Suplemento Pública

14-07-2001
marcar artigo

O segundo maior vício da internet

Casinos Virtuais

Por DULCE.FURTADO@PUBLICO.PT

Segunda-feira, 4 de Junho de 2001

Não é segredo para ninguém: o mesmo milagre de interactividade que leva o comércio electrónico e as cotações da bolsa até aos nossos computadores também nos permite desfrutar de uns quantos prazeres secretos na privacidade das nossas casas. E que não haja dúvidas: o segundo mais popular vício na internet são as apostas. Mas antes de desafiar a sorte, certifique-se que sabe exactamente como é que a net leva a excitação - e os riscos - dos casinos até ao computador.

E não lhe chamemos jogo porque apostar é mesmo apostar. Logo à partida porque ainda que se trate de um simples jogo de póquer entre amigos, experimente-se não pagar uma dívida feita na mesa para ver se há alguém que vá achar que aquilo era "só" um jogo. Tenha-se como certo que as apostas são levadas mesmo muito a sério. Depois, e apesar de tal também poder ser um entretenimento, recorde-se que nem todas as formas de entretenimento se destinam a ser relaxantes e que, aliás, o propósito dos jogos de apostas nunca foi o de relaxar ninguém. Bem pelo contrário. Finalmente, convém evitar que por "jogo" se confunda a roleta com as aventuras de Lara Croft. Até porque os riscos que Lara corre não são nem de perto nem de longe comparáveis com o ritmo cardíaco de um apostador que pôs todas as suas esperanças - e dinheiro - no vermelho para depois lhe sair preto.

Tendo isto clarificado saiba-se também que há toda a espécie de casinos, também online: existem cerca de 1400 sites de apostas na internet, geridos por umas quantas 250 empresas, sediadas numas quantas dezenas de países (maioritariamente nas Caraíbas), onde as apostas online ou não estão legalmente regulamentadas ou são explicitamente permitidas. Todos eles tentam reflectir o ambiente dos casinos tradicionais - tanto na imagem como no som - oferecendo desde mesas de "black jack", de roleta e de dados até "slot machines", passando ainda pelas apostas desportivas que podem ir dos jogos de futebol às corridas de cavalos.

Tudo, há mesmo de tudo, para satisfazer os gostos e vontades de cerca de cinco por cento dos utilizadores de internet em todo o mundo. É esta a percentagem, tal e qual, de cibernautas que já fizeram apostas online (só nos Estados Unidos há um milhão de pessoas a apostarem na net todos os dias), segundo um estudo realizado em Junho de 2000 pela organização Pew Internet and American Life Project. É um negócio altamente rentável, pois claro, tendo alcançado 1,6 mil milhões de dólares de receitas em todo o mundo no ano passado, esperando-se mesmo - de acordo com um relatório divulgado em Março passado pelo banco norte-americano de investimentos Bear Stearns - que chegue aos 5 mil milhões em 2003.

Para os jogadores, as apostas online são, acima de tudo, convenientes. Para apostar, basta indicar o número de um cartão de crédito ou débito, permitindo que os valores apostados - através de um simples clique do rato - sejam deduzidos da respectiva conta bancária. Para alguns, apostar através do "modem" significa até que não precisam deslocar-se a um casino, e que não precisam de se vestir a rigor, nem de dizer à mulher ou ao marido o que vão fazer, nem mesmo se arriscam a passar pelo embaraço de perder avultadas somas de dinheiro em público. Significa também que podem ganhar muito dinheiro. De maneira fácil. De maneira rápida.

Ou não tão rápida assim, nem sequer tão fácil. A verdade é que os riscos que correm os apostadores online não estão limitados à natureza dos próprios jogos, de sorte e azar por definição. De acordo com o relatório do Bear Stearns ficou a estimativa de que cerca de 35 por cento dos casinos da internet podem não pagar aquilo que ficam a dever e até "mexer" com as probabilidades de ganhos e perdas de uma forma dissimulada.

