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09-06-2001
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9/6/2001

A palavra aos arquitectos

Alguns dos nossos melhores especialistas em arquitectura e gestão urbanística pronunciam-se sobre as intervenções em curso na Baixa e lançam pistas para combater a desertificação e a insegurança que grassam nesta zona da capital.

A cidade vazia Gonçalo Byrne: autor do projecto da marina de Lagos, do edifício da Reitoria da Universidade de Aveiro, e da torre do Porto de Lisboa (em Algés) É impossível elaborar um plano estratégico para a Baixa sem ter em conta o resto do centro histórico da cidade, do qual a Baixa é a parte mais visível. É por se ter tratado da Baixa isoladamente que as sucessivas políticas camarárias têm falhado. Os centros históricos das cidades não podem ser apenas embelezados, necessitam de ser alvo de tácticas múltiplas. É impossível elaborar um plano estratégico para a Baixa sem ter em conta o resto do centro histórico da cidade, do qual a Baixa é a parte mais visível. É por se ter tratado da Baixa isoladamente que as sucessivas políticas camarárias têm falhado. Os centros históricos das cidades não podem ser apenas embelezados, necessitam de ser alvo de tácticas múltiplas. Do ponto de vista estratégico, se se pretende um centro como pólo de cidadania, tem de se perceber os males que aí se concentram: por que se mantém a tendência de desertificação e esvaziamento do centro; por que razão a Baixa continua sujeita às pressões imediatas da especulação imobiliária; porque é que os residentes se vão embora; por que razão os serviços também não encontram condições para se fixar; por que razão o comércio não é capaz de se reorganizar e de se modernizar. Continuamos a não ter um plano de acessibilidades para a Baixa: não estão definidas hierarquias, não existem suficientes parques de estacionamento. As zonas de encosta têm uma acessibilidade deficientíssima, quando era possível encontrar sistemas alternativos, transportes públicos dimensionados. O Chiado é a excepção da Baixa. Bem ou mal, houve ali uma actuação estratégica: apostou-se nos acessos públicos (veja-se o sucesso do Metro e das escadas mecânicas), houve requalificação do espaço público, recuperação dos edifícios. Surpreendo-me muitas vezes a lamentar que o incêndio não tivesse queimado toda a Baixa. É que a ausência de plano queima lenta e inexoravelmente a Baixa e todo o centro histórico. O meu balanço não é, contudo, totalmente negativo: saúdo a recuperação dos edifícios através dos gabinetes dos bairros históricos. É já um passo em frente no combate à degradação do património, embora lamente que não haja um plano comum. A sociedade contemporânea é marcada por uma forte tendência para o turismo. Ora, a grande diferença entre uma população turista e uma população residente é que a primeira consome a cidade, usa-se dela, especialmente nos pontos mais mediatizados. O meu balanço não é, contudo, totalmente negativo: saúdo a recuperação dos edifícios através dos gabinetes dos bairros históricos. É já um passo em frente no combate à degradação do património, embora lamente que não haja um plano comum. A sociedade contemporânea é marcada por uma forte tendência para o turismo. Ora, a grande diferença entre uma população turista e uma população residente é que a primeira consome a cidade, usa-se dela, especialmente nos pontos mais mediatizados. Se não se tomarem medidas que contrariem esta tendência, a Baixa poderá transformar-se numa Salzburgo ou numa San Marino, num centro transformado em espaço de consumo rápido, onde imperam os restaurantes e as lojas de «souvenirs», mas que deixa de ser vivida. O que eu proponho é que se pense prioritariamente na população residente, porque as soluções encontradas também servirão os turistas. Uma cidade viva, habitada, com movimento no maior período de tempo (entre as seis e as duas da madrugada) atrai naturalmente o turismo. Uma cidade destinada ao turismo é saturante, ruidosa, congestionada, não atrai habitantes, é uma cidade vazia. Lamento que o Gabinete do Plano Estratégico de Lisboa, fundado no tempo de Jorge Sampaio, tenha sido extinto por João Soares. Havia erros, certamente, podia não estar a funcionar bem, mas era uma tentativa de abordagem global. Gonçalo Byrne tem a seu cargo o projecto de recuperação do quarteirão da Companhia de Seguros Império, entre a Rua Garrett e o Largo do Carmo. O quarteirão vai ter uma vasta área comercial com cafés e restaurantes, habitação de luxo, um jardim privado e um parque de estacionamento com 400 lugares (ver foto em cima). Repensar tudo Manuel Graça Dias: co-autor do projecto do pavilhão de Portugal na Expo''92 de Sevilha, da sede da Ordem dos Arquitectos/ Banhos de S. Paulo (Lisboa), e da Porta Sul da Expo''98 (sempre em parceria com Egas José Vieira) Siza Vieira conseguiu imprimir ao Chiado o «chique» que ali se vivia no início do século. Ele não se limitou a reconstruir uma área, a dotá-la de bom ambiente urbano e a pôr o comércio a funcionar. Ciente de que a arquitectura não resolve tudo, Siza insistiu na criação de uma infraestrutura de transporte colectivo que servisse a zona: a estação do Metro da Baixa/Chiado. Por seu turno, a abertura do Centro Comercial do Chiado, com horários alargados, rompeu com a tradição. Siza Vieira conseguiu imprimir ao Chiado o «chique» que ali se vivia no início do século. Ele não se limitou a reconstruir uma área, a dotá-la de bom ambiente urbano e a pôr o comércio a funcionar. Ciente de que a arquitectura não resolve tudo, Siza insistiu na criação de uma infraestrutura de transporte colectivo que servisse a zona: a estação do Metro da Baixa/Chiado. Por seu turno, a abertura do Centro Comercial do Chiado, com horários alargados, rompeu com a tradição. Não se concebe que o comércio ¿ mesmo o dito tradicional ¿ se continue a praticar em moldes próprios do século XIX. Para competir com os centros comerciais é preciso que as lojas estejam abertas à noite, tenham horários diversificados. O projecto do Rossio parece-me inútil. A recuperação do pavimento é interessante, mas os bancos e os quiosques modernaços eram escusados. Não percebo por que se insiste em mexer em coisas que estão bem. Se o objectivo era reformular o Rossio, porque não se lançou um concurso internacional apoiado num amplo debate, em que se pudesse repensar tudo? O parque de estacionamento na Praça da Figueira é outra opção duvidosa, se tivermos em conta o custo da operação: uma praça esburacada anos a fio. Se o parque fosse só para moradores, talvez se justificasse. Assim, não. Eu proporia que se construíssem silos de automóveis mais ou menos periféricos. A recolocação da estátua de D. João I talvez resulte, mas saliente-se que não passa de mais uma mudança superficial, irrelevante. Não creio que a criação de áreas residenciais seja uma forma eficaz de combater a desertificação da Baixa. A habitação não cria animação urbana; não se pode estabelecer essa relação de causa/efeito. A Lapa é um bairro que tem muita gente e, no entanto, não tem animação urbana nem acho que devesse ter. Gostava que houvesse um projecto mais ambicioso para o Terreiro do Paço. A meu ver, a praça deve manter-se vazia, sem «tralhas» de qualquer espécie. A haver mais esplanadas, deviam ter lugar nas arcadas, junto das feiras de moedas e dos alfarrabistas. Não creio que a criação de áreas residenciais seja uma forma eficaz de combater a desertificação da Baixa. A habitação não cria animação urbana; não se pode estabelecer essa relação de causa/efeito. A Lapa é um bairro que tem muita gente e, no entanto, não tem animação urbana nem acho que devesse ter. Gostava que houvesse um projecto mais ambicioso para o Terreiro do Paço. A meu ver, a praça deve manter-se vazia, sem «tralhas» de qualquer espécie. A haver mais esplanadas, deviam ter lugar nas arcadas, junto das feiras de moedas e dos alfarrabistas. A dupla Manuel Graça Dias/Egas José Vieira concebeu uma ponte de peões e comércio sobre a Avenida da Liberdade, para ligar S. Pedro de Alcântara (o Bairro Alto) ao Torel (Campo de Santana). A galeria-ponte, que não passou do papel, seria «marcadamente pedonal e comercial» (ver esboço em cima). Teria dois pisos, um fechado e outro ao ar livre. A Ponte da Liberdade deveria partir do lote onde está o antigo Palladium, junto ao elevador da Glória, nos Restauradores, sendo um edifício «tão alto quanto a vontade e o desejo quisessem»: a Torre da Liberdade. No final, já na rotunda do Marquês, erguer-se-ia a Torre da Rotunda. O segundo troço desta ponte desembocaria junto das piscinas do Ateneu, numa «construção de colina a edificar sobre terrenos municipais: o Hotel da Ponte». O projecto destes dois arquitectos enquadrou-se no Valis ¿ Plano Estratégico para a Preservação e Valorização do Património Arquitectónico e Urbanístico de Lisboa, que elegeu a Baixa como uma das áreas prioritárias de intervenção. O «efeito Donuts» Francisco da Silva Dias: responsável pelo plano de recuperação dos Paços do Concelho; co-autor do edifício de Santa Catarina, em Évora, e do Lisbon Welcome Center, entre o Terreiro do Paço e a Rua do Arsenal Em recente seminário, um participante vindo dos EUA utilizou a expressão «efeito Donuts» para designar o fenómeno de desertificação do centro de inúmeras cidades americanas, onde uma espécie de ciclone provoca um vazio da vida urbana, remetida para periferias mais cativantes, por serem seguras e bem equipadas. Logo os europeus, e especialmente os do Sul, sobrepuseram a imagem às suas cidades, concluindo, no entanto, que o problema entre nós seria diferente: mais resultante do choque que o fluxo-refluxo de pessoas, veículos e actividades faz incidir sobre os centros. Isto lembrou-me os lisboetas confrontados com uma Baixa a abarrotar das nove da manhã às sete da tarde, com um turbulento encher e esvaziar às horas de ponta, albergando uma vida urbana intensa a que se segue uma Baixa vazia, lúgubre e insegura, próxima da sugestiva imagem