Que Política para as Cidades?
Por HELENA ROSETA
Domingo, 27 de Maio de 2001 Até aos casos do Urban, no Casal Ventoso, e da Expo-98, os programas nacionais e comunitários dirigidos às cidades pagaram estudos, não pagaram obra. Gastou-se muito dinheiro em políticas habitacionais, acessibilidades, transportes, operações de saneamento básico ou construção de equipamentos. Mas foram sempre acções sectoriais e não peças de uma intervenção integrada no sistema urbano. Entretanto, a nossa evolução demográfica, para além do envelhecimento geral, foi revelando um país a várias velocidades: aumenta a concentração urbana e crescem os subúrbios, com dezenas de novos aglomerados; densifica-se a faixa litoral que vai de Setúbal a Braga; desertificam-se povoações do interior; esgarçam-se as paisagens rurais, com o aparecimento de construções isoladas; proliferam armazéns, instalações fabris e urbanizações difusas à beira das novas estradas; e surgem muitos estrangeiros em demanda do "charme" de aldeias inteiras quase vazias. A maioria dos novos "bairros" resultam de urbanizações legais ou clandestinas de iniciativa particular. Cresceram ao sabor dos interesses do mercado, sem qualquer lógica de ordenamento regional ou nacional. E agora vemo-nos a braços com acessibilidades insustentáveis, preços habitacionais que levam as famílias a endividamentos excessivos, paisagens destruídas e cidades velhas de séculos em grave declínio populacional. É neste contexto que devem ser apreciados os dois programas apresentados pelo Governo para promover uma política para as cidades: o programa Polis, lançado pelo ministro Sócrates com pompa e circunstância; e o programa Proqual, dirigido à Área Metropolitana de Lisboa, patrocinado pelos ministros Elisa Ferreira e Paulo Pedroso. O primeiro prevê investimentos da ordem dos 200 milhões de contos, cuja maior fatia se destina a intervenções de prestígio a realizar em 18 cidades previamente escolhidas pelo Governo. Inspira-se na Expo e pretende mudar a imagem do espaço urbano, em qualidade e com rapidez. Preside-lhe uma lógica de marketing, visível nos enormes relógios instalados, símbolos de uma luta contra o tempo que, não por acaso, coincide com calendários eleitorais. Irá consumir um milhão de contos em operações de promoção e publicidade. O Proqual tem uma filosofia completamente diferente. Preparado ao longo de meses entre a Comissão de Coordenação Regional e as autarquias da Área Metropolitana de Lisboa, incide em zonas suburbanas críticas onde há projectos e trabalho social no terreno. Foi lançado sem estrondo nem honras de primeiro-ministro. Centra-se na cooperação entre municípios, Governo, instituições e cidadãos nas melhorias sócio-urbanísticas a levar a cabo. E está dotado com 40 milhões de contos para a zona de Lisboa e Vale do Tejo. Moral da história: temos, no mesmo Governo, dois paradigmas diferentes para a política de cidades. Um, apostado em operações de sucesso, em que as escolhas decisivas foram desde o início controladas directamente pelo Governo. Outro, virado para um paciente trabalho de "costura" do tecido social e urbano, cujo êxito dependerá sempre da capacidade de apropriação dos próprios destinatários. Há alguns anos atrás, li um livro do urbanista John Friedman, experiente em bairros pobres da América Latina. O título, difícil de traduzir, era "Empowerment". Parece que se dirá, em português, "empoderamento". A ideia essencial é a de que não é possível transformar os subúrbios em verdadeiras urbes sem que as próprias pessoas se apoderem dos seus espaços e dos seus destinos. Sabemos que o Polis foi concebido à custa de dinheiros retirados aos Programas Operacionais Regionais e que foi por isso que o Proqual ficou aquém do previsto. Sócrates, com efeito, tem mais poder junto de Guterres que Elisa Ferreira ou Paulo Pedroso. Mas o que está em causa é muito mais do que isso: é saber se, para o PS, a política de cidades se esgota num paradigma de sucesso a curto prazo; ou se, pelo contrário, a intervenção pública no nosso tecido urbano não terá de ir muito mais longe. Sou favorável a que se mobilizem recursos nacionais e comunitários para cuidar das cidades e não apenas para pagar projectos. Por isso aplaudi o Polis, apesar das reservas que na altura tornei públicas. Mas não me conformo com a ideia de que o Polis seja o símbolo máximo e único da política do PS para as cidades. O Proqual, embora tímido, pode ser um primeiro passo para uma inversão de prioridades. John Friedman tem razão. Não há desenvolvimento urbano sustentável sem a participação das pessoas. Ignorá-lo é regressar aos chavões cavaquistas do sucesso a todo o custo. Enquanto não entendermos isto, podemos investir milhões, mas não faremos das urbes verdadeiras "polis" de cidadãos, iguais em direitos e oportunidades e capazes de exigir dos poderes que os tratem como tal. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Tarda a hora das cidades
Precisa-se de nova política de solos
A lacuna do Polis e "as cócegas"
Cacém: se não fosse Polis era Proqual
Vila do Conde: um prémio antes do Polis
Investimentos e prazos do Polis
Concelhos com bairros no Proqual
O Polis e a cidade
OPINIÃO
Que política para as cidades?
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Entidades
Que Política para as Cidades?
Por HELENA ROSETA
Domingo, 27 de Maio de 2001 Até aos casos do Urban, no Casal Ventoso, e da Expo-98, os programas nacionais e comunitários dirigidos às cidades pagaram estudos, não pagaram obra. Gastou-se muito dinheiro em políticas habitacionais, acessibilidades, transportes, operações de saneamento básico ou construção de equipamentos. Mas foram sempre acções sectoriais e não peças de uma intervenção integrada no sistema urbano. Entretanto, a nossa evolução demográfica, para além do envelhecimento geral, foi revelando um país a várias velocidades: aumenta a concentração urbana e crescem os subúrbios, com dezenas de novos aglomerados; densifica-se a faixa litoral que vai de Setúbal a Braga; desertificam-se povoações do interior; esgarçam-se as paisagens rurais, com o aparecimento de construções isoladas; proliferam armazéns, instalações fabris e urbanizações difusas à beira das novas estradas; e surgem muitos estrangeiros em demanda do "charme" de aldeias inteiras quase vazias. A maioria dos novos "bairros" resultam de urbanizações legais ou clandestinas de iniciativa particular. Cresceram ao sabor dos interesses do mercado, sem qualquer lógica de ordenamento regional ou nacional. E agora vemo-nos a braços com acessibilidades insustentáveis, preços habitacionais que levam as famílias a endividamentos excessivos, paisagens destruídas e cidades velhas de séculos em grave declínio populacional. É neste contexto que devem ser apreciados os dois programas apresentados pelo Governo para promover uma política para as cidades: o programa Polis, lançado pelo ministro Sócrates com pompa e circunstância; e o programa Proqual, dirigido à Área Metropolitana de Lisboa, patrocinado pelos ministros Elisa Ferreira e Paulo Pedroso. O primeiro prevê investimentos da ordem dos 200 milhões de contos, cuja maior fatia se destina a intervenções de prestígio a realizar em 18 cidades previamente escolhidas pelo Governo. Inspira-se na Expo e pretende mudar a imagem do espaço urbano, em qualidade e com rapidez. Preside-lhe uma lógica de marketing, visível nos enormes relógios instalados, símbolos de uma luta contra o tempo que, não por acaso, coincide com calendários eleitorais. Irá consumir um milhão de contos em operações de promoção e publicidade. O Proqual tem uma filosofia completamente diferente. Preparado ao longo de meses entre a Comissão de Coordenação Regional e as autarquias da Área Metropolitana de Lisboa, incide em zonas suburbanas críticas onde há projectos e trabalho social no terreno. Foi lançado sem estrondo nem honras de primeiro-ministro. Centra-se na cooperação entre municípios, Governo, instituições e cidadãos nas melhorias sócio-urbanísticas a levar a cabo. E está dotado com 40 milhões de contos para a zona de Lisboa e Vale do Tejo. Moral da história: temos, no mesmo Governo, dois paradigmas diferentes para a política de cidades. Um, apostado em operações de sucesso, em que as escolhas decisivas foram desde o início controladas directamente pelo Governo. Outro, virado para um paciente trabalho de "costura" do tecido social e urbano, cujo êxito dependerá sempre da capacidade de apropriação dos próprios destinatários. Há alguns anos atrás, li um livro do urbanista John Friedman, experiente em bairros pobres da América Latina. O título, difícil de traduzir, era "Empowerment". Parece que se dirá, em português, "empoderamento". A ideia essencial é a de que não é possível transformar os subúrbios em verdadeiras urbes sem que as próprias pessoas se apoderem dos seus espaços e dos seus destinos. Sabemos que o Polis foi concebido à custa de dinheiros retirados aos Programas Operacionais Regionais e que foi por isso que o Proqual ficou aquém do previsto. Sócrates, com efeito, tem mais poder junto de Guterres que Elisa Ferreira ou Paulo Pedroso. Mas o que está em causa é muito mais do que isso: é saber se, para o PS, a política de cidades se esgota num paradigma de sucesso a curto prazo; ou se, pelo contrário, a intervenção pública no nosso tecido urbano não terá de ir muito mais longe. Sou favorável a que se mobilizem recursos nacionais e comunitários para cuidar das cidades e não apenas para pagar projectos. Por isso aplaudi o Polis, apesar das reservas que na altura tornei públicas. Mas não me conformo com a ideia de que o Polis seja o símbolo máximo e único da política do PS para as cidades. O Proqual, embora tímido, pode ser um primeiro passo para uma inversão de prioridades. John Friedman tem razão. Não há desenvolvimento urbano sustentável sem a participação das pessoas. Ignorá-lo é regressar aos chavões cavaquistas do sucesso a todo o custo. Enquanto não entendermos isto, podemos investir milhões, mas não faremos das urbes verdadeiras "polis" de cidadãos, iguais em direitos e oportunidades e capazes de exigir dos poderes que os tratem como tal. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Tarda a hora das cidades
Precisa-se de nova política de solos
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