Suplemento Y

14-07-2001
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Sexta-feira, 6 de Abril de 2001

Le Hammond Inferno

My First Political Dance Album (8/10)

Bungalow, distri. EMI-VC

Capa a imitar KLF, entrada a recitar Kraftwerk, samples de Stone Roses pelo meio. Sem cartas na manga, tudo sacado numa desportiva e à vista desarmada, numa ostentação claramente jucosa. Assim se estreia Le Hammond Inferno, aliás a dupla alemã Marcus e Holger, proprietária da Bungalow, editora responsável por alguns dos projectos pop dançantes e loung core mais delirantes dos anos 90 (Stereo Total, Fantastic Plastic Machine, Maxwell Explosion). Le Hammond Inferno é a sua bricolage dançante, uma espécie de súmula dos paradoxos ligeiros que vêm comercializando. Outra maneira de dizer que "My First Political Dance Album" é uma sucessão de pudins instantâneos de sabores plásticos, servidos sobre uma bandeja de house. Produzindo música de dança que faz dançar na mesma medida em que goza com a música de dança, Le Hammond Inferno soa como uma versão hardcore dos Basement Jaxx e dos Daft Punk. LM

Vários

Brazilectro Session 2 (3/10)

Audiopharm, distri. Megamúsica

O segundo volume de "Brazilectro" tem, tal como o primeiro, todos os nomes certos no capítulo da música de discoteca de sabores brasileiros. A lista vai dos ingleses Faze Action e Da Lata aos alemães Marschmellows e Truby Trio, não esquecendo os japoneses UFO e Fukutomi. Pelo meio, no entanto, há duplicações pirosas do seu deejaying globalizante, e quando um álbum abre com uma tal de Janice a recitar os velhos lugares comuns do turismo brasileiro (caipirinha, praia e futebol) dá logo vontade de torcer o nariz. Mas o problema maior não é esse - é a falta de um conceito ou um nexo narrativo nesta compilação organizada pelo DJ "residente" da editora, que responde pelo nome de Paco da Cruz. Noutro contexto, ou programados com outra dinâmica uma boa metade destes títulos proporcionaria uma excelente amostra do que tem sido a fecunda interpelação de DJs e produtores ao samba e à bossa nova. LM

Vários

The Highlife Allstars: Sankofa (8/10)

Network, distri. Megamúsica

Fala-se muito, mas ouve-se pouco "highlife" nos circuitos actuais da world music. Esta música urbana do Gana deve o seu nome aos mirones que ficavam à porta dos bailes de sociedade dos anos 20 e chamavam "highlife" à diversão de matriz europeia que se passava lá dentro. Rapidamente se africanizou num estilo híbrido que se tornou um dos primeiros fenómenos de sucesso panafricano na década de 50. O caos político do país e uma indústria musical dominada por mafiosos ditou o seu declínio e a emigração dos seus principais expoentes desde os anos 70 (lembram-se dos Osibisa?), mas o género nunca morreu, como demonstra esta compilação. A selecção vai da tradicional música de baile de Alex Konadu ao estilo contemplativo de Kwadwo Tawiah, passando pela versão mais juvenil de Prince Osei Kofi. Se não é uma montra definitiva do highlife, é pelo menos uma introdução perfeitamente recomendável. LM

Nick Cave & The Bad Seeds

No More Shall We Part (8/10)

Mute, distri. Zona Música

"No More Shall We Part" é um objecto estranho. Não se afasta um mílimetro do imaginário familar de Nick Cave, mas não partilha do mesmo clima de tensão dramática. É um disco dominado por uma atmosfera de lacónica melancolia, raramente inflectindo para os extremos emotivos que antes o iluminavam. A mudança é desde logo patente na sua paleta sonora, onde as guitarras eléctricas e a secção rítmica são relegadas para segundo plano, ou de todo desaparecem. Dão lugar a doces melodias de pianos e discretos arranjos de cordas, enquanto o próprio Cave raramente levanta a voz acima de um crooning dissoluto.

Mas esta reforma sonora será já uma consequência de outra mais profunda. A que se prende com a própria atitude de Cave. Antes, como agora, o seu discurso é uma adaptação livre no imaginário bíblico. Mas enquanto passou década e meia a revolver nas histórias lúgrubes do Deus punitivo do Antigo Testamento, agora coloca-se na posição expectante do crente que corteja a graça do Messias.

"No More Shall We Part" soa então como o álbum mais intimista de Nick Cave. Este é o disco em que passa o tempo a falar da sua enfermeira, encarando o amor conjugal como uma terapia salvífica, e os desvios, as promessas quebradas e as tentações de solidão como doentias recaídas. A enfermeira, obviamente, identifica-se com uma figura angélica, abrindo as portas para o jardim do paraíso celeste, e este é também o álbum em que pela primeira vez Cave confronta a sua visão idílica de uma terreola cristã de província com a babilónia de heresias do mundo actual.

Chegamos, assim, ao ponto inverosímil em que o antigo anti-cristo faz canções lamentando a triste figura de drogados, homossexuais e políticos, enquanto jura à esposa nunca mais a deixar e passa o disco a louvar a Deus com múltiplos aleluias. E o mais bizarro é que não há o mínimo indício de ironia nesta hora de música que se escuta como quem espreita num confessionário.

Como todo o grande pecador arrependido, no entanto, as histórias de Cