EXPRESSO: Opinião

16-12-2001
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A linha de separação

«A avaliação das políticas municipais (e não das nacionais) apresentadas por cada um dos candidatos é que deve ser determinante no momento de votar. Mas uma leve pitada de sal ideológico não faz mal nenhum aos nossos estômagos políticos.»

MUITO mais do que o chamado «voto útil», por motivos políticos e ideológicos que não enjeito, o que verdadeiramente me interessa como lisboeta é a utilidade do voto numa coligação que tem governado Lisboa com manifesto bom senso, racionalidade, dedicação e competência. Os resultados saltam à vista e só por má fé podem ser negados. A cidade tem beneficiado extraordinariamente da sábia conjugação de esforços dos dois maiores partidos da esquerda portuguesa. PS e PCP souberam encontrar uma plataforma de entendimento e cooperação, construindo um projecto comum extremamente positivo para Lisboa. Por isso é que custa tanto entender a cegueira política do BE, que se supunha estar empenhado em estimular as convergências à esquerda, mas que, afinal, parece apostado em meter paus nas rodas da única experiência séria, positiva e estável de uma esquerda convergente e plural.

A linha de separação de águas entre eleições autárquicas e eleições legislativas deve ser clara. O facto de muitos cidadãos estarem descontentes com aquilo que consideram ser um mau governo do país não deve impedi-los de reconhecer o que tem sido, é — e promete continuar a ser — um bom governo da cidade, neste caso a capital do país. É isso que estará em causa nas eleições de domingo. O legítimo e compreensível propósito de ajustar contas com a governação do país terá, nas próximas eleições legislativas, o seu momento próprio e adequado. Agora trata-se de julgar e decidir sobre o futuro da governação de Lisboa. Até o doutor Santana Lopes parece ter reconhecido esta linha de separação ao afirmar, na semana passada, que é «completamente contrário às teses que misturem os diversos tipos de eleições». Imagino que o professor Cavaco Silva deve ter ficado com as orelhas a arder.

Também importa que o julgamento que se faz dos diversos candidatos não se limite à avaliação das suas prestações mediáticas, à sua aptidão para sorrir ou seduzir com falinhas mais ou menos mansas. É preciso atentar, não só na obra feita, mas também na viabilidade e na racionalidade das propostas que apresentaram. E, neste domínio, surpreende a quase nula atenção que foi prestada às propostas faraónicas e imponderadas do inefável cabeça-de-lista do PPD/PSD. O doutor Santana Lopes promete-nos um túnel por baixo da Rotunda que, ainda antes de causar engarrafamentos claustrofóbicos quotidianos, exigiria que se cavasse tão fundo — por causa dos túneis do Metro que já lá estão — que se tornaria uma verdadeira descida aos infernos, tanto em termos financeiros como rodoviários. Seria, em suma, uma rotunda irresponsabilidade. Mas a vocação empilhadora do doutor Santana Lopes também se manifesta no seu fascínio pelo estacionamento em altura, juncando Lisboa com 250 mil novas prateleiras onde outros tantos automóveis pousariam à vista desarmada. E promete, ainda por cima, recuperar rapidamente os 200 mil habitantes perdidos, sem sequer reflectir minimamente nas implicações dessa precipitação demagógica. Como bem lembrou Helena Roseta ainda há dias: «Nenhum orçamento municipal aguentaria uma política destas. Nem no gonçalvismo se foi tão radical». Mesmo assim, apesar destas «promessas» tão irreflectidas como «escaldantes», o doutor Santana Lopes já se considera «uma lufada de ar fresco». O que é, no mínimo, inquietante neste tempo de gripes e constipações. Brrrrr!...

A avaliação das políticas municipais (e não das nacionais) apresentadas por cada um dos candidatos é que deve ser determinante no momento de votar. Mas uma leve pitada de sal ideológico não faz mal nenhum aos nossos estômagos políticos. O doutor Paulo Portas situa-se claramente à direita e não receia proclamá-lo. Do mesmo modo que o doutor João Soares se posiciona claramente à esquerda e também não teme dizê-lo. Já o doutor Santana Lopes afirma que é «social-democrata e mais nada» mas passa o tempo a abanar a cauda ao seu partido, balançando entre a vertente populista — o PPD — e a vertente supostamente social-democrata — o PSD. Em que ficamos?! Sinceramente, não me parece que o candidato do PSD seja um genuíno herdeiro do pensamento social-democrata de Bernstein, Kautsky, Bauer, Jaurès, Brandt ou Olof Palme, para só citar alguns autores e actores incontornáveis. De facto, o que prevalece nele é um chiar de dobradiças conforme a feição dos ventos...

Não contesto a legitimidade dos combates que os doutores Paulo Portas e Santana Lopes decidiram travar em Lisboa. Duvido apenas da exaltação autárquica que proclamam. Por isso opto por aqueles que já provaram «Amar Lisboa» e querem continuar a fazê-lo!

