Intervenção da Deputada Odete Santos

23-07-2001
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Intervenção da Deputada

Odete Santos

Estatuto da Ordem dos Advogados

31 de Janeiro de 2001

Sr. Presidente,

Sr. Minsitro da Justiça,

Receei que, no decurso do debate, falássemos mais de magistrados judiciais do que de advogados, pois acabou por se falar sobre os problemas de relacionamento dos tribunais com a comunicação social. Neste aspecto, penso que não adquirimos o ponto crítico que a França atingiu, aqui há uns anos, com uma grave crise neste sector.

A pergunta que quero colocar a V. Ex.ª tem a ver com o seguinte: nesta questão do tratamento do regime de uma associação pública - a Ordem dos Advogados -, há uma matéria que é propriamente estatutária, a qual consideramos até que deveria ser aprovada pela própria Ordem e não determinada pelo poder político, e há outra parte em que, obviamente, uma vez que se trata de uma associação pública, é o Estado que deve aprovar as regras a que a Ordem tem de se submeter.

Uma dessas questões é a do acesso ao direito. Nessa matéria, vejo que continua muito indefinida uma estrutura de acesso ao direito que verdadeiramente garanta aos cidadãos em Portugal a realização desse direito fundamental.

Fala-se aqui na consulta jurídica gratuita, há a defesa oficiosa, que, pelo menos em teoria, foi alterada e melhorada, mas pergunto se não era possível ter avançado mais para saber de que forma é que a Ordem dos Advogados tem intervenção numa estrutura com pés e cabeça, que creio não estar definida e que não existe, para garantir o acesso ao direito.

Não houve possibilidades de avançar mais? O que pensa a Ordem dos Advogados a esse respeito? Como se deve garantir este acesso ao direito em acções cíveis, por exemplo? É com o sistema actual de nomeação de patrono? Este sistema satisfaz, de facto, as exigências da Constituição? Mesmo em relação ao processo crime, será a situação que temos a adequada?

Sr. Ministro, o meu pedido de esclarecimento é no sentido de saber em que pé estão todas estas questões, se nos bastamos com o que temos e porque não se avançou mais numa matéria cujas regras não é da competência da Ordem dos Advogados aprovar mas, sim, nossa.

(...)

Senhor Presidente

Senhor Ministro da Justiça

Senhores Deputados

A proposta de lei que discutimos parece ter um amplo consenso na Ordem representativa dos Advogados Portugueses, pese embora algumas alterações sugeridas na audição a que procedeu a 1ª Comissão.

Algumas das alterações têm a ver com questões que dizem respeito ao Estatuto propriamente dito. Ao Estatuto de uma Associação. De uma associação pública, mas associação.

E aí nós temos até entendido que é apenas aos advogados portugueses que compete decidir sobre o estatuto da sua associação. Que não ao Estado. Esta questão vem já do I Congresso dos Advogados Portugueses, ainda realizado durante o fascismo, e parece-nos que continua a ser válida.

No entanto, quer-nos parecer que, pelo menos, em matéria propriamente estatutária terão sido acolhidas alterações, algumas inovatórias ( é o que acontece com os Conselhos de Deontologia) defendidas pela Ordem dos Advogados. Que até já estarão, quanto a algumas, traduzidas na prática.

Mas há matérias em que é ao Estado que compete definir as regras relativamente a uma associação pública. Uma vez que esta associação cumpre uma função social.

Porque se é certo que a Ordem prossegue interesses privados ( existe para defesa dos direitos e interesses dos seus associados- sem que no entanto, lhe assistam os poderes de uma associação sindical) a verdade é que não prossegue apenas esses interesses. Sendo de extraordinária relevância as finalidades de uma Associação como a Ordem, decorrentes da Constituição, nomeadamente do artigo 208º.

O patrocínio forense é fundamental na administração da Justiça, tal como se refere no texto Constitucional. Assim, a Ordem dos Advogados prossegue fins da comunidade em geral, porque o advogado desempenha uma função social, uma vez que, por seu intermédio, são colocados à disposição do cidadão os conhecimentos técnicos necessários ao Acesso ao Direito e aos tribunais.