enunciada, embora por outras razões. Em recente seminário, um participante vindo dos EUA utilizou a expressão «efeito Donuts» para designar o fenómeno de desertificação do centro de inúmeras cidades americanas, onde uma espécie de ciclone provoca um vazio da vida urbana, remetida para periferias mais cativantes, por serem seguras e bem equipadas. Logo os europeus, e especialmente os do Sul, sobrepuseram a imagem às suas cidades, concluindo, no entanto, que o problema entre nós seria diferente: mais resultante do choque que o fluxo-refluxo de pessoas, veículos e actividades faz incidir sobre os centros. Isto lembrou-me os lisboetas confrontados com uma Baixa a abarrotar das nove da manhã às sete da tarde, com um turbulento encher e esvaziar às horas de ponta, albergando uma vida urbana intensa a que se segue uma Baixa vazia, lúgubre e insegura, próxima da sugestiva imagem enunciada, embora por outras razões. Esta vivência espasmódica do centro histórico de Lisboa provoca uma situação evidentemente patológica em relação à vida equilibrada que se exige de qualquer tecido urbano. Pois não há edificado que resista a esta cadência de encher, esvaziar, de aquecer e arrefecer, de saírem as pessoas e entrarem os ratos... nem quotidiano que resista ao penoso confronto com as multidões que engrossam as horas de ponta. Feito há muito o diagnóstico, os últimos governos da cidade têm vindo a praticar ¿ lentamente, porque a cura das maleitas das cidades exige tempo e alerta constante ¿ uma terapia que passa pelos seguintes actos: Revitalização das funções que contribuem para o equilíbrio do ciclo diário, nomeadamente habitação destinada a garantir a presença de população com um alto grau de disponibilidade, isto é, com capacidade, em tempo e recursos, para «viver a cidade» ¿ estudantes, casais jovens, mas também aposentados e forasteiros. Controlo da instalação do sector terciário (bancos, escritórios, serviços públicos) dentro de limites que continuem a garantir a existência vitalizadora da função trabalho, conjuntamente com uma prática racional de horários de funcionamento que esbata as pontas horárias. Oferta diversificada de meios de transporte com a construção ¿ quanto baste e condicionada ¿ de parques de estacionamento subterrâneos, porque o transporte individual é autofágico, consome todas as soluções que lhe são oferecidas; sem esquecer os elevadores que ligam ou ligarão às colinas nem o cinematográfico eléctrico 28, nem espaços reservados exclusivamente a peões, nem eventuais escadas rolantes. Ordenamento do espaço público com o recurso a uma arquitectura contemporânea de qualidade, bem como à conservação e reabilitação do património edificado. Apoio a um comércio diferenciado na dimensão e na oferta, desde o grande armazém à loja tradicional, da montra para a rua, com especial carinho pelo comércio raro ou específico da cidade, aberto de forma a prolongar o dia e a conquistar a noite. Feito há muito o diagnóstico, os últimos governos da cidade têm vindo a praticar ¿ lentamente, porque a cura das maleitas das cidades exige tempo e alerta constante ¿ uma terapia que passa pelos seguintes actos: Revitalização das funções que contribuem para o equilíbrio do ciclo diário, nomeadamente habitação destinada a garantir a presença de população com um alto grau de disponibilidade, isto é, com capacidade, em tempo e recursos, para «viver a cidade» ¿ estudantes, casais jovens, mas também aposentados e forasteiros. Controlo da instalação do sector terciário (bancos, escritórios, serviços públicos) dentro de limites que continuem a garantir a existência vitalizadora da função trabalho, conjuntamente com uma prática racional de horários de funcionamento que esbata as pontas horárias. Oferta diversificada de meios de transporte com a construção ¿ quanto baste e condicionada ¿ de parques de estacionamento subterrâneos, porque o transporte individual é autofágico, consome todas as soluções que lhe são oferecidas; sem esquecer os elevadores que ligam ou ligarão às colinas nem o cinematográfico eléctrico 28, nem espaços reservados exclusivamente a peões, nem eventuais escadas rolantes. Ordenamento do espaço público com o recurso a uma arquitectura contemporânea de qualidade, bem como à conservação e reabilitação do património edificado. Apoio a um comércio diferenciado na dimensão e na oferta, desde o grande armazém à loja tradicional, da montra para a rua, com especial carinho pelo comércio raro ou específico da cidade, aberto de forma a prolongar o dia e a conquistar a noite. Silva Dias foi autor de um sistema de escadas rolantes para ligar o Martim Moniz ao Castelo. O arquitecto prepara agora a reconversão do Mercado da Ribeira, junto ao Cais do Sodré (ver maqueta). Aposta ganha Pessanha Viegas: encarregou-se da fiscalização e melhoramento da Estrada da Leba, que liga o Namibe (antigo Moçâmedes) ao Lubango (antiga Sá da Bandeira); coordenou o gabinete de apoio à reconstrução dos estragos causados pela crise sísmica de 1/1/80 nos Açores (ilhas Terceira, São Jorge e Graciosa). Com Siza Vieira, executou o plano de recuperação do Chiado Um dos objectivos desta intervenção consistia em reintroduzir a habitação no Chiado. Pensamos que foi uma aposta ganha: os 26 fogos recuperados foram vendidos muito rapidamente. Neste capítulo, a reabilitação do Chiado pode constituir uma solução extensível a toda a Baixa. Outro dos objectivos era a revivificação do comércio. Numa primeira fase só as pequenas lojas aderiram. A entrada em funcionamento do centro comercial, sobretudo da FNAC, fez vingar o propósito. Estamos convencidos que o comércio no Chiado ainda se encontra em expansão. Um dos objectivos desta intervenção consistia em reintroduzir a habitação no Chiado. Pensamos que foi uma aposta ganha: os 26 fogos recuperados foram vendidos muito rapidamente. Neste capítulo, a reabilitação do Chiado pode constituir uma solução extensível a toda a Baixa. Outro dos objectivos era a revivificação do comércio. Numa primeira fase só as pequenas lojas aderiram. A entrada em funcionamento do centro comercial, sobretudo da FNAC, fez vingar o propósito. Estamos convencidos que o comércio no Chiado ainda se encontra em expansão. O plano de recuperação do Chiado foi muito criticado. No entender dos nossos detractores, estava ferido de um defeito de raiz: não havia estacionamento para servir o comércio, os escritórios e a zona residencial. Sustentámos sempre que se tratava de uma falsa questão e a Câmara apoiou-nos. Com a abertura da estação do Metro e a construção de parques de estacionamento na periferia, as maiores resistências foram superadas. Os horários alargados do comércio contribuíram decisivamente para a revitalização desta área, já que a influência da habitação foi diminuta. Há espaços destinados ao comércio ainda por alugar, uma vez que os preços são bastante elevados. Siza Vieira: autor da Piscina das Marés (Leça da Palmeira), do edifício do Banco Borges & Irmão (Vila do Conde) e do Museu de Serralves, no Porto O plano de reabilitação foi antecedido por um minucioso trabalho de pesquisa, o que permitiu a introdução de elementos de conforto, mantendo a integridade arquitectónica. Foi elaborado um estudo sobre a cor, a cargo de um arquitecto da Universidade de Lisboa, para que se construísse uma paleta das cores que marcaram o apogeu do Chiado no século XIX. O plano de reabilitação foi antecedido por um minucioso trabalho de pesquisa, o que permitiu a introdução de elementos de conforto, mantendo a integridade arquitectónica. Foi elaborado um estudo sobre a cor, a cargo de um arquitecto da Universidade de Lisboa, para que se construísse uma paleta das cores que marcaram o apogeu do Chiado no século XIX. Não conhecemos o projecto em curso para o Rossio. Supomos que a ideia do município deve assentar numa abordagem fragmentada dos pontos-chave da cidade, o que pode revelar-se interessante, desde que haja um plano comum. Também não dispomos de informação detalhada sobre a intervenção da Praça da Figueira. O maior problema com que nos deparámos foi a gestão das latentes contradições entre proprietários e inquilinos. Tivemos de nos contentar com as intervenções exteriores, ficando os espaços interiores dos edifícios ao critério dos seus utilizadores. Isto aumentou o tempo de execução do projecto, mas ganhando a confiança dos residentes, o plano ganhou consistência e solidez. Por uma política de regeneração Nuno Portas: co-autor do projecto da Igreja do Sagrado Coração de Jesus (Rua Camilo Castelo Branco), em Lisboa; Comissário para a recuperação de Barredo-Ribeira, no Porto; assistência ao Centro Histórico de Évora e ao Gabinete do Centro Histórico de Guimarães A ideia de desertificação tornou-se um lugar-comum na apreciação corrente da qualidade de vida de determinadas partes das cidades e, em especial, das que mais transformações funcionais sofreram ao longo da segunda metade do século XX. No entanto, este juízo deve ser aplicado com algum cuidado porque o que hoje se passa nas várias aglomerações e em cada uma delas remete para diferentes tipos de «crise dos centros tradicionais» e, consequentemente, diferentes custos de intervenção correctora. A ideia de desertificação tornou-se um lugar-comum na apreciação corrente da qualidade de vida de determinadas partes das cidades e, em especial, das que mais transformações funcionais sofreram ao longo da segunda metade do século XX. No entanto, este juízo deve ser aplicado com algum cuidado porque o que hoje se passa nas várias aglomerações e em cada uma delas remete para diferentes tipos de «crise dos centros tradicionais» e, consequentemente, diferentes custos de intervenção correctora. Procuremos então as causas da doença (neste caso, as que afectam a Baixa lisboeta) para podermos falar dos seus remédios. Com algum cuidado: as doenças são várias, algumas delas não se limitam à chamada Baixa, outras serão específicas e podem até estar já em recuperação, fruto de alteração recente nos transportes colectivos ou de programas de