E-mail: alfbarroso@netcabo.pt

A linha de separação

«A avaliação das políticas municipais (e não das nacionais) apresentadas por cada um dos candidatos é que deve ser determinante no momento de votar. Mas uma leve pitada de sal ideológico não faz mal nenhum aos nossos estômagos políticos.»

MUITO mais do que o chamado «voto útil», por motivos políticos e ideológicos que não enjeito, o que verdadeiramente me interessa como lisboeta é a utilidade do voto numa coligação que tem governado Lisboa com manifesto bom senso, racionalidade, dedicação e competência. Os resultados saltam à vista e só por má fé podem ser negados. A cidade tem beneficiado extraordinariamente da sábia conjugação de esforços dos dois maiores partidos da esquerda portuguesa. PS e PCP souberam encontrar uma plataforma de entendimento e cooperação, construindo um projecto comum extremamente positivo para Lisboa. Por isso é que custa tanto entender a cegueira política do BE, que se supunha estar empenhado em estimular as convergências à esquerda, mas que, afinal, parece apostado em meter paus nas rodas da única experiência séria, positiva e estável de uma esquerda convergente e plural.

A linha de separação de águas entre eleições autárquicas e eleições legislativas deve ser clara. O facto de muitos cidadãos estarem descontentes com aquilo que consideram ser um mau governo do país não deve impedi-los de reconhecer o que tem sido, é — e promete continuar a ser — um bom governo da cidade, neste caso a capital do país. É isso que estará em causa nas eleições de domingo. O legítimo e compreensível propósito de ajustar contas com a governação do país terá, nas próximas eleições legislativas, o seu momento próprio e adequado. Agora trata-se de julgar e decidir sobre o futuro da governação de Lisboa. Até o doutor Santana Lopes parece ter reconhecido esta linha de separação ao afirmar, na semana passada, que é «completamente contrário às teses que misturem os diversos tipos de eleições». Imagino que o professor Cavaco Silva deve ter ficado com as orelhas a arder.

Também importa que o julgamento que se faz dos diversos candidatos não se limite à avaliação das suas prestações mediáticas, à sua aptidão para sorrir ou seduzir com falinhas mais ou menos mansas. É preciso atentar, não só na obra feita, mas também na viabilidade e na racionalidade das propostas que apresentaram. E, neste domínio, surpreende a quase nula atenção que foi prestada às propostas faraónicas e imponderadas do inefável cabeça-de-lista do PPD/PSD. O doutor Santana Lopes promete-nos um túnel por baixo da Rotunda que, ainda antes de causar engarrafamentos claustrofóbicos quotidianos, exigiria que se cavasse tão fundo — por causa dos túneis do Metro que já lá estão — que se tornaria uma verdadeira descida aos infernos, tanto em termos financeiros como rodoviários. Seria, em suma, uma rotunda irresponsabilidade. Mas a vocação empilhadora do doutor Santana Lopes também se manifesta no seu fascínio pelo estacionamento em altura, juncando Lisboa com 250 mil novas prateleiras onde outros tantos automóveis pousariam à vista desarmada. E promete, ainda por cima, recuperar rapidamente os 200 mil habitantes perdidos, sem sequer reflectir minimamente nas implicações dessa precipitação demagógica. Como bem lembrou Helena Roseta ainda há dias: «Nenhum orçamento municipal aguentaria uma política destas. Nem no gonçalvismo se foi tão radical». Mesmo assim, apesar destas «promessas» tão irreflectidas como «escaldantes», o doutor Santana Lopes já se considera «uma lufada de ar fresco». O que é, no mínimo, inquietante neste tempo de gripes e constipações. Brrrrr!...

A avaliação das políticas municipais (e não das nacionais) apresentadas por cada um dos candidatos é que deve ser determinante no momento de votar. Mas uma leve pitada de sal ideológico não faz mal nenhum aos nossos estômagos políticos. O doutor Paulo Portas situa-se claramente à direita e não receia proclamá-lo. Do mesmo modo que o doutor João Soares se posiciona claramente à esquerda e também não teme dizê-lo. Já o doutor Santana Lopes afirma que é «social-democrata e mais nada» mas passa o tempo a abanar a cauda ao seu partido, balançando entre a vertente populista — o PPD — e a vertente supostamente social-democrata — o PSD. Em que ficamos?! Sinceramente, não me parece que o candidato do PSD seja um genuíno herdeiro do pensamento social-democrata de Bernstein, Kautsky, Bauer, Jaurès, Brandt ou Olof Palme, para só citar alguns autores e actores incontornáveis. De facto, o que prevalece nele é um chiar de dobradiças conforme a feição dos ventos...

Não contesto a legitimidade dos combates que os doutores Paulo Portas e Santana Lopes decidiram travar em Lisboa. Duvido apenas da exaltação autárquica que proclamam. Por isso opto por aqueles que já provaram «Amar Lisboa» e querem continuar a fazê-lo!

E-mail: alfbarroso@netcabo.pt

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