O casamento do arcebispo

15-07-2001
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O Casamento do Arcebispo

Por ADELINO GOMES

Segunda-feira, 4 de Junho de 2001

O arcebispo católico Emmanuel Milingo, 71 anos, mostra o anel de noivado que ofereceu à médica coreana Sung Ryae Soon, 43 anos, com quem casou há uma semana, numa cerimónia pública em Nova Iorque na qual participaram igualmente outros 60 pares de seguidores do reverendo Sun Myung Moon, crentes de várias religiões.

Vejam o anel. É mesmo verdade que me casei. Tudo o que escreveram por esse mundo fora, aliás, é verdade. Sou bispo desde 1969. Ainda não tinha feito 40 anos. A história da minha ligação à igreja Católica Apostólica Romana deve ter impressionado o papa Paulo VI, que me fez arcebispo emérito da arquidiocese de Lusaca, na Zâmbia, meu país natal - converti-me aos 12 anos, cheguei ao seminário analfabeto e descalço, formei-me em sociologia pela Pontifícia Universidade de Roma, tirei outros dois cursos em Dublin. Já depois de ter fundado três ordens religiosas, descobri um dia, era bispo há quatro anos, que Deus me concedera o dom de curar doentes. As minhas missas e os meus exorcismos, feitos segundo os ritos da Santa Madre Igreja (na linha de um mandato que Cristo deu aos apóstolos conforme Mateus conta nos seus Evangelhos), passaram a levar conforto e muitas vezes a cura a homens e mulheres que acorriam aos milhares às cerimónias por mim presididas. Roma chamou-me, nove anos depois, e colocou-me numa espécie de prisão domiciliária, onde fui sujeito a interrogatórios que prefiro não descrever. No ano seguinte, o Papa Paulo II - de quem nunca ouvi uma só palavra de reprovação nas duas vezes que me recebeu - aceitou a minha resignação como arcebispo de Lusaca e nomeou-me seu delegado especial na Pastoral do Turismo e das Migrações. Continuei a entregar toda a minha vida à tarefa da evangelização (que também pode ser feita gravando discos e cantando em festivais como o de San Remo, por que não?), expulsei demónios e curei doentes, em Itália, no continente africano, no mundo. Em Setembro passado fui demitido das minhas funções na Curia e em Novembro a Congregação da Doutrina e da Fé emitiu novas regras sobre exorcismos não autorizados que muitos interpretaram como dirigidas contra o meu ministério. Os mais ortodoxos acham que eu me tornei um bruxo, ao mesclar paganismo com cristianismo. Amo ainda Deus e a sua igreja. Mas também esta sorridente senhora aqui ao meu lado, a quem não conhecia até à passada quinta-feira, quando o reverendo Moon e sua esposa, que presidiram à cerimónia, ma apresentaram como minha futura mulher. Já em tempos tinham posto em causa a minha sanidade mental. E não é que vem agora um porta-voz do papa anunciar a minha excomunhão, chamando-me apóstata? Razão tinha eu quando, em 13 de Maio de 1996, disse em Roma que o terceiro segredo de Fátima era a entrada do demónio nas mais altas esferas da Igreja. "Vade retro Satanas".

O Casamento do Arcebispo

Por ADELINO GOMES

Segunda-feira, 4 de Junho de 2001

O arcebispo católico Emmanuel Milingo, 71 anos, mostra o anel de noivado que ofereceu à médica coreana Sung Ryae Soon, 43 anos, com quem casou há uma semana, numa cerimónia pública em Nova Iorque na qual participaram igualmente outros 60 pares de seguidores do reverendo Sun Myung Moon, crentes de várias religiões.

Vejam o anel. É mesmo verdade que me casei. Tudo o que escreveram por esse mundo fora, aliás, é verdade. Sou bispo desde 1969. Ainda não tinha feito 40 anos. A história da minha ligação à igreja Católica Apostólica Romana deve ter impressionado o papa Paulo VI, que me fez arcebispo emérito da arquidiocese de Lusaca, na Zâmbia, meu país natal - converti-me aos 12 anos, cheguei ao seminário analfabeto e descalço, formei-me em sociologia pela Pontifícia Universidade de Roma, tirei outros dois cursos em Dublin. Já depois de ter fundado três ordens religiosas, descobri um dia, era bispo há quatro anos, que Deus me concedera o dom de curar doentes. As minhas missas e os meus exorcismos, feitos segundo os ritos da Santa Madre Igreja (na linha de um mandato que Cristo deu aos apóstolos conforme Mateus conta nos seus Evangelhos), passaram a levar conforto e muitas vezes a cura a homens e mulheres que acorriam aos milhares às cerimónias por mim presididas. Roma chamou-me, nove anos depois, e colocou-me numa espécie de prisão domiciliária, onde fui sujeito a interrogatórios que prefiro não descrever. No ano seguinte, o Papa Paulo II - de quem nunca ouvi uma só palavra de reprovação nas duas vezes que me recebeu - aceitou a minha resignação como arcebispo de Lusaca e nomeou-me seu delegado especial na Pastoral do Turismo e das Migrações. Continuei a entregar toda a minha vida à tarefa da evangelização (que também pode ser feita gravando discos e cantando em festivais como o de San Remo, por que não?), expulsei demónios e curei doentes, em Itália, no continente africano, no mundo. Em Setembro passado fui demitido das minhas funções na Curia e em Novembro a Congregação da Doutrina e da Fé emitiu novas regras sobre exorcismos não autorizados que muitos interpretaram como dirigidas contra o meu ministério. Os mais ortodoxos acham que eu me tornei um bruxo, ao mesclar paganismo com cristianismo. Amo ainda Deus e a sua igreja. Mas também esta sorridente senhora aqui ao meu lado, a quem não conhecia até à passada quinta-feira, quando o reverendo Moon e sua esposa, que presidiram à cerimónia, ma apresentaram como minha futura mulher. Já em tempos tinham posto em causa a minha sanidade mental. E não é que vem agora um porta-voz do papa anunciar a minha excomunhão, chamando-me apóstata? Razão tinha eu quando, em 13 de Maio de 1996, disse em Roma que o terceiro segredo de Fátima era a entrada do demónio nas mais altas esferas da Igreja. "Vade retro Satanas".

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