reabilitação do património cujo alcance ainda é difícil de avaliar. Desertificação começou por designar algo que se podia medir facilmente pelos recenseamentos: a perda de residentes de áreas tradicionalmente habitacionais, por envelhecimento das famílias ou das casas, ou de ambas, ainda que tivessem comércio de rés-do-chão ou edifícios públicos ou religiosos na vizinhança. Admitia-se que a situação ideal seria a de movimento em segurança no bairro, garantida durante o dia pelo comércio, artesanato e algum emprego terciário, e ao cair da noite pelos próprios residentes que, em situação normal, teriam diferentes idades e ocupações, portanto diferentes horas de chegar a casa, de usar restaurantes ou cafés. Todavia, a desertificação ¿ sentida no pouco uso do espaço público ¿ afecta simetricamente as periferias urbanas de forma bem visível, pelo facto de as expansões modernas não terem ruas e praças (só «espaços livres» que sobram entre prédios) nem, claro está, comércio de rua como o que se mantém na cidade tradicional. O êxito dos centros comerciais nas periferias metropolitanas vem também daí: da sua atracção e visibilidade entre os «paliteiros dos prédios» e da concentração da oferta do lazer e das compras ao longo de «malls» que não são senão formas cobertas e climatizadas das ruas comerciais dos centros urbanos que faltam nestes bairros novos. Os (velhos) centros e as (novas) periferias são pois partes complementares das várias desertificações modernas. E em ambos os casos extremos, ou se morre da doença ¿ da chamada monofuncionalidade ¿ ou se morre da cura ¿ das almejadas misturas de actividades que animam (e congestionam) em diferentes horas do dia e dos fins-de-semana. Mesmo apesar das medidas a que as autoridades vão recorrendo: apoiando o comércio tradicional contra o novo; apoiando a renovação dos imóveis; construindo e vigiando estacionamentos para os frequentadores durante o dia e para os moradores à noite; fornecendo metro ou «tramways» onde não havia; subsidiando alguns equipamentos culturais e de lazer, etc.. As coisas complicam-se, é certo, quando numa Baixa como a de Lisboa se incluem áreas extensas de património arquitectónico que constituem ao mesmo tempo a sua excelência e a sua vulnerabilidade à obsolescência. Nestes casos, a revitalização é possível mas muito mais condicionada e onerosa, quer para recuperar os edifícios, quer para mudar os usos (e publicitá-los), quer para conciliar circulação e segurança das pessoas, ruídos e animação, escritórios e habitação, etc.. Uma vez completado o sistema do transporte colectivo, o município terá mais legitimidade para impor restrições ao transporte individual, para alargar o horário de animação (a Baixa fecha às 19h nos dias úteis) e para incentivar a residência compatível. A Baixa justifica uma política específica de regeneração pelas características singulares do seu património ¿ mas esse património não será sustentável se não for incentivada a diversificação de actividades e se não se encontrarem algumas âncoras capazes de alargar o horário de animação e também de segurança. É que a desertificação depende mais da (falta de) diversificação das actividades de trabalho, lazer e cultura (e, insisto, dos seus horários) do que do número de residentes fixos. Em termos estratégicos, haverá que escolher entre um modelo de «grande estaleiro», com ênfase nas obras (como o do Chiado) e um modelo de «gestão permanente de oportunidades», com objectivos públicos bem definidos, pondo a ênfase nos actores, económicos e sócioculturais, interessados em tirar partido de uma mudança positiva das condições de suporte, como as acessibilidades ou os incentivos à reabilitação, desde que o contexto político crie na sociedade civil as necessárias condições de esperança e sentido da mudança. A arquitectura não é só «cenário» Helena Ribeiro dos Santos: no âmbito do Gabinete de Apoio Técnico (GAT) de Valença, foi autora do projecto da Praça da Terra Nova, em Monção, e da Alameda Inês Negra, em Melgaço (anos 80); na sequência do mestrado em Conservação de Edifícios e Cidades Históricas, na Universidade Católica de Lovaina (Bélgica), publicou o livro «A Baixa Pombalina - Passado e Futuro», Livros Horizonte, Lisboa, 2000; actualmente é responsável do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) pela apreciação e acompanhamento de projectos de recuperação e de reabilitação em zonas classificadas A Baixa é o exemplo acabado da falta de respeito pelos cidadãos. Quem se lembra de como era o Rossio antes das sucessivas obras a que tem sido submetido? Actualmente os lisboetas evitam a Baixa e têm razões para o fazer. Como se isto não bastasse, a metodologia que reina é a do muito fazer para que tudo fique na mesma. Portugal vive muito da cosmética, do «lavar a cara», em detrimento da verdadeira reabilitação, que tem uma componente científica muito forte e princípios internacionais em vigor. Não me choca que as intervenções no Rossio e na Praça da Figueira tenham autores diferentes. O que lamento é que não haja uma entidade a coordenar todos os projectos. Também não entendo o relativo secretismo que envolve estas obras. O património é público, logo a participação da população é muito importante. A Baixa é o exemplo acabado da falta de respeito pelos cidadãos. Quem se lembra de como era o Rossio antes das sucessivas obras a que tem sido submetido? Actualmente os lisboetas evitam a Baixa e têm razões para o fazer. Como se isto não bastasse, a metodologia que reina é a do muito fazer para que tudo fique na mesma. Portugal vive muito da cosmética, do «lavar a cara», em detrimento da verdadeira reabilitação, que tem uma componente científica muito forte e princípios internacionais em vigor. Não me choca que as intervenções no Rossio e na Praça da Figueira tenham autores diferentes. O que lamento é que não haja uma entidade a coordenar todos os projectos. Também não entendo o relativo secretismo que envolve estas obras. O património é público, logo a participação da população é muito importante. Em matéria de plano estratégico, continuamos a flutuar alegremente. É preciso começar por definir os princípios, que metodologia usar para a conservação e a recuperação do centro histórico. Era interessante começar por reabilitar um quarteirão: ficava-se com a noção dos custos, ensaiava-se uma intervenção conjunta com entidades particulares. Como a Baixa tem características arquitectónicas muito próprias, talvez fosse de ponderar a realização de uma exposição para lançar o debate sobre a sua recuperação e motivar os residentes para a intervenção que se lhe seguiria. Escolhida a estratégia e as metodologias, é importante ter em conta que cada caso é um caso. Quer isto dizer que não há receitas definidas a 100%. A recuperação dos espaços públicos tem a sua razão de ser, mas é insuficiente. A arquitectura não pode ficar limitada ao «cenário»; as pessoas são uma componente fundamental que tem de ser igualmente equacionada. Acção integrada Nuno Teotónio Pereira: co-autor do projecto da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, do edifício «Franjinhas» (Rua Braamcamp) e da estação do Cais do Sodré do Metropolitano de Lisboa A reconstrução do Chiado, respeitando obsessivamente o modelo pombalino, não foi a melhor opção. Siza Vieira exigiu que até os caixilhos das janelas fossem iguais aos pombalinos, não permitindo vidro duplo. Sendo o meu atelier responsável pela recuperação de dois prédios, não pude concordar com o «fundamentalismo» do autor no plano geral do Chiado. Um caixilho diferente marcava a intervenção ali operada, permitindo perceber que se tratava de uma reconstrução. A reconstrução do Chiado, respeitando obsessivamente o modelo pombalino, não foi a melhor opção. Siza Vieira exigiu que até os caixilhos das janelas fossem iguais aos pombalinos, não permitindo vidro duplo. Sendo o meu atelier responsável pela recuperação de dois prédios, não pude concordar com o «fundamentalismo» do autor no plano geral do Chiado. Um caixilho diferente marcava a intervenção ali operada, permitindo perceber que se tratava de uma reconstrução. Quem percorre o Chiado, não tem sinal de que houve um incêndio. Ora, acho que devia haver indícios de que houve ali uma intervenção contemporânea, com a introdução de caixilhos metálicos. No aspecto cromático, acho que as cores escolhidas para as fachadas dos edifícios são demasiado claras. Conheço e concordo com as intervenções em curso no Rossio e na Praça da Figueira. Já o projecto dos Restauradores merece algumas dúvidas: para quê mudar? Às vezes peca-se por excesso de obras na cidade. O Terreiro do Paço ganhou muito com a retirada do parque de estacionamento. Foi um acto de grande coragem de João Soares, porque os comerciantes alegavam que aquela medida lhes iria trazer grandes prejuízos. A revitalização da Baixa devia ser feita de forma integrada e convergente, e não avulsa e dispersa como tem sido a tónica. Para isso, defendo a criação de um gabinete próprio, com plenos poderes. A acção concertada das universidades no sentido de comprar prédios na Baixa e aí instalar residências universitárias poderia contribuir para a animação daquela área. A instalação de mais equipamentos culturais e a aquisição, por parte do Ministério da Solidariedade, de edifícios destinados à habitação também podia ser um importante ponto de partida para inverter a actual tendência. O Terreiro do Paço ganhou muito com a retirada do parque de estacionamento. Foi um acto de grande coragem de João Soares, porque os comerciantes alegavam que aquela medida lhes iria trazer grandes prejuízos. A revitalização da Baixa devia ser feita de forma integrada e convergente, e não avulsa e dispersa como tem sido a tónica. Para isso, defendo a criação de um gabinete próprio, com plenos poderes. A acção concertada das universidades no sentido de comprar prédios na Baixa e aí instalar residências universitárias poderia contribuir para a animação daquela área. A instalação de mais equipamentos culturais e