Daí que entre as competências do Estado relativamente a uma Associação que é uma pessoa colectiva de Direito Público, se situe a questão do exercício pelos cidadãos, de um direito fundamental: o acesso ao Direito e aos Tribunais.

E se é certo que a proposta de lei não esqueceu esta questão, a verdade é que não vai tão longe quanto seria desejável, talvez porque não temos hoje, de facto, um quadro legal que possa ser considerado sequer de suficiente, relativamente à garantia daquele direito.

Uma ou outra medida tomada, para garantia da qualidade da defesa oficiosa, para possibilitar a consulta jurídica gratuita, formam um quadro legal de facto insuficiente para colocar à disposição dos cidadãos carenciados os conhecimentos técnicos de que necessita.

E não falamos sequer do apoio judiciário, cujo regime foi recentemente alterado, e que bem cedo se revelou eivado de mais vícios burocráticos do que o preexistente.

Assim, lamentamos que não se tenha ido mais longe na definição de um quadro mais vasto de intervenção da Ordem, e nos moldes em que a mesma se deveria processar, em matéria do acesso ao direito.

É que esta matéria, como de resto em relação ao acesso á profissão, ao exercício da mesma, ao poder disciplinar, está de facto reservada ao Estado, não se confundindo, de modo algum, com as áreas próprias do Estatuto de uma associação.

E se as alterações são positivas, de uma maneira geral, por exemplo em relação à matéria disciplinar, já no que, de facto, muito directamente diz respeito ao cidadão, é assaz insuficiente.

Não nos deteremos em questões de especialidade, a não ser em duas analisadas, e bem, no Relatório da 1ª Comissão pelo senhor Deputado Guilherme Silva. Para dizer que são de ponderar as reflexões constantes do Relatório.

Em 1984 o então Ministro da Justiça, Professor Rui Machete, admitiu que a pena de expulsão, constante da proposta por si apresentada, violava a proibição constitucional da aplicação de penas perpétuas. E retirou do elenco das penas disciplinares, a expulsão.

É de ponderar se, pelo menos nos casos em que a expulsão põe em causa a sobrevivência, tal como se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional citado no Relatório da Comissão, tal pena não é, de facto, inconstitucional.

Podem outras Ordens ter no seu Estatuto, esta pena. Mas em relação à Ordem dos Advogados, pela sua própria definição, exige-se uma maior rigor nos normativos a aprovar.

É por isso que, diga-se de passagem, não se compreende que o voto na ordem dos Advogados continue a ser obrigatório!

Mas ainda quanto às restrições ao direito de inscrição, estamos em crer que o Senhor Deputado Guilherme Silva tem razão ao apontar os conceitos de idoneidade moral, como condicionante daquele direito, e o conceito de crime gravemente desonroso, como determinante da recusa de inscrição ou expulsão como conceitos indeterminados, que, por tal, merecem fundada reserva.

Em sede de especialidade, teremos ocasião de proceder a correcções e ajustamentos, alguns já propostos pela Ordem, e outros que surgem deste debate na generalidade.

Senhor Presidente

Senhor Ministro da Justiça

Senhores Deputados

Pese embora a característica corporativa resultante da representação dos interesses de uma ordem profissional, a verdade é que posições públicas da Ordem, agindo dentro das suas competências ao dar parecer sobre processos legislativos, não têm nada a ver com espírito corporativo.

As críticas formuladas pela Ordem dos Advogados relativamente, por exemplo, às alterações ao Código do Processo Civil, são fundamentadas na prossecução dos interesses dos cidadãos, e não meramente em interesses privados dos Advogados.

Efectivamente, quando se adopta o novo sistema de citações e notificações, nomeadamente das notificações das testemunhas, é a própria realização da Justiça que está em causa. São os cidadãos que correm riscos, e graves. E não, directamente, os Advogados.

Quando estes , já há alguns anos, se rebelaram contra o aumento brutal das custas judiciais, fizeram-no em defesa dos cidadãos, em defesa do direito fundamental de acesso aos Tribunais e ao Direito, que não em defesa dos seus interesses privados.

Daí que, a audição da Ordem, em processos legislativos, mereça devida atenção.

