figurar como revisor científico de uma tradução porque a editora preferia a expressão dinossauro, e já lhe valeu uma polémica com linguistas como José Pedro Machado. Galopim de Carvalho explica as suas razões. No novo dicionário da Academia de Ciências de Lisboa, diz, aceita-se tanto dinossauro como dinossáurio. "Portanto, todos temos razão", conclui.

PÚBLICA - Pôs meio-mundo a dizer dinossáurio, em traduções de livros e até a legendas de filmes. A palavra dinossauro é composta por "dino", de "deinós", que em grego significa "terrível", e por "sauro", que é "lagarto". A expressão sáurio aplica-se ao grupo que inclui, além dos lagartos, as lagartixas. Por isso, deveria dizer-se dinossauro e não dinossáurio.

ANTÓNIO GALOPIM DE CARVALHO - Não, não tem de ser assim. A gente diz sauro ou sáurio? Diz sáurio.

R. - Os sáurios são os répteis.

R. - Réptil e lagarto eram, por assim dizer, sinónimos. A razão está aí. O lagarto era a expressão do réptil. A gente diz aquele grande crocodilo, ou seja, aquele grande réptil. Ao latinizar palavras que vêm do grego, deve ter havido uma transformação que fez com que seja mais correcto dizer dinossauro. Mas Robert Owen chamou-lhe dinossauria - pôs lá um "i". Então ele, como autor do neologismo, como autor do conceito, não tem o direito de ser respeitado? Nos livros de paleontologia pelos quais estudei e pelos quais ensinamos, continuamos a dizer dinossáurio, porque temos essa tradição científica do Owen. Os espanhóis chamam-lhes dinossáurios também. Se disser dinossauro gasta-se menos energia, é mais fácil e rápido. É uma maneira de economizar energia. Se disser dinossáurio, tem de fechar a garganta lá atrás, e se escrever tem de pôr uma pinta no "i".

R. - Agora é por teimosia. Há uns quatro anos, uma editora convidou-me para fazer a revisão científica de um álbum para jovens sobre dinossáurios. Fui pondo tudo o que era dinossauro como dinossáurio. Se é revisão científica é porque tenho responsabilidade científica e autoridade. Quando entreguei o livro com as sugestões e emendas, o editor telefonou-me a dizer que tinha muita pena, que não ia escrever dinossáurio mas dinossauro. Não, ou faz como eu digo, ou não conta comigo, disse-lhe eu. Acabei por lhe dizer: olhe, então não ponha o meu nome como revisor científico, faça como quiser e não precisa de me pagar. Não recebi 70 ou 80 contos. A teimosia foi ao ponto de rejeitar figurar na revisão de uma tradução do inglês para português. Até prejudiquei o meu filho, que fez a tradução. Tinha-lhe dito que lhe dava o dinheiro da revisão. Ele ainda invectivou um bocado, mas percebeu a minha posição.

R. - Com certeza. Por exemplo, quando dou uma entrevista digo dinossáurio, mas o jornalista escreve dinossauro. Não peço para pôr dinossáurio. Não somos multados por dizer de uma maneira ou de outra. No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa aceitam-se os dois termos. Portanto, todos temos razão. Há dicionários onde vem dinossauro e outros onde se diz para ver dinossáurio.

O linguista José Pedro Machado, que fez o dicionário etimológico, teve uma polémica comigo nos jornais, o que é delicioso. Escrevi um artigo dinossauro/dinossáurio e expliquei as minhas razões. Depois também recebi o telefonema de uma senhora da Faculdade de Letras, a mostrar-me as razões dela. Disse-lhe que estava certo, mas que sou fiel à tradição científica. Hoje não insisto se algum dos meus assistentes quiser escrever dinossauro. Eu escrevo dinossáurio.

R. - Já não me lembro, mas eram razões sobre a evolução da palavra, sobre as regras para transformar o termo grego no latino e a junção de dois termos.

R. - Talvez tenham razão, se a palavra sauro estiver sozinha. Estando agarrada ao "deinós", que é grego, não sei...

R. - Mas por que é que lagarto é sauro? Não é.

R. - Não é de certeza. Lagarto é lagarto. Lagartixa é lagartixa e ambos são sáurios. E dinossauro também é sáurio, neste conceito que sáurio é igual a réptil.

R. - Mas não há razão nenhuma para sáurio ser tudo e para sauro ser só lagarto.

R. - Um lagarto é um sáurio, não é um sauro. Se tiver a liberdade de dizer que sauro é a mesma coisa que sáurio, então tudo é sáurio e nada é sáurio.

R. - Pela memória que tenho, a única razão para a eliminação do "i" decorre de uma regra gramatical ligada à evolução das palavras. Agora não me venham dizer que sauro é uma coisa e que sáurio é outra. Em termos de sistemática, isso não faz sentido. Sauro e sáurio são a mesma coisa. O problema de sauro ou sáurio é puramente linguístico. Quem quiser escrever dinossauro, que escreva. Um termo tem legitimidade científica, o outro linguística. Mas como me chateiam tanto, agora só digo dinossáurio.

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