a aquisição, por parte do Ministério da Solidariedade, de edifícios destinados à habitação também podia ser um importante ponto de partida para inverter a actual tendência. Apelo à coordenação José Manuel Fernandes: VALIS - Valorização de Lisboa (em equipa coordenada por Jorge Gaspar, 1990-93); Arquitectura na Autónoma - curso de licenciatura, organizado em equipa com Manuel Graça Dias e João Luís Carrilho da Graça (1997-2001); «Arquitectura Portuguesa - Uma Síntese», livro para a Europália 91, actualizado em 2000 A ideia de converter o famoso nº39 do Poço do Borratém para habitação destinada a jovens é uma boa notícia. Há muito que defendo que uma das medidas mais importantes para a revitalização da Baixa passa por incluir novos espaços de habitação para as camadas mais jovens. Nesta matéria, saliente-se que há já uma experiência em curso, a de um prédio que o município converteu em residência universitária. Mas é preciso ir mais longe, instalar lares de idosos na Baixa, recuperar mais espaços e dotá-los de equipamentos, transformando-os em cantinas, cafés, bibliotecas, etc.. Sendo os quarteirões uma espécie de unidade operativa da Baixa pombalina, era importante tentar uma experiência-piloto em dois ou três quarteirões que a Câmara conseguisse adquirir. Aí se levaria a cabo um projecto de recuperação completa daquela unidade, lançando um padrão de trabalho para futuras intervenções que teria a vantagem de tornar atractivos outros projectos. A Baixa pombalina é dotada de uma «filigrana» muito especial: o rés-do-chão dedicado ao comércio, a habitação nos andares de cima. É certo que o comércio tem vindo a registar uma acentuada queda, mas se houvesse um acréscimo de população da ordem dos cinco milhares de pessoas, o caso podia mudar de figura. A ideia de converter o famoso nº39 do Poço do Borratém para habitação destinada a jovens é uma boa notícia. Há muito que defendo que uma das medidas mais importantes para a revitalização da Baixa passa por incluir novos espaços de habitação para as camadas mais jovens. Nesta matéria, saliente-se que há já uma experiência em curso, a de um prédio que o município converteu em residência universitária. Mas é preciso ir mais longe, instalar lares de idosos na Baixa, recuperar mais espaços e dotá-los de equipamentos, transformando-os em cantinas, cafés, bibliotecas, etc.. Sendo os quarteirões uma espécie de unidade operativa da Baixa pombalina, era importante tentar uma experiência-piloto em dois ou três quarteirões que a Câmara conseguisse adquirir. Aí se levaria a cabo um projecto de recuperação completa daquela unidade, lançando um padrão de trabalho para futuras intervenções que teria a vantagem de tornar atractivos outros projectos. A Baixa pombalina é dotada de uma «filigrana» muito especial: o rés-do-chão dedicado ao comércio, a habitação nos andares de cima. É certo que o comércio tem vindo a registar uma acentuada queda, mas se houvesse um acréscimo de população da ordem dos cinco milhares de pessoas, o caso podia mudar de figura. Conheço o projecto da Praça da Figueira: não sendo propriamente inovador, promete ter qualidade. Já o do Rossio merece alguns reparos. Antes de mais, a cor escolhida para as fachadas dos edifícios. Porquê ocre? Saliente-se que a Baixa pombalina demorou um século a ser construída e passou por uma variada paleta de cores: desde o ocre ao branco, do azulejo ao azul-escuro... Devia realizar-se um estudo histórico sério sobre as cores dos prédios, tal como se fez para recuperar o pavimento ondulado da placa central do Rossio. Conheço o projecto da Praça da Figueira: não sendo propriamente inovador, promete ter qualidade. Já o do Rossio merece alguns reparos. Antes de mais, a cor escolhida para as fachadas dos edifícios. Porquê ocre? Saliente-se que a Baixa pombalina demorou um século a ser construída e passou por uma variada paleta de cores: desde o ocre ao branco, do azulejo ao azul-escuro... Devia realizar-se um estudo histórico sério sobre as cores dos prédios, tal como se fez para recuperar o pavimento ondulado da placa central do Rossio. O abate das árvores ¿ algumas já centenárias ¿ também me parece criticável. Sem árvores, o Verão na Baixa será simplesmente tórrido. Pelas informações de que disponho, o projecto para os Restauradores não passa de uma reinvenção. Praça da Ribeira, Rossio, Restauradores são projectos dessincronizados, desiguais, por isso duvido que resultem. Seria demais pedir que houvesse uma intervenção conjunta ou que se designasse, pelo menos, um coordenador para os três projectos? Maior divulgação dos projectos Manuel Salgado: co-autor do Centro Cultural de Belém; projecto dos espaços públicos da Expo''98; projecto da área urbana das Antas e do novo estádio do Futebol Clube do Porto Não conheço em pormenor os projectos do Rossio e da Praça da Figueira, mas penso tratar-se de intervenções ao nível do espaço público. Falta, todavia, uma intervenção estrutural, sem a qual a Baixa corre o risco de se transformar numa área marginal. Tem de se incentivar novas actividades de comércio e serviços, promover a habitação e as instalações hoteleiras. Isto passa por um investimento vultuoso ¿ é preciso indemnizar os locatários ¿ e por um procedimento «pesado», que não pode deixar de ser feito, porque, só por si, as regras de mercado não conseguirão reabilitar a Baixa em tempo útil. Não conheço em pormenor os projectos do Rossio e da Praça da Figueira, mas penso tratar-se de intervenções ao nível do espaço público. Falta, todavia, uma intervenção estrutural, sem a qual a Baixa corre o risco de se transformar numa área marginal. Tem de se incentivar novas actividades de comércio e serviços, promover a habitação e as instalações hoteleiras. Isto passa por um investimento vultuoso ¿ é preciso indemnizar os locatários ¿ e por um procedimento «pesado», que não pode deixar de ser feito, porque, só por si, as regras de mercado não conseguirão reabilitar a Baixa em tempo útil. Atente-se no caso do Chiado. Mais do que o Metro, o que contribuiu decisivamente para a revivificação daquela zona foi a abertura do centro comercial, aliado à entrada em funcionamento do parque de estacionamento do edifício da Império. Siza Vieira argumentou sempre que o estacionamento no Chiado era secundário, que havia o Metro. No entanto, houve vários estabelecimentos comerciais que acabaram por sair dali invocando que a acessibilidade era má. O erro do responsável pelo projecto do Chiado foi não ter percebido que o estacionamento era fundamental. Estou convencido que o parque da Império, conjugado com a abertura próxima do parque de estacionamento do Camões, constituirá um passo de gigante para a reabilitação do Chiado, no sentido de voltar a ser uma área nobre da cidade. Sendo os problemas urbanos cada vez mais importantes, nota-se que os projectos são pouco divulgados e pouco discutidos. As operações de «marketing» são essenciais para explicar às pessoas as ideias para a cidade, o «timing» das intervenções e como vão ficar as zonas que sofrem alterações. Lembremo-nos da Expo''98: no dia do ensaio geral, toda a gente sabia o que ia encontrar. Houve surpresas, com certeza, mas o indispensável estava apreendido. A Baixa precisa de um projecto consistente, de uma estratégia de intervenção com apoio jurídico. Os processos de envelhecimento são comuns a variadíssimas cidades europeias ¿ importa então estudar os casos bem sucedidos antes de partir para o terreno. Para começar, proporia que se escolhessem três ou quatro quarteirões e se levasse a cabo uma intervenção forte, que funcionasse como âncora de dinamização e exemplo a seguir ¿ tal como os Grandes Armazéns do Chiado o foram para a Rua do Carmo ¿ com parcerias público/privado e formas expeditas de processos de licenciamento. A criação de um gabinete de crise para a Baixa podia ser outro passo. Lembremo-nos da recuperação em tempo recorde dos Paços do Concelho, com grande qualidade arquitectónica. Contra uma cosmética da Baixa Manuel Vicente: co-autor (com José Daniel Santa-Rita) do projecto de recuperação da Casa dos Bicos; autor do pavilhão da Realidade Virtual, na Expo''98, e da piscina da Outurela, em Carnaxide A reconstrução do Chiado foi feita com timidez e provincianismo, limitando-se a glosar ¿ mais ou menos eruditamente ¿ o que lá existia antes do incêndio, sem quaisquer preocupações de dinamização. Como defendi na altura, era preciso parar, escutar e olhar, como nas passagens de nível. Não o fizeram e o resultado está à vista: o Chiado não dispõe de um parque de estacionamento para moradores, comércio e serviços. A reconstrução do Chiado foi feita com timidez e provincianismo, limitando-se a glosar ¿ mais ou menos eruditamente ¿ o que lá existia antes do incêndio, sem quaisquer preocupações de dinamização. Como defendi na altura, era preciso parar, escutar e olhar, como nas passagens de nível. Não o fizeram e o resultado está à vista: o Chiado não dispõe de um parque de estacionamento para moradores, comércio e serviços. Em meu entender, o Metro, só por si, não é suficiente. Razão por que os serviços se encontram em queda e o comércio tem sofrido muitos revezes. Faltou realismo ao projecto de Siza Vieira, excelente em registos intimistas, mas sem vocação para arquitecto de cidade. A estação do Metro é bastante criticável. Desde já, pela sua «bocarra», virada para uma companhia de seguros. Penso que A Brasileira do Chiado merecia mais consideração. E depois porque a estação é parola, pouco criativa. Intervenções como as que estão em curso no Rossio ou na Praça da Figueira são demasiado limitadas, próprias de quem quer apenas «beautificar» os lugares. Para isso, é melhor que deixem a cidade em paz! 58

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9/6/2001

A palavra aos arquitectos

Alguns dos nossos melhores especialistas em arquitectura e gestão urbanística pronunciam-se sobre as intervenções em curso na Baixa e lançam pistas para combater a desertificação e a insegurança que grassam nesta zona da capital.