Disse.

Intervenção da Deputada

Odete Santos

Estatuto da Ordem dos Advogados

31 de Janeiro de 2001

Sr. Presidente,

Sr. Minsitro da Justiça,

Receei que, no decurso do debate, falássemos mais de magistrados judiciais do que de advogados, pois acabou por se falar sobre os problemas de relacionamento dos tribunais com a comunicação social. Neste aspecto, penso que não adquirimos o ponto crítico que a França atingiu, aqui há uns anos, com uma grave crise neste sector.

A pergunta que quero colocar a V. Ex.ª tem a ver com o seguinte: nesta questão do tratamento do regime de uma associação pública - a Ordem dos Advogados -, há uma matéria que é propriamente estatutária, a qual consideramos até que deveria ser aprovada pela própria Ordem e não determinada pelo poder político, e há outra parte em que, obviamente, uma vez que se trata de uma associação pública, é o Estado que deve aprovar as regras a que a Ordem tem de se submeter.

Uma dessas questões é a do acesso ao direito. Nessa matéria, vejo que continua muito indefinida uma estrutura de acesso ao direito que verdadeiramente garanta aos cidadãos em Portugal a realização desse direito fundamental.

Fala-se aqui na consulta jurídica gratuita, há a defesa oficiosa, que, pelo menos em teoria, foi alterada e melhorada, mas pergunto se não era possível ter avançado mais para saber de que forma é que a Ordem dos Advogados tem intervenção numa estrutura com pés e cabeça, que creio não estar definida e que não existe, para garantir o acesso ao direito.

Não houve possibilidades de avançar mais? O que pensa a Ordem dos Advogados a esse respeito? Como se deve garantir este acesso ao direito em acções cíveis, por exemplo? É com o sistema actual de nomeação de patrono? Este sistema satisfaz, de facto, as exigências da Constituição? Mesmo em relação ao processo crime, será a situação que temos a adequada?

Sr. Ministro, o meu pedido de esclarecimento é no sentido de saber em que pé estão todas estas questões, se nos bastamos com o que temos e porque não se avançou mais numa matéria cujas regras não é da competência da Ordem dos Advogados aprovar mas, sim, nossa.

(...)

Senhor Presidente

Senhor Ministro da Justiça

Senhores Deputados

A proposta de lei que discutimos parece ter um amplo consenso na Ordem representativa dos Advogados Portugueses, pese embora algumas alterações sugeridas na audição a que procedeu a 1ª Comissão.

Algumas das alterações têm a ver com questões que dizem respeito ao Estatuto propriamente dito. Ao Estatuto de uma Associação. De uma associação pública, mas associação.

E aí nós temos até entendido que é apenas aos advogados portugueses que compete decidir sobre o estatuto da sua associação. Que não ao Estado. Esta questão vem já do I Congresso dos Advogados Portugueses, ainda realizado durante o fascismo, e parece-nos que continua a ser válida.

No entanto, quer-nos parecer que, pelo menos, em matéria propriamente estatutária terão sido acolhidas alterações, algumas inovatórias ( é o que acontece com os Conselhos de Deontologia) defendidas pela Ordem dos Advogados. Que até já estarão, quanto a algumas, traduzidas na prática.

Mas há matérias em que é ao Estado que compete definir as regras relativamente a uma associação pública. Uma vez que esta associação cumpre uma função social.

Porque se é certo que a Ordem prossegue interesses privados ( existe para defesa dos direitos e interesses dos seus associados- sem que no entanto, lhe assistam os poderes de uma associação sindical) a verdade é que não prossegue apenas esses interesses. Sendo de extraordinária relevância as finalidades de uma Associação como a Ordem, decorrentes da Constituição, nomeadamente do artigo 208º.

O patrocínio forense é fundamental na administração da Justiça, tal como se refere no texto Constitucional. Assim, a Ordem dos Advogados prossegue fins da comunidade em geral, porque o advogado desempenha uma função social, uma vez que, por seu intermédio, são colocados à disposição do cidadão os conhecimentos técnicos necessários ao Acesso ao Direito e aos tribunais.

