Nunca é oportuno discutir temas que incomodam...

26-06-2001
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OPINIÃO

Nunca É Oportuno Discutir Temas Que Incomodam...

Por HELENA ROSETA

Sexta-feira, 4 de Maio de 2001 Na ausência de moções alternativas à moção de António Guterres no próximo congresso do PS, a moção sectorial sobre a despenalização da IVG, que subscrevi com um conjunto de camaradas meus, arrisca-se a polarizar as atenções. Estamos aliás a assistir a um estranho paradoxo: alguns dos principais dirigentes do PS, insuspeitos do ponto de vista do respeito pelo pluralismo interno e pela coerência das suas posições, como Ferro Rodrigues, José Lamego ou Jorge Coelho, apressaram-se a demarcar-se desta moção. Não estão contra a despenalização da IVG, asseguram. Apenas entendem que este congresso não é o momento oportuno para debater este tema. Apetece-me recordar-lhes que há quase trinta anos oiço o mesmo argumento: nunca é oportuno discutir temas que incomodam. Os dirigentes que citei são pessoas corajosas. Acho estranho que cedam, nesta matéria, só por razões tácticas. Mas pode ser que no congresso se expliquem melhor. Porque é que não é oportuno discutir a despenalização da IVG? Já repararam bem naquilo que a nossa moção propõe? Cito textualmente: "Propomos ao Congresso que mandate o Grupo Parlamentar do PS para oportunamente apresentar e/ou apoiar na Assembleia da República iniciativas legislativas que visem alargar o âmbito da despenalização da IVG, nos termos e limites já anteriormente assumidos pelo GPPS, sem prejuízo da salvaguarda da liberdade de consciência que pode sempre ser invocada individualmente por qualquer deputado do PS." É isto, e apenas isto, que está proposto. Perguntar-me-ão: será altura de o fazer? Houve um referendo em 1998 que deu a vitória ao "não", é verdade. Também é certo que os autores da lei aprovada na AR, entre os quais destaco Sérgio Sousa Pinto, entenderam retirar a iniciativa, embora ela tivesse sido aprovada pela AR, para não afrontar a vontade do eleitores. Fizeram bem. Mas isso não significa que o assunto nunca mais possa voltar a ser discutido. A Constituição é omissa sobre o prazo razoável em casos destes. Mas julgo sensato pensar num período de quatro anos, que é o período normal de uma legislatura, findo o qual os partidos sempre renovam iniciativas rejeitadas em legislaturas anteriores. Julgo mesmo que a Assembleia da República deve promover, a partir do ano que vem, uma reavaliação da situação em Portugal no que diz respeito à IVG. Se se verificar que não melhoraram os indicadores relativos à quantidade de abortos clandestinos e respectivas sequelas, a lei deverá ser revista. Não podemos esquecer-nos que, na generalidade dos países europeus, a despenalização da IVG foi consagrada há muito tempo. Não podemos ser muito europeus para umas coisas e nada para outras. Se trazemos o assunto a este congresso do PS, é porque o próximo só terá lugar em 2003. Nessa altura, já o Parlamento deve ter discutido, com iniciativa do PS ou sem ela, esta matéria. Quer o congresso aprove esta moção, quer a rejeite, tal debate acabará por acontecer. E o grupo parlamentar não poderá fugir de uma tema que ele próprio já assumiu. É por isso que Jorge Coelho não tem razão quando afirma, em artigo recente no "DN", que esta moção visa criar dificuldades ao partido ou ao secretário-geral. Nunca aceitaríamos instrumentalizar uma causa nobre, que é a da luta contra o aborto clandestino, por razões de mera política interna. Mas não devemos ter medo de ir a votos. A divisão de opiniões não é um mal, é uma condição necessária da própria democracia. É também por isso que o anúncio prévio da minha exclusão dos órgãos nacionais do PS não me intimida. É evidente que havendo só uma lista, proposta pelo secretário-geral, o meu nome pode ser retirado. A confiança entre duas pessoas é algo que depende apenas delas. Guterres é livre de não me desejar nas suas listas. Mas isso não me faz recuar. Sempre entendi a política como um espaço de relação entre mim e os outros. Não preciso deter nenhum "lugar" especial para fazer política. Basta-me ser solidária com certas causas e querer tomar atitudes em conformidade. Sempre o fiz. Com uma regra que há muito me impus: o que digo dentro dos órgãos partidários é o mesmo que digo aos jornais. E é o mesmo que digo em minha casa ou aos meus amigos. Não tenho dois discursos, tenho apenas um. É por isso que encaro com serenidade o início dos trabalhos do XII Congresso do PS. E que confio no discernimento e na liberdade dos seus delegados para votar, sem constrangimentos, aquilo que a sua consciência e os interesses do país lhes ditarem que devem votar. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Alegre não vai ao conclave

O Congresso do PS a A a Z

Programa

EDITORIAL Parte do problema ou parte da solução?