A cidade vazia Gonçalo Byrne: autor do projecto da marina de Lagos, do edifício da Reitoria da Universidade de Aveiro, e da torre do Porto de Lisboa (em Algés) É impossível elaborar um plano estratégico para a Baixa sem ter em conta o resto do centro histórico da cidade, do qual a Baixa é a parte mais visível. É por se ter tratado da Baixa isoladamente que as sucessivas políticas camarárias têm falhado. Os centros históricos das cidades não podem ser apenas embelezados, necessitam de ser alvo de tácticas múltiplas. É impossível elaborar um plano estratégico para a Baixa sem ter em conta o resto do centro histórico da cidade, do qual a Baixa é a parte mais visível. É por se ter tratado da Baixa isoladamente que as sucessivas políticas camarárias têm falhado. Os centros históricos das cidades não podem ser apenas embelezados, necessitam de ser alvo de tácticas múltiplas. Do ponto de vista estratégico, se se pretende um centro como pólo de cidadania, tem de se perceber os males que aí se concentram: por que se mantém a tendência de desertificação e esvaziamento do centro; por que razão a Baixa continua sujeita às pressões imediatas da especulação imobiliária; porque é que os residentes se vão embora; por que razão os serviços também não encontram condições para se fixar; por que razão o comércio não é capaz de se reorganizar e de se modernizar. Continuamos a não ter um plano de acessibilidades para a Baixa: não estão definidas hierarquias, não existem suficientes parques de estacionamento. As zonas de encosta têm uma acessibilidade deficientíssima, quando era possível encontrar sistemas alternativos, transportes públicos dimensionados. O Chiado é a excepção da Baixa. Bem ou mal, houve ali uma actuação estratégica: apostou-se nos acessos públicos (veja-se o sucesso do Metro e das escadas mecânicas), houve requalificação do espaço público, recuperação dos edifícios. Surpreendo-me muitas vezes a lamentar que o incêndio não tivesse queimado toda a Baixa. É que a ausência de plano queima lenta e inexoravelmente a Baixa e todo o centro histórico. O meu balanço não é, contudo, totalmente negativo: saúdo a recuperação dos edifícios através dos gabinetes dos bairros históricos. É já um passo em frente no combate à degradação do património, embora lamente que não haja um plano comum. A sociedade contemporânea é marcada por uma forte tendência para o turismo. Ora, a grande diferença entre uma população turista e uma população residente é que a primeira consome a cidade, usa-se dela, especialmente nos pontos mais mediatizados. O meu balanço não é, contudo, totalmente negativo: saúdo a recuperação dos edifícios através dos gabinetes dos bairros históricos. É já um passo em frente no combate à degradação do património, embora lamente que não haja um plano comum. A sociedade contemporânea é marcada por uma forte tendência para o turismo. Ora, a grande diferença entre uma população turista e uma população residente é que a primeira consome a cidade, usa-se dela, especialmente nos pontos mais mediatizados. Se não se tomarem medidas que contrariem esta tendência, a Baixa poderá transformar-se numa Salzburgo ou numa San Marino, num centro transformado em espaço de consumo rápido, onde imperam os restaurantes e as lojas de «souvenirs», mas que deixa de ser vivida. O que eu proponho é que se pense prioritariamente na população residente, porque as soluções encontradas também servirão os turistas. Uma cidade viva, habitada, com movimento no maior período de tempo (entre as seis e as duas da madrugada) atrai naturalmente o turismo. Uma cidade destinada ao turismo é saturante, ruidosa, congestionada, não atrai habitantes, é uma cidade vazia. Lamento que o Gabinete do Plano Estratégico de Lisboa, fundado no tempo de Jorge Sampaio, tenha sido extinto por João Soares. Havia erros, certamente, podia não estar a funcionar bem, mas era uma tentativa de abordagem global. Gonçalo Byrne tem a seu cargo o projecto de recuperação do quarteirão da Companhia de Seguros Império, entre a Rua Garrett e o Largo do Carmo. O quarteirão vai ter uma vasta área comercial com cafés e restaurantes, habitação de luxo, um jardim privado e um parque de estacionamento com 400 lugares (ver foto em cima). Repensar tudo Manuel Graça Dias: co-autor do projecto do pavilhão de Portugal na Expo''92 de Sevilha, da sede da Ordem dos Arquitectos/ Banhos de S. Paulo (Lisboa), e da Porta Sul da Expo''98 (sempre em parceria com Egas José Vieira) Siza Vieira conseguiu imprimir ao Chiado o «chique» que ali se vivia no início do século. Ele não se limitou a reconstruir uma área, a dotá-la de bom ambiente urbano e a pôr o comércio a funcionar. Ciente de que a arquitectura não resolve tudo, Siza insistiu na criação de uma infraestrutura de transporte colectivo que servisse a zona: a estação do Metro da Baixa/Chiado. Por seu turno, a abertura do Centro Comercial do Chiado, com horários alargados, rompeu com a tradição. Siza Vieira conseguiu imprimir ao Chiado o «chique» que ali se vivia no início do século. Ele não se limitou a reconstruir uma área, a dotá-la de bom ambiente urbano e a pôr o comércio a funcionar. Ciente de que a arquitectura não resolve tudo, Siza insistiu na criação de uma infraestrutura de transporte colectivo que servisse a zona: a estação do Metro da Baixa/Chiado. Por seu turno, a abertura do Centro Comercial do Chiado, com horários alargados, rompeu com a tradição. Não se concebe que o comércio ¿ mesmo o dito tradicional ¿ se continue a praticar em moldes próprios do século XIX. Para competir com os centros comerciais é preciso que as lojas estejam abertas à noite, tenham horários diversificados. O projecto do Rossio parece-me inútil. A recuperação do pavimento é interessante, mas os bancos e os quiosques modernaços eram escusados. Não percebo por que se insiste em mexer em coisas que estão bem. Se o objectivo era reformular o Rossio, porque não se lançou um concurso internacional apoiado num amplo debate, em que se pudesse repensar tudo? O parque de estacionamento na Praça da Figueira é outra opção duvidosa, se tivermos em conta o custo da operação: uma praça esburacada anos a fio. Se o parque fosse só para moradores, talvez se justificasse. Assim, não. Eu proporia que se construíssem silos de automóveis mais ou menos periféricos. A recolocação da estátua de D. João I talvez resulte, mas saliente-se que não passa de mais uma mudança superficial, irrelevante. Não creio que a criação de áreas residenciais seja uma forma eficaz de combater a desertificação da Baixa. A habitação não cria animação urbana; não se pode estabelecer essa relação de causa/efeito. A Lapa é um bairro que tem muita gente e, no entanto, não tem animação urbana nem acho que devesse ter. Gostava que houvesse um projecto mais ambicioso para o Terreiro do Paço. A meu ver, a praça deve manter-se vazia, sem «tralhas» de qualquer espécie. A haver mais esplanadas, deviam ter lugar nas arcadas, junto das feiras de moedas e dos alfarrabistas. Não creio que a criação de áreas residenciais seja uma forma eficaz de combater a desertificação da Baixa. A habitação não cria animação urbana; não se pode estabelecer essa relação de causa/efeito. A Lapa é um bairro que tem muita gente e, no entanto, não tem animação urbana nem acho que devesse ter. Gostava que houvesse um projecto mais ambicioso para o Terreiro do Paço. A meu ver, a praça deve manter-se vazia, sem «tralhas» de qualquer espécie. A haver mais esplanadas, deviam ter lugar nas arcadas, junto das feiras de moedas e dos alfarrabistas. A dupla Manuel Graça Dias/Egas José Vieira concebeu uma ponte de peões e comércio sobre a Avenida da Liberdade, para ligar S. Pedro de Alcântara (o Bairro Alto) ao Torel (Campo de Santana). A galeria-ponte, que não passou do papel, seria «marcadamente pedonal e comercial» (ver esboço em cima). Teria dois pisos, um fechado e outro ao ar livre. A Ponte da Liberdade deveria partir do lote onde está o antigo Palladium, junto ao elevador da Glória, nos Restauradores, sendo um edifício «tão alto quanto a vontade e o desejo quisessem»: a Torre da Liberdade. No final, já na rotunda do Marquês, erguer-se-ia a Torre da Rotunda. O segundo troço desta ponte desembocaria junto das piscinas do Ateneu, numa «construção de colina a edificar sobre terrenos municipais: o Hotel da Ponte». O projecto destes dois arquitectos enquadrou-se no Valis ¿ Plano Estratégico para a Preservação e Valorização do Património Arquitectónico e Urbanístico de Lisboa, que elegeu a Baixa como uma das áreas prioritárias de intervenção. O «efeito Donuts» Francisco da Silva Dias: responsável pelo plano de recuperação dos Paços do Concelho; co-autor do edifício de Santa Catarina, em Évora, e do Lisbon Welcome Center, entre o Terreiro do Paço e a Rua do Arsenal Em recente seminário, um participante vindo dos EUA utilizou a expressão «efeito Donuts» para designar o fenómeno de desertificação do centro de inúmeras cidades americanas, onde uma espécie de ciclone provoca um vazio da vida urbana, remetida para periferias mais cativantes, por serem seguras e bem equipadas. Logo os europeus, e especialmente os do Sul, sobrepuseram a imagem às suas cidades, concluindo, no entanto, que o problema entre nós seria diferente: mais resultante do choque que o fluxo-refluxo de pessoas, veículos e actividades faz incidir sobre os centros. Isto lembrou-me os lisboetas confrontados com uma Baixa a abarrotar das nove da manhã às sete da tarde, com um turbulento encher e esvaziar às horas de ponta, albergando uma vida urbana intensa a que se segue uma Baixa vazia, lúgubre e insegura, próxima da sugestiva imagem enunciada, embora por outras razões. Em recente seminário, um participante vindo dos EUA utilizou a expressão «efeito Donuts» para designar o fenómeno de desertificação do centro de inúmeras cidades americanas, onde uma espécie