Com efeito, a maior parte dos casinos online retém o pagamento das apostas ganhas pelos jogadores por um período que vai de um a cinco dias até finalmente enviarem um cheque ou processarem a devida transferência bancária. Os casinos dizem que esta é a forma de tornar a vida mais fácil aos jogadores, caso eles queiram voltar ao site para apostar mais. E é que é mesmo assim: um jogador regular vai sentir o impulso de regressar às apostas antes mesmo de terem passado 24 horas e irá usar aqueles ganhos para apostar uma vez mais.

Muitos até se esquecem que estão a fazer apostas a dinheiro. Como não têm as notas na mão e se limitam a clicar no botão, por vezes chegam mesmo a perder a conta às apostas que fazem. É uma espécie de anestesia da qual só se sai quando chega à caixa do correio a conta do cartão de crédito.

Por isso, as apostas online criaram fortes inimigos. E o maior de todos é o senador norte-americano John Kyl (um republicano eleito pelo estado do Arizona) que chegou a estar muito perto de ver a sua proposta de lei - que pretendia proibir toda e qualquer operação de apostas na internet, assim como proibir o acesso de cidadãos norte-americanos aos casinos online sediados fora dos Estados Unidos- aprovada há poucos meses. O projecto não avançou e tudo indica que não avançará jamais, uma vez que até os seus maiores apoiantes de antes - os casinos tradicionais, cuja indústria vale cerca de 40 mil milhões de dólares anuais, e a qual "injectou" qualquer coisa como 10,7 milhões de dólares nas eleições presidenciais de 2000 - deram recentemente uma valente cabriola. Não só retiraram o seu apoio à proposta do senador Kyl, como começaram a lançar eles próprios na internet sites de apostas. Fica a ideia de que a cruzada moral de John Kyl contra este dragão que regurgita dinheiro terminará com o inevitável fim para que a história nos guia: o mais certo mesmo é que o dragão incinere o cruzado. Vai uma aposta?

O segundo maior vício da internet

Casinos Virtuais

Por DULCE.FURTADO@PUBLICO.PT

Segunda-feira, 4 de Junho de 2001

Não é segredo para ninguém: o mesmo milagre de interactividade que leva o comércio electrónico e as cotações da bolsa até aos nossos computadores também nos permite desfrutar de uns quantos prazeres secretos na privacidade das nossas casas. E que não haja dúvidas: o segundo mais popular vício na internet são as apostas. Mas antes de desafiar a sorte, certifique-se que sabe exactamente como é que a net leva a excitação - e os riscos - dos casinos até ao computador.

E não lhe chamemos jogo porque apostar é mesmo apostar. Logo à partida porque ainda que se trate de um simples jogo de póquer entre amigos, experimente-se não pagar uma dívida feita na mesa para ver se há alguém que vá achar que aquilo era "só" um jogo. Tenha-se como certo que as apostas são levadas mesmo muito a sério. Depois, e apesar de tal também poder ser um entretenimento, recorde-se que nem todas as formas de entretenimento se destinam a ser relaxantes e que, aliás, o propósito dos jogos de apostas nunca foi o de relaxar ninguém. Bem pelo contrário. Finalmente, convém evitar que por "jogo" se confunda a roleta com as aventuras de Lara Croft. Até porque os riscos que Lara corre não são nem de perto nem de longe comparáveis com o ritmo cardíaco de um apostador que pôs todas as suas esperanças - e dinheiro - no vermelho para depois lhe sair preto.

Tendo isto clarificado saiba-se também que há toda a espécie de casinos, também online: existem cerca de 1400 sites de apostas na internet, geridos por umas quantas 250 empresas, sediadas numas quantas dezenas de países (maioritariamente nas Caraíbas), onde as apostas online ou não estão legalmente regulamentadas ou são explicitamente permitidas. Todos eles tentam reflectir o ambiente dos casinos tradicionais - tanto na imagem como no som - oferecendo desde mesas de "black jack", de roleta e de dados até "slot machines", passando ainda pelas apostas desportivas que podem ir dos jogos de futebol às corridas de cavalos.

