Também todos se riram de Galileu

26-06-2001
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Também Todos Se Riram de Galileu

Segunda-feira, 4 de Junho de 2001

Robert Ehrlich

Robert Ehrlich é professor de física na George Mason University e autor do livro "Why Toast Lands Jelly Side Down". Este artigo é uma adaptação, feita pelo próprio, do seu livro mais recente - "Nine Crazy Ideas in Science: A Few Might Even Be True". Ou de como ideias loucas são essenciais para o avanço da Ciência.

Toda a gente sabe bem qual é o aspecto do cientista louco, mas não são muitos os que têm em devida conta a importância que as ideias loucas têm no processo científico. Eu tenho. Sou físico e acredito que algumas partículas subatómicas podem viajar mais depressa do que a luz - e tenho plena consciência do quanto isso me compromete publicamente. Já Einstein não acreditava que tal fosse possível. De acordo com a sua teoria da relatividade, nada é capaz de viajar em espaço aberto mais depressa do que a luz. A maior parte dos meus pares concorda com ele.

Têm alguma razão, e sou o primeiro a admiti-lo. Argumentam que se estas partículas super-rápidas (a que os físicos chamam taquiões) realmente existissem, elas podiam ser usadas para enviar mensagens para trás no tempo - uma consequência que resulta das equações da relatividade. Quem é que não gostaria, afinal, de ter um telefone de taquiões para avisar o seu eu-de-antes para comprar acções da Microsoft quando esta entrou em bolsa (e já agora dizia-lhe também para as vender antes do crash do Nasdaq).

Bom, eu não sou um louco varrido. Duvido seriamente da possibilidade de se enviarem mensagens para trás no tempo. Mas a ideia, com isto relacionada, de se poder viajar no tempo, isso já é outro assunto. E um assunto que pode bem não pertencer exclusivamente ao domínio da ficção científica.

A maioria dos meus colegas riem-se de tais ideias, mas alguns físicos de renome, incluindo Kip Thorne da Cal Tech e Frank Tipler da Tulane University, já publicaram artigos em jornais científicos consensualmente aceites pela comunidade científica - como o Physical Review - onde escreveram sobre o que seria necessário para construir uma máquina do tempo. Um sério candidato a máquina do tempo é o mítico "buraco-de-verme" (cujo conceito foi aplicado, por exemplo, no engenho usado no filme "Contacto"). Ao contrário de um buraco negro - uma área de tempo e espaço da qual não se consegue escapar se nos aproximarmos demais - um "buraco-de-verme" é uma zona na qual se desaparece mas para reaparecer num outro local ou num outro tempo. Antes de mais, esclareça-se que ninguém sabe se no nosso universo existem ou não "buracos-de-verme". Mas se existirem, e se se for capaz de sobreviver à viagem através de um, pode-se alcançar um qualquer outro tempo e espaço - ou talvez até um universo diferente.

Porque razão permaneço fascinado com ideias loucas como as dos taquiões e das viagens no tempo? Porque é essencial para o processo científico pensar para lá daquilo que temos como certo. Praticamente todas as grandes novas ideias na ciência foram a princípio consideradas loucas.

Pense-se, por exemplo, no afastamento dos continentes, uma ideia considerada completamente sem sentido quando o meteorologista Alfred Wegener a propôs em 1912. Wegener baseou a sua teoria na aparente correspondência das formas das linhas costeiras da África e da América do Sul, que - segundo ele - anteriormente tinham estado juntas como peças de um puzzle. As provas apresentadas por Wegener, entre as quais o facto de ambos os continentes possuírem formações geológicas iguais, foram ignoradas pelos geólogos, que desde logo afirmaram não existir nenhum mecanismo plausível segundo o qual os continentes pudessem mover-se. Quase um século depois, o conceito de Wegener - de que os continentes se haviam afastado uns dos outros - está no âmago da teoria amplamente aceite e designada teoria das placas tectónicas.

Apesar de os grandes avanços da ciência moderna lançarem quase sempre um desafio ao "status quo", a maior parte das ideias acaba por revelar-se becos sem saída. Por isso, temos um dilema: como é que a ciência se pode manter aberta à próxima descoberta revolucionária, e ao mesmo tempo não ser continuamente desviada do seu caminho por excêntricos e pelas suas teorias?

Não há nenhum teste mágico, mas existem alguns critérios bastante úteis. Um teste óbvio consiste em avaliar profundamente os motivos da pessoa que propõe a ideia: o objectivo dele ou dela é alcançar fama e fortuna ou tentar fazer com que o conhecimento avance? Por vezes, os "criadores" de ideias loucas estão de tal forma ligados àquilo em que acreditam que se tornam cegos às provas contraditórias. Os verdadeiros cientistas têm que fazer tudo aquilo que lhes for possível para encontrar falhas nas suas próprias teorias, para tentar provar que estão erradas. Apenas depois de o fazerem, e de falharem em tais propósitos, podemos começar a ter alguma confiança nas hipóteses que conjecturam.

Eis seis de algumas das ideias mais bizarras, mas não impossíveis, que os cientistas têm vindo a debater. Cada uma foi classificada de acordo com o grau de probabilidade que eu próprio encontro nelas. A escala vai de dez (Porque não?) até zero (Esqueçam).