de ciclone provoca um vazio da vida urbana, remetida para periferias mais cativantes, por serem seguras e bem equipadas. Logo os europeus, e especialmente os do Sul, sobrepuseram a imagem às suas cidades, concluindo, no entanto, que o problema entre nós seria diferente: mais resultante do choque que o fluxo-refluxo de pessoas, veículos e actividades faz incidir sobre os centros. Isto lembrou-me os lisboetas confrontados com uma Baixa a abarrotar das nove da manhã às sete da tarde, com um turbulento encher e esvaziar às horas de ponta, albergando uma vida urbana intensa a que se segue uma Baixa vazia, lúgubre e insegura, próxima da sugestiva imagem enunciada, embora por outras razões. Esta vivência espasmódica do centro histórico de Lisboa provoca uma situação evidentemente patológica em relação à vida equilibrada que se exige de qualquer tecido urbano. Pois não há edificado que resista a esta cadência de encher, esvaziar, de aquecer e arrefecer, de saírem as pessoas e entrarem os ratos... nem quotidiano que resista ao penoso confronto com as multidões que engrossam as horas de ponta. Feito há muito o diagnóstico, os últimos governos da cidade têm vindo a praticar ¿ lentamente, porque a cura das maleitas das cidades exige tempo e alerta constante ¿ uma terapia que passa pelos seguintes actos: Revitalização das funções que contribuem para o equilíbrio do ciclo diário, nomeadamente habitação destinada a garantir a presença de população com um alto grau de disponibilidade, isto é, com capacidade, em tempo e recursos, para «viver a cidade» ¿ estudantes, casais jovens, mas também aposentados e forasteiros. Controlo da instalação do sector terciário (bancos, escritórios, serviços públicos) dentro de limites que continuem a garantir a existência vitalizadora da função trabalho, conjuntamente com uma prática racional de horários de funcionamento que esbata as pontas horárias. Oferta diversificada de meios de transporte com a construção ¿ quanto baste e condicionada ¿ de parques de estacionamento subterrâneos, porque o transporte individual é autofágico, consome todas as soluções que lhe são oferecidas; sem esquecer os elevadores que ligam ou ligarão às colinas nem o cinematográfico eléctrico 28, nem espaços reservados exclusivamente a peões, nem eventuais escadas rolantes. Ordenamento do espaço público com o recurso a uma arquitectura contemporânea de qualidade, bem como à conservação e reabilitação do património edificado. Apoio a um comércio diferenciado na dimensão e na oferta, desde o grande armazém à loja tradicional, da montra para a rua, com especial carinho pelo comércio raro ou específico da cidade, aberto de forma a prolongar o dia e a conquistar a noite. Feito há muito o diagnóstico, os últimos governos da cidade têm vindo a praticar ¿ lentamente, porque a cura das maleitas das cidades exige tempo e alerta constante ¿ uma terapia que passa pelos seguintes actos: Revitalização das funções que contribuem para o equilíbrio do ciclo diário, nomeadamente habitação destinada a garantir a presença de população com um alto grau de disponibilidade, isto é, com capacidade, em tempo e recursos, para «viver a cidade» ¿ estudantes, casais jovens, mas também aposentados e forasteiros. Controlo da instalação do sector terciário (bancos, escritórios, serviços públicos) dentro de limites que continuem a garantir a existência vitalizadora da função trabalho, conjuntamente com uma prática racional de horários de funcionamento que esbata as pontas horárias. Oferta diversificada de meios de transporte com a construção ¿ quanto baste e condicionada ¿ de parques de estacionamento subterrâneos, porque o transporte individual é autofágico, consome todas as soluções que lhe são oferecidas; sem esquecer os elevadores que ligam ou ligarão às colinas nem o cinematográfico eléctrico 28, nem espaços reservados exclusivamente a peões, nem eventuais escadas rolantes. Ordenamento do espaço público com o recurso a uma arquitectura contemporânea de qualidade, bem como à conservação e reabilitação do património edificado. Apoio a um comércio diferenciado na dimensão e na oferta, desde o grande armazém à loja tradicional, da montra para a rua, com especial carinho pelo comércio raro ou específico da cidade, aberto de forma a prolongar o dia e a conquistar a noite. Silva Dias foi autor de um sistema de escadas rolantes para ligar o Martim Moniz ao Castelo. O arquitecto prepara agora a reconversão do Mercado da Ribeira, junto ao Cais do Sodré (ver maqueta). Aposta ganha Pessanha Viegas: encarregou-se da fiscalização e melhoramento da Estrada da Leba, que liga o Namibe (antigo Moçâmedes) ao Lubango (antiga Sá da Bandeira); coordenou o gabinete de apoio à reconstrução dos estragos causados pela crise sísmica de 1/1/80 nos Açores (ilhas Terceira, São Jorge e Graciosa). Com Siza Vieira, executou o plano de recuperação do Chiado Um dos objectivos desta intervenção consistia em reintroduzir a habitação no Chiado. Pensamos que foi uma aposta ganha: os 26 fogos recuperados foram vendidos muito rapidamente. Neste capítulo, a reabilitação do Chiado pode constituir uma solução extensível a toda a Baixa. Outro dos objectivos era a revivificação do comércio. Numa primeira fase só as pequenas lojas aderiram. A entrada em funcionamento do centro comercial, sobretudo da FNAC, fez vingar o propósito. Estamos convencidos que o comércio no Chiado ainda se encontra em expansão. Um dos objectivos desta intervenção consistia em reintroduzir a habitação no Chiado. Pensamos que foi uma aposta ganha: os 26 fogos recuperados foram vendidos muito rapidamente. Neste capítulo, a reabilitação do Chiado pode constituir uma solução extensível a toda a Baixa. Outro dos objectivos era a revivificação do comércio. Numa primeira fase só as pequenas lojas aderiram. A entrada em funcionamento do centro comercial, sobretudo da FNAC, fez vingar o propósito. Estamos convencidos que o comércio no Chiado ainda se encontra em expansão. O plano de recuperação do Chiado foi muito criticado. No entender dos nossos detractores, estava ferido de um defeito de raiz: não havia estacionamento para servir o comércio, os escritórios e a zona residencial. Sustentámos sempre que se tratava de uma falsa questão e a Câmara apoiou-nos. Com a abertura da estação do Metro e a construção de parques de estacionamento na periferia, as maiores resistências foram superadas. Os horários alargados do comércio contribuíram decisivamente para a revitalização desta área, já que a influência da habitação foi diminuta. Há espaços destinados ao comércio ainda por alugar, uma vez que os preços são bastante elevados. Siza Vieira: autor da Piscina das Marés (Leça da Palmeira), do edifício do Banco Borges & Irmão (Vila do Conde) e do Museu de Serralves, no Porto O plano de reabilitação foi antecedido por um minucioso trabalho de pesquisa, o que permitiu a introdução de elementos de conforto, mantendo a integridade arquitectónica. Foi elaborado um estudo sobre a cor, a cargo de um arquitecto da Universidade de Lisboa, para que se construísse uma paleta das cores que marcaram o apogeu do Chiado no século XIX. O plano de reabilitação foi antecedido por um minucioso trabalho de pesquisa, o que permitiu a introdução de elementos de conforto, mantendo a integridade arquitectónica. Foi elaborado um estudo sobre a cor, a cargo de um arquitecto da Universidade de Lisboa, para que se construísse uma paleta das cores que marcaram o apogeu do Chiado no século XIX. Não conhecemos o projecto em curso para o Rossio. Supomos que a ideia do município deve assentar numa abordagem fragmentada dos pontos-chave da cidade, o que pode revelar-se interessante, desde que haja um plano comum. Também não dispomos de informação detalhada sobre a intervenção da Praça da Figueira. O maior problema com que nos deparámos foi a gestão das latentes contradições entre proprietários e inquilinos. Tivemos de nos contentar com as intervenções exteriores, ficando os espaços interiores dos edifícios ao critério dos seus utilizadores. Isto aumentou o tempo de execução do projecto, mas ganhando a confiança dos residentes, o plano ganhou consistência e solidez. Por uma política de regeneração Nuno Portas: co-autor do projecto da Igreja do Sagrado Coração de Jesus (Rua Camilo Castelo Branco), em Lisboa; Comissário para a recuperação de Barredo-Ribeira, no Porto; assistência ao Centro Histórico de Évora e ao Gabinete do Centro Histórico de Guimarães A ideia de desertificação tornou-se um lugar-comum na apreciação corrente da qualidade de vida de determinadas partes das cidades e, em especial, das que mais transformações funcionais sofreram ao longo da segunda metade do século XX. No entanto, este juízo deve ser aplicado com algum cuidado porque o que hoje se passa nas várias aglomerações e em cada uma delas remete para diferentes tipos de «crise dos centros tradicionais» e, consequentemente, diferentes custos de intervenção correctora. A ideia de desertificação tornou-se um lugar-comum na apreciação corrente da qualidade de vida de determinadas partes das cidades e, em especial, das que mais transformações funcionais sofreram ao longo da segunda metade do século XX. No entanto, este juízo deve ser aplicado com algum cuidado porque o que hoje se passa nas várias aglomerações e em cada uma delas remete para diferentes tipos de «crise dos centros tradicionais» e, consequentemente, diferentes custos de intervenção correctora. Procuremos então as causas da doença (neste caso, as que afectam a Baixa lisboeta) para podermos falar dos seus remédios. Com algum cuidado: as doenças são várias, algumas delas não se limitam à chamada Baixa, outras serão específicas e podem até estar já em recuperação, fruto de alteração recente nos transportes colectivos ou de programas de reabilitação do património cujo alcance ainda é difícil de