Daí que entre as competências do Estado relativamente a uma Associação que é uma pessoa colectiva de Direito Público, se situe a questão do exercício pelos cidadãos, de um direito fundamental: o acesso ao Direito e aos Tribunais.

E se é certo que a proposta de lei não esqueceu esta questão, a verdade é que não vai tão longe quanto seria desejável, talvez porque não temos hoje, de facto, um quadro legal que possa ser considerado sequer de suficiente, relativamente à garantia daquele direito.

Uma ou outra medida tomada, para garantia da qualidade da defesa oficiosa, para possibilitar a consulta jurídica gratuita, formam um quadro legal de facto insuficiente para colocar à disposição dos cidadãos carenciados os conhecimentos técnicos de que necessita.

E não falamos sequer do apoio judiciário, cujo regime foi recentemente alterado, e que bem cedo se revelou eivado de mais vícios burocráticos do que o preexistente.

Assim, lamentamos que não se tenha ido mais longe na definição de um quadro mais vasto de intervenção da Ordem, e nos moldes em que a mesma se deveria processar, em matéria do acesso ao direito.

É que esta matéria, como de resto em relação ao acesso á profissão, ao exercício da mesma, ao poder disciplinar, está de facto reservada ao Estado, não se confundindo, de modo algum, com as áreas próprias do Estatuto de uma associação.

E se as alterações são positivas, de uma maneira geral, por exemplo em relação à matéria disciplinar, já no que, de facto, muito directamente diz respeito ao cidadão, é assaz insuficiente.

Não nos deteremos em questões de especialidade, a não ser em duas analisadas, e bem, no Relatório da 1ª Comissão pelo senhor Deputado Guilherme Silva. Para dizer que são de ponderar as reflexões constantes do Relatório.

Em 1984 o então Ministro da Justiça, Professor Rui Machete, admitiu que a pena de expulsão, constante da proposta por si apresentada, violava a proibição constitucional da aplicação de penas perpétuas. E retirou do elenco das penas disciplinares, a expulsão.

É de ponderar se, pelo menos nos casos em que a expulsão põe em causa a sobrevivência, tal como se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional citado no Relatório da Comissão, tal pena não é, de facto, inconstitucional.

Podem outras Ordens ter no seu Estatuto, esta pena. Mas em relação à Ordem dos Advogados, pela sua própria definição, exige-se uma maior rigor nos normativos a aprovar.

É por isso que, diga-se de passagem, não se compreende que o voto na ordem dos Advogados continue a ser obrigatório!

Mas ainda quanto às restrições ao direito de inscrição, estamos em crer que o Senhor Deputado Guilherme Silva tem razão ao apontar os conceitos de idoneidade moral, como condicionante daquele direito, e o conceito de crime gravemente desonroso, como determinante da recusa de inscrição ou expulsão como conceitos indeterminados, que, por tal, merecem fundada reserva.

Em sede de especialidade, teremos ocasião de proceder a correcções e ajustamentos, alguns já propostos pela Ordem, e outros que surgem deste debate na generalidade.

Senhor Presidente

Senhor Ministro da Justiça

Senhores Deputados

Pese embora a característica corporativa resultante da representação dos interesses de uma ordem profissional, a verdade é que posições públicas da Ordem, agindo dentro das suas competências ao dar parecer sobre processos legislativos, não têm nada a ver com espírito corporativo.

As críticas formuladas pela Ordem dos Advogados relativamente, por exemplo, às alterações ao Código do Processo Civil, são fundamentadas na prossecução dos interesses dos cidadãos, e não meramente em interesses privados dos Advogados.

Efectivamente, quando se adopta o novo sistema de citações e notificações, nomeadamente das notificações das testemunhas, é a própria realização da Justiça que está em causa. São os cidadãos que correm riscos, e graves. E não, directamente, os Advogados.

Quando estes , já há alguns anos, se rebelaram contra o aumento brutal das custas judiciais, fizeram-no em defesa dos cidadãos, em defesa do direito fundamental de acesso aos Tribunais e ao Direito, que não em defesa dos seus interesses privados.

Daí que, a audição da Ordem, em processos legislativos, mereça devida atenção.

Disse.

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