© PÚBLICO/The Washington Post

Também Todos Se Riram de Galileu

Segunda-feira, 4 de Junho de 2001

Robert Ehrlich

Robert Ehrlich é professor de física na George Mason University e autor do livro "Why Toast Lands Jelly Side Down". Este artigo é uma adaptação, feita pelo próprio, do seu livro mais recente - "Nine Crazy Ideas in Science: A Few Might Even Be True". Ou de como ideias loucas são essenciais para o avanço da Ciência.

Toda a gente sabe bem qual é o aspecto do cientista louco, mas não são muitos os que têm em devida conta a importância que as ideias loucas têm no processo científico. Eu tenho. Sou físico e acredito que algumas partículas subatómicas podem viajar mais depressa do que a luz - e tenho plena consciência do quanto isso me compromete publicamente. Já Einstein não acreditava que tal fosse possível. De acordo com a sua teoria da relatividade, nada é capaz de viajar em espaço aberto mais depressa do que a luz. A maior parte dos meus pares concorda com ele.

Têm alguma razão, e sou o primeiro a admiti-lo. Argumentam que se estas partículas super-rápidas (a que os físicos chamam taquiões) realmente existissem, elas podiam ser usadas para enviar mensagens para trás no tempo - uma consequência que resulta das equações da relatividade. Quem é que não gostaria, afinal, de ter um telefone de taquiões para avisar o seu eu-de-antes para comprar acções da Microsoft quando esta entrou em bolsa (e já agora dizia-lhe também para as vender antes do crash do Nasdaq).

Bom, eu não sou um louco varrido. Duvido seriamente da possibilidade de se enviarem mensagens para trás no tempo. Mas a ideia, com isto relacionada, de se poder viajar no tempo, isso já é outro assunto. E um assunto que pode bem não pertencer exclusivamente ao domínio da ficção científica.

A maioria dos meus colegas riem-se de tais ideias, mas alguns físicos de renome, incluindo Kip Thorne da Cal Tech e Frank Tipler da Tulane University, já publicaram artigos em jornais científicos consensualmente aceites pela comunidade científica - como o Physical Review - onde escreveram sobre o que seria necessário para construir uma máquina do tempo. Um sério candidato a máquina do tempo é o mítico "buraco-de-verme" (cujo conceito foi aplicado, por exemplo, no engenho usado no filme "Contacto"). Ao contrário de um buraco negro - uma área de tempo e espaço da qual não se consegue escapar se nos aproximarmos demais - um "buraco-de-verme" é uma zona na qual se desaparece mas para reaparecer num outro local ou num outro tempo. Antes de mais, esclareça-se que ninguém sabe se no nosso universo existem ou não "buracos-de-verme". Mas se existirem, e se se for capaz de sobreviver à viagem através de um, pode-se alcançar um qualquer outro tempo e espaço - ou talvez até um universo diferente.

Porque razão permaneço fascinado com ideias loucas como as dos taquiões e das viagens no tempo? Porque é essencial para o processo científico pensar para lá daquilo que temos como certo. Praticamente todas as grandes novas ideias na ciência foram a princípio consideradas loucas.

Pense-se, por exemplo, no afastamento dos continentes, uma ideia considerada completamente sem sentido quando o meteorologista Alfred Wegener a propôs em 1912. Wegener baseou a sua teoria na aparente correspondência das formas das linhas costeiras da África e da América do Sul, que - segundo ele - anteriormente tinham estado juntas como peças de um puzzle. As provas apresentadas por Wegener, entre as quais o facto de ambos os continentes possuírem formações geológicas iguais, foram ignoradas pelos geólogos, que desde logo afirmaram não existir nenhum mecanismo plausível segundo o qual os continentes pudessem mover-se. Quase um século depois, o conceito de Wegener - de que os continentes se haviam afastado uns dos outros - está no âmago da teoria amplamente aceite e designada teoria das placas tectónicas.

Apesar de os grandes avanços da ciência moderna lançarem quase sempre um desafio ao "status quo", a maior parte das ideias acaba por revelar-se becos sem saída. Por isso, temos um dilema: como é que a ciência se pode manter aberta à próxima descoberta revolucionária, e ao mesmo tempo não ser continuamente desviada do seu caminho por excêntricos e pelas suas teorias?

Não há nenhum teste mágico, mas existem alguns critérios bastante úteis. Um teste óbvio consiste em avaliar profundamente os motivos da pessoa que propõe a ideia: o objectivo dele ou dela é alcançar fama e fortuna ou tentar fazer com que o conhecimento avance? Por vezes, os "criadores" de ideias loucas estão de tal forma ligados àquilo em que acreditam que se tornam cegos às provas contraditórias. Os verdadeiros cientistas têm que fazer tudo aquilo que lhes for possível para encontrar falhas nas suas próprias teorias, para tentar provar que estão erradas. Apenas depois de o fazerem, e de falharem em tais propósitos, podemos começar a ter alguma confiança nas hipóteses que conjecturam.

Eis seis de algumas das ideias mais bizarras, mas não impossíveis, que os cientistas têm vindo a debater. Cada uma foi classificada de acordo com o grau de probabilidade que eu próprio encontro nelas. A escala vai de dez (Porque não?) até zero (Esqueçam).

© PÚBLICO/The Washington Post

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