avaliar. Desertificação começou por designar algo que se podia medir facilmente pelos recenseamentos: a perda de residentes de áreas tradicionalmente habitacionais, por envelhecimento das famílias ou das casas, ou de ambas, ainda que tivessem comércio de rés-do-chão ou edifícios públicos ou religiosos na vizinhança. Admitia-se que a situação ideal seria a de movimento em segurança no bairro, garantida durante o dia pelo comércio, artesanato e algum emprego terciário, e ao cair da noite pelos próprios residentes que, em situação normal, teriam diferentes idades e ocupações, portanto diferentes horas de chegar a casa, de usar restaurantes ou cafés. Todavia, a desertificação ¿ sentida no pouco uso do espaço público ¿ afecta simetricamente as periferias urbanas de forma bem visível, pelo facto de as expansões modernas não terem ruas e praças (só «espaços livres» que sobram entre prédios) nem, claro está, comércio de rua como o que se mantém na cidade tradicional. O êxito dos centros comerciais nas periferias metropolitanas vem também daí: da sua atracção e visibilidade entre os «paliteiros dos prédios» e da concentração da oferta do lazer e das compras ao longo de «malls» que não são senão formas cobertas e climatizadas das ruas comerciais dos centros urbanos que faltam nestes bairros novos. Os (velhos) centros e as (novas) periferias são pois partes complementares das várias desertificações modernas. E em ambos os casos extremos, ou se morre da doença ¿ da chamada monofuncionalidade ¿ ou se morre da cura ¿ das almejadas misturas de actividades que animam (e congestionam) em diferentes horas do dia e dos fins-de-semana. Mesmo apesar das medidas a que as autoridades vão recorrendo: apoiando o comércio tradicional contra o novo; apoiando a renovação dos imóveis; construindo e vigiando estacionamentos para os frequentadores durante o dia e para os moradores à noite; fornecendo metro ou «tramways» onde não havia; subsidiando alguns equipamentos culturais e de lazer, etc.. As coisas complicam-se, é certo, quando numa Baixa como a de Lisboa se incluem áreas extensas de património arquitectónico que constituem ao mesmo tempo a sua excelência e a sua vulnerabilidade à obsolescência. Nestes casos, a revitalização é possível mas muito mais condicionada e onerosa, quer para recuperar os edifícios, quer para mudar os usos (e publicitá-los), quer para conciliar circulação e segurança das pessoas, ruídos e animação, escritórios e habitação, etc.. Uma vez completado o sistema do transporte colectivo, o município terá mais legitimidade para impor restrições ao transporte individual, para alargar o horário de animação (a Baixa fecha às 19h nos dias úteis) e para incentivar a residência compatível. A Baixa justifica uma política específica de regeneração pelas características singulares do seu património ¿ mas esse património não será sustentável se não for incentivada a diversificação de actividades e se não se encontrarem algumas âncoras capazes de alargar o horário de animação e também de segurança. É que a desertificação depende mais da (falta de) diversificação das actividades de trabalho, lazer e cultura (e, insisto, dos seus horários) do que do número de residentes fixos. Em termos estratégicos, haverá que escolher entre um modelo de «grande estaleiro», com ênfase nas obras (como o do Chiado) e um modelo de «gestão permanente de oportunidades», com objectivos públicos bem definidos, pondo a ênfase nos actores, económicos e sócioculturais, interessados em tirar partido de uma mudança positiva das condições de suporte, como as acessibilidades ou os incentivos à reabilitação, desde que o contexto político crie na sociedade civil as necessárias condições de esperança e sentido da mudança. A arquitectura não é só «cenário» Helena Ribeiro dos Santos: no âmbito do Gabinete de Apoio Técnico (GAT) de Valença, foi autora do projecto da Praça da Terra Nova, em Monção, e da Alameda Inês Negra, em Melgaço (anos 80); na sequência do mestrado em Conservação de Edifícios e Cidades Históricas, na Universidade Católica de Lovaina (Bélgica), publicou o livro «A Baixa Pombalina - Passado e Futuro», Livros Horizonte, Lisboa, 2000; actualmente é responsável do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) pela apreciação e acompanhamento de projectos de recuperação e de reabilitação em zonas classificadas A Baixa é o exemplo acabado da falta de respeito pelos cidadãos. Quem se lembra de como era o Rossio antes das sucessivas obras a que tem sido submetido? Actualmente os lisboetas evitam a Baixa e têm razões para o fazer. Como se isto não bastasse, a metodologia que reina é a do muito fazer para que tudo fique na mesma. Portugal vive muito da cosmética, do «lavar a cara», em detrimento da verdadeira reabilitação, que tem uma componente científica muito forte e princípios internacionais em vigor. Não me choca que as intervenções no Rossio e na Praça da Figueira tenham autores diferentes. O que lamento é que não haja uma entidade a coordenar todos os projectos. Também não entendo o relativo secretismo que envolve estas obras. O património é público, logo a participação da população é muito importante. A Baixa é o exemplo acabado da falta de respeito pelos cidadãos. Quem se lembra de como era o Rossio antes das sucessivas obras a que tem sido submetido? Actualmente os lisboetas evitam a Baixa e têm razões para o fazer. Como se isto não bastasse, a metodologia que reina é a do muito fazer para que tudo fique na mesma. Portugal vive muito da cosmética, do «lavar a cara», em detrimento da verdadeira reabilitação, que tem uma componente científica muito forte e princípios internacionais em vigor. Não me choca que as intervenções no Rossio e na Praça da Figueira tenham autores diferentes. O que lamento é que não haja uma entidade a coordenar todos os projectos. Também não entendo o relativo secretismo que envolve estas obras. O património é público, logo a participação da população é muito importante. Em matéria de plano estratégico, continuamos a flutuar alegremente. É preciso começar por definir os princípios, que metodologia usar para a conservação e a recuperação do centro histórico. Era interessante começar por reabilitar um quarteirão: ficava-se com a noção dos custos, ensaiava-se uma intervenção conjunta com entidades particulares. Como a Baixa tem características arquitectónicas muito próprias, talvez fosse de ponderar a realização de uma exposição para lançar o debate sobre a sua recuperação e motivar os residentes para a intervenção que se lhe seguiria. Escolhida a estratégia e as metodologias, é importante ter em conta que cada caso é um caso. Quer isto dizer que não há receitas definidas a 100%. A recuperação dos espaços públicos tem a sua razão de ser, mas é insuficiente. A arquitectura não pode ficar limitada ao «cenário»; as pessoas são uma componente fundamental que tem de ser igualmente equacionada. Acção integrada Nuno Teotónio Pereira: co-autor do projecto da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, do edifício «Franjinhas» (Rua Braamcamp) e da estação do Cais do Sodré do Metropolitano de Lisboa A reconstrução do Chiado, respeitando obsessivamente o modelo pombalino, não foi a melhor opção. Siza Vieira exigiu que até os caixilhos das janelas fossem iguais aos pombalinos, não permitindo vidro duplo. Sendo o meu atelier responsável pela recuperação de dois prédios, não pude concordar com o «fundamentalismo» do autor no plano geral do Chiado. Um caixilho diferente marcava a intervenção ali operada, permitindo perceber que se tratava de uma reconstrução. A reconstrução do Chiado, respeitando obsessivamente o modelo pombalino, não foi a melhor opção. Siza Vieira exigiu que até os caixilhos das janelas fossem iguais aos pombalinos, não permitindo vidro duplo. Sendo o meu atelier responsável pela recuperação de dois prédios, não pude concordar com o «fundamentalismo» do autor no plano geral do Chiado. Um caixilho diferente marcava a intervenção ali operada, permitindo perceber que se tratava de uma reconstrução. Quem percorre o Chiado, não tem sinal de que houve um incêndio. Ora, acho que devia haver indícios de que houve ali uma intervenção contemporânea, com a introdução de caixilhos metálicos. No aspecto cromático, acho que as cores escolhidas para as fachadas dos edifícios são demasiado claras. Conheço e concordo com as intervenções em curso no Rossio e na Praça da Figueira. Já o projecto dos Restauradores merece algumas dúvidas: para quê mudar? Às vezes peca-se por excesso de obras na cidade. O Terreiro do Paço ganhou muito com a retirada do parque de estacionamento. Foi um acto de grande coragem de João Soares, porque os comerciantes alegavam que aquela medida lhes iria trazer grandes prejuízos. A revitalização da Baixa devia ser feita de forma integrada e convergente, e não avulsa e dispersa como tem sido a tónica. Para isso, defendo a criação de um gabinete próprio, com plenos poderes. A acção concertada das universidades no sentido de comprar prédios na Baixa e aí instalar residências universitárias poderia contribuir para a animação daquela área. A instalação de mais equipamentos culturais e a aquisição, por parte do Ministério da Solidariedade, de edifícios destinados à habitação também podia ser um importante ponto de partida para inverter a actual tendência. O Terreiro do Paço ganhou muito com a retirada do parque de estacionamento. Foi um acto de grande coragem de João Soares, porque os comerciantes alegavam que aquela medida lhes iria trazer grandes prejuízos. A revitalização da Baixa devia ser feita de forma integrada e convergente, e não avulsa e dispersa como tem sido a tónica. Para isso, defendo a criação de um gabinete próprio, com plenos poderes. A acção concertada das universidades no sentido de comprar prédios na Baixa e aí instalar residências