Roseta admite alterar texto da moção sobre aborto

Um partido envelhecido

OPINIÃO Nunca é oportuno discutir temas que incomodam...

OPINIÃO Despenalização da IVG não pode sair enfraquecida

PS-Açores vai ao congresso mais para ensinar do que para exigir

OPINIÃO

Nunca É Oportuno Discutir Temas Que Incomodam...

Por HELENA ROSETA

Sexta-feira, 4 de Maio de 2001 Na ausência de moções alternativas à moção de António Guterres no próximo congresso do PS, a moção sectorial sobre a despenalização da IVG, que subscrevi com um conjunto de camaradas meus, arrisca-se a polarizar as atenções. Estamos aliás a assistir a um estranho paradoxo: alguns dos principais dirigentes do PS, insuspeitos do ponto de vista do respeito pelo pluralismo interno e pela coerência das suas posições, como Ferro Rodrigues, José Lamego ou Jorge Coelho, apressaram-se a demarcar-se desta moção. Não estão contra a despenalização da IVG, asseguram. Apenas entendem que este congresso não é o momento oportuno para debater este tema. Apetece-me recordar-lhes que há quase trinta anos oiço o mesmo argumento: nunca é oportuno discutir temas que incomodam. Os dirigentes que citei são pessoas corajosas. Acho estranho que cedam, nesta matéria, só por razões tácticas. Mas pode ser que no congresso se expliquem melhor. Porque é que não é oportuno discutir a despenalização da IVG? Já repararam bem naquilo que a nossa moção propõe? Cito textualmente: "Propomos ao Congresso que mandate o Grupo Parlamentar do PS para oportunamente apresentar e/ou apoiar na Assembleia da República iniciativas legislativas que visem alargar o âmbito da despenalização da IVG, nos termos e limites já anteriormente assumidos pelo GPPS, sem prejuízo da salvaguarda da liberdade de consciência que pode sempre ser invocada individualmente por qualquer deputado do PS." É isto, e apenas isto, que está proposto. Perguntar-me-ão: será altura de o fazer? Houve um referendo em 1998 que deu a vitória ao "não", é verdade. Também é certo que os autores da lei aprovada na AR, entre os quais destaco Sérgio Sousa Pinto, entenderam retirar a iniciativa, embora ela tivesse sido aprovada pela AR, para não afrontar a vontade do eleitores. Fizeram bem. Mas isso não significa que o assunto nunca mais possa voltar a ser discutido. A Constituição é omissa sobre o prazo razoável em casos destes. Mas julgo sensato pensar num período de quatro anos, que é o período normal de uma legislatura, findo o qual os partidos sempre renovam iniciativas rejeitadas em legislaturas anteriores. Julgo mesmo que a Assembleia da República deve promover, a partir do ano que vem, uma reavaliação da situação em Portugal no que diz respeito à IVG. Se se verificar que não melhoraram os indicadores relativos à quantidade de abortos clandestinos e respectivas sequelas, a lei deverá ser revista. Não podemos esquecer-nos que, na generalidade dos países europeus, a despenalização da IVG foi consagrada há muito tempo. Não podemos ser muito europeus para umas coisas e nada para outras. Se trazemos o assunto a este congresso do PS, é porque o próximo só terá lugar em 2003. Nessa altura, já o Parlamento deve ter discutido, com iniciativa do PS ou sem ela, esta matéria. Quer o congresso aprove esta moção, quer a rejeite, tal debate acabará por acontecer. E o grupo parlamentar não poderá fugir de uma tema que ele próprio já assumiu. É por isso que Jorge Coelho não tem razão quando afirma, em artigo recente no "DN", que esta moção visa criar dificuldades ao partido ou ao secretário-geral. Nunca aceitaríamos instrumentalizar uma causa nobre, que é a da luta contra o aborto clandestino, por razões de mera política interna. Mas não devemos ter medo de ir a votos. A divisão de opiniões não é um mal, é uma condição necessária da própria democracia. É também por isso que o anúncio prévio da minha exclusão dos órgãos nacionais do PS não me intimida. É evidente que havendo só uma lista, proposta pelo secretário-geral, o meu nome pode ser retirado. A confiança entre duas pessoas é algo que depende apenas delas. Guterres é livre de não me desejar nas suas listas. Mas isso não me faz recuar. Sempre entendi a política como um espaço de relação entre mim e os outros. Não preciso deter nenhum "lugar" especial para fazer política. Basta-me ser solidária com certas causas e querer tomar atitudes em conformidade. Sempre o fiz. Com uma regra que há muito me impus: o que digo dentro dos órgãos partidários é o mesmo que digo aos jornais. E é o mesmo que digo em minha casa ou aos meus amigos. Não tenho dois discursos, tenho apenas um. É por isso que encaro com serenidade o início dos trabalhos do XII Congresso do PS. E que confio no discernimento e na liberdade dos seus delegados para votar, sem constrangimentos, aquilo que a sua consciência e os interesses do país lhes ditarem que devem votar. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Alegre não vai ao conclave

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