Tudo, há mesmo de tudo, para satisfazer os gostos e vontades de cerca de cinco por cento dos utilizadores de internet em todo o mundo. É esta a percentagem, tal e qual, de cibernautas que já fizeram apostas online (só nos Estados Unidos há um milhão de pessoas a apostarem na net todos os dias), segundo um estudo realizado em Junho de 2000 pela organização Pew Internet and American Life Project. É um negócio altamente rentável, pois claro, tendo alcançado 1,6 mil milhões de dólares de receitas em todo o mundo no ano passado, esperando-se mesmo - de acordo com um relatório divulgado em Março passado pelo banco norte-americano de investimentos Bear Stearns - que chegue aos 5 mil milhões em 2003.

Para os jogadores, as apostas online são, acima de tudo, convenientes. Para apostar, basta indicar o número de um cartão de crédito ou débito, permitindo que os valores apostados - através de um simples clique do rato - sejam deduzidos da respectiva conta bancária. Para alguns, apostar através do "modem" significa até que não precisam deslocar-se a um casino, e que não precisam de se vestir a rigor, nem de dizer à mulher ou ao marido o que vão fazer, nem mesmo se arriscam a passar pelo embaraço de perder avultadas somas de dinheiro em público. Significa também que podem ganhar muito dinheiro. De maneira fácil. De maneira rápida.

Ou não tão rápida assim, nem sequer tão fácil. A verdade é que os riscos que correm os apostadores online não estão limitados à natureza dos próprios jogos, de sorte e azar por definição. De acordo com o relatório do Bear Stearns ficou a estimativa de que cerca de 35 por cento dos casinos da internet podem não pagar aquilo que ficam a dever e até "mexer" com as probabilidades de ganhos e perdas de uma forma dissimulada.

Com efeito, a maior parte dos casinos online retém o pagamento das apostas ganhas pelos jogadores por um período que vai de um a cinco dias até finalmente enviarem um cheque ou processarem a devida transferência bancária. Os casinos dizem que esta é a forma de tornar a vida mais fácil aos jogadores, caso eles queiram voltar ao site para apostar mais. E é que é mesmo assim: um jogador regular vai sentir o impulso de regressar às apostas antes mesmo de terem passado 24 horas e irá usar aqueles ganhos para apostar uma vez mais.

Muitos até se esquecem que estão a fazer apostas a dinheiro. Como não têm as notas na mão e se limitam a clicar no botão, por vezes chegam mesmo a perder a conta às apostas que fazem. É uma espécie de anestesia da qual só se sai quando chega à caixa do correio a conta do cartão de crédito.

Por isso, as apostas online criaram fortes inimigos. E o maior de todos é o senador norte-americano John Kyl (um republicano eleito pelo estado do Arizona) que chegou a estar muito perto de ver a sua proposta de lei - que pretendia proibir toda e qualquer operação de apostas na internet, assim como proibir o acesso de cidadãos norte-americanos aos casinos online sediados fora dos Estados Unidos- aprovada há poucos meses. O projecto não avançou e tudo indica que não avançará jamais, uma vez que até os seus maiores apoiantes de antes - os casinos tradicionais, cuja indústria vale cerca de 40 mil milhões de dólares anuais, e a qual "injectou" qualquer coisa como 10,7 milhões de dólares nas eleições presidenciais de 2000 - deram recentemente uma valente cabriola. Não só retiraram o seu apoio à proposta do senador Kyl, como começaram a lançar eles próprios na internet sites de apostas. Fica a ideia de que a cruzada moral de John Kyl contra este dragão que regurgita dinheiro terminará com o inevitável fim para que a história nos guia: o mais certo mesmo é que o dragão incinere o cruzado. Vai uma aposta?

marcar artigo