universitárias poderia contribuir para a animação daquela área. A instalação de mais equipamentos culturais e a aquisição, por parte do Ministério da Solidariedade, de edifícios destinados à habitação também podia ser um importante ponto de partida para inverter a actual tendência. Apelo à coordenação José Manuel Fernandes: VALIS - Valorização de Lisboa (em equipa coordenada por Jorge Gaspar, 1990-93); Arquitectura na Autónoma - curso de licenciatura, organizado em equipa com Manuel Graça Dias e João Luís Carrilho da Graça (1997-2001); «Arquitectura Portuguesa - Uma Síntese», livro para a Europália 91, actualizado em 2000 A ideia de converter o famoso nº39 do Poço do Borratém para habitação destinada a jovens é uma boa notícia. Há muito que defendo que uma das medidas mais importantes para a revitalização da Baixa passa por incluir novos espaços de habitação para as camadas mais jovens. Nesta matéria, saliente-se que há já uma experiência em curso, a de um prédio que o município converteu em residência universitária. Mas é preciso ir mais longe, instalar lares de idosos na Baixa, recuperar mais espaços e dotá-los de equipamentos, transformando-os em cantinas, cafés, bibliotecas, etc.. Sendo os quarteirões uma espécie de unidade operativa da Baixa pombalina, era importante tentar uma experiência-piloto em dois ou três quarteirões que a Câmara conseguisse adquirir. Aí se levaria a cabo um projecto de recuperação completa daquela unidade, lançando um padrão de trabalho para futuras intervenções que teria a vantagem de tornar atractivos outros projectos. A Baixa pombalina é dotada de uma «filigrana» muito especial: o rés-do-chão dedicado ao comércio, a habitação nos andares de cima. É certo que o comércio tem vindo a registar uma acentuada queda, mas se houvesse um acréscimo de população da ordem dos cinco milhares de pessoas, o caso podia mudar de figura. A ideia de converter o famoso nº39 do Poço do Borratém para habitação destinada a jovens é uma boa notícia. Há muito que defendo que uma das medidas mais importantes para a revitalização da Baixa passa por incluir novos espaços de habitação para as camadas mais jovens. Nesta matéria, saliente-se que há já uma experiência em curso, a de um prédio que o município converteu em residência universitária. Mas é preciso ir mais longe, instalar lares de idosos na Baixa, recuperar mais espaços e dotá-los de equipamentos, transformando-os em cantinas, cafés, bibliotecas, etc.. Sendo os quarteirões uma espécie de unidade operativa da Baixa pombalina, era importante tentar uma experiência-piloto em dois ou três quarteirões que a Câmara conseguisse adquirir. Aí se levaria a cabo um projecto de recuperação completa daquela unidade, lançando um padrão de trabalho para futuras intervenções que teria a vantagem de tornar atractivos outros projectos. A Baixa pombalina é dotada de uma «filigrana» muito especial: o rés-do-chão dedicado ao comércio, a habitação nos andares de cima. É certo que o comércio tem vindo a registar uma acentuada queda, mas se houvesse um acréscimo de população da ordem dos cinco milhares de pessoas, o caso podia mudar de figura. Conheço o projecto da Praça da Figueira: não sendo propriamente inovador, promete ter qualidade. Já o do Rossio merece alguns reparos. Antes de mais, a cor escolhida para as fachadas dos edifícios. Porquê ocre? Saliente-se que a Baixa pombalina demorou um século a ser construída e passou por uma variada paleta de cores: desde o ocre ao branco, do azulejo ao azul-escuro... Devia realizar-se um estudo histórico sério sobre as cores dos prédios, tal como se fez para recuperar o pavimento ondulado da placa central do Rossio. Conheço o projecto da Praça da Figueira: não sendo propriamente inovador, promete ter qualidade. Já o do Rossio merece alguns reparos. Antes de mais, a cor escolhida para as fachadas dos edifícios. Porquê ocre? Saliente-se que a Baixa pombalina demorou um século a ser construída e passou por uma variada paleta de cores: desde o ocre ao branco, do azulejo ao azul-escuro... Devia realizar-se um estudo histórico sério sobre as cores dos prédios, tal como se fez para recuperar o pavimento ondulado da placa central do Rossio. O abate das árvores ¿ algumas já centenárias ¿ também me parece criticável. Sem árvores, o Verão na Baixa será simplesmente tórrido. Pelas informações de que disponho, o projecto para os Restauradores não passa de uma reinvenção. Praça da Ribeira, Rossio, Restauradores são projectos dessincronizados, desiguais, por isso duvido que resultem. Seria demais pedir que houvesse uma intervenção conjunta ou que se designasse, pelo menos, um coordenador para os três projectos? Maior divulgação dos projectos Manuel Salgado: co-autor do Centro Cultural de Belém; projecto dos espaços públicos da Expo''98; projecto da área urbana das Antas e do novo estádio do Futebol Clube do Porto Não conheço em pormenor os projectos do Rossio e da Praça da Figueira, mas penso tratar-se de intervenções ao nível do espaço público. Falta, todavia, uma intervenção estrutural, sem a qual a Baixa corre o risco de se transformar numa área marginal. Tem de se incentivar novas actividades de comércio e serviços, promover a habitação e as instalações hoteleiras. Isto passa por um investimento vultuoso ¿ é preciso indemnizar os locatários ¿ e por um procedimento «pesado», que não pode deixar de ser feito, porque, só por si, as regras de mercado não conseguirão reabilitar a Baixa em tempo útil. Não conheço em pormenor os projectos do Rossio e da Praça da Figueira, mas penso tratar-se de intervenções ao nível do espaço público. Falta, todavia, uma intervenção estrutural, sem a qual a Baixa corre o risco de se transformar numa área marginal. Tem de se incentivar novas actividades de comércio e serviços, promover a habitação e as instalações hoteleiras. Isto passa por um investimento vultuoso ¿ é preciso indemnizar os locatários ¿ e por um procedimento «pesado», que não pode deixar de ser feito, porque, só por si, as regras de mercado não conseguirão reabilitar a Baixa em tempo útil. Atente-se no caso do Chiado. Mais do que o Metro, o que contribuiu decisivamente para a revivificação daquela zona foi a abertura do centro comercial, aliado à entrada em funcionamento do parque de estacionamento do edifício da Império. Siza Vieira argumentou sempre que o estacionamento no Chiado era secundário, que havia o Metro. No entanto, houve vários estabelecimentos comerciais que acabaram por sair dali invocando que a acessibilidade era má. O erro do responsável pelo projecto do Chiado foi não ter percebido que o estacionamento era fundamental. Estou convencido que o parque da Império, conjugado com a abertura próxima do parque de estacionamento do Camões, constituirá um passo de gigante para a reabilitação do Chiado, no sentido de voltar a ser uma área nobre da cidade. Sendo os problemas urbanos cada vez mais importantes, nota-se que os projectos são pouco divulgados e pouco discutidos. As operações de «marketing» são essenciais para explicar às pessoas as ideias para a cidade, o «timing» das intervenções e como vão ficar as zonas que sofrem alterações. Lembremo-nos da Expo''98: no dia do ensaio geral, toda a gente sabia o que ia encontrar. Houve surpresas, com certeza, mas o indispensável estava apreendido. A Baixa precisa de um projecto consistente, de uma estratégia de intervenção com apoio jurídico. Os processos de envelhecimento são comuns a variadíssimas cidades europeias ¿ importa então estudar os casos bem sucedidos antes de partir para o terreno. Para começar, proporia que se escolhessem três ou quatro quarteirões e se levasse a cabo uma intervenção forte, que funcionasse como âncora de dinamização e exemplo a seguir ¿ tal como os Grandes Armazéns do Chiado o foram para a Rua do Carmo ¿ com parcerias público/privado e formas expeditas de processos de licenciamento. A criação de um gabinete de crise para a Baixa podia ser outro passo. Lembremo-nos da recuperação em tempo recorde dos Paços do Concelho, com grande qualidade arquitectónica. Contra uma cosmética da Baixa Manuel Vicente: co-autor (com José Daniel Santa-Rita) do projecto de recuperação da Casa dos Bicos; autor do pavilhão da Realidade Virtual, na Expo''98, e da piscina da Outurela, em Carnaxide A reconstrução do Chiado foi feita com timidez e provincianismo, limitando-se a glosar ¿ mais ou menos eruditamente ¿ o que lá existia antes do incêndio, sem quaisquer preocupações de dinamização. Como defendi na altura, era preciso parar, escutar e olhar, como nas passagens de nível. Não o fizeram e o resultado está à vista: o Chiado não dispõe de um parque de estacionamento para moradores, comércio e serviços. A reconstrução do Chiado foi feita com timidez e provincianismo, limitando-se a glosar ¿ mais ou menos eruditamente ¿ o que lá existia antes do incêndio, sem quaisquer preocupações de dinamização. Como defendi na altura, era preciso parar, escutar e olhar, como nas passagens de nível. Não o fizeram e o resultado está à vista: o Chiado não dispõe de um parque de estacionamento para moradores, comércio e serviços. Em meu entender, o Metro, só por si, não é suficiente. Razão por que os serviços se encontram em queda e o comércio tem sofrido muitos revezes. Faltou realismo ao projecto de Siza Vieira, excelente em registos intimistas, mas sem vocação para arquitecto de cidade. A estação do Metro é bastante criticável. Desde já, pela sua «bocarra», virada para uma companhia de seguros. Penso que A Brasileira do Chiado merecia mais consideração. E depois porque a estação é parola, pouco criativa. Intervenções como as que estão em curso no Rossio ou na Praça da Figueira são demasiado limitadas, próprias de quem quer apenas «beautificar» os lugares. Para isso, é melhor que deixem a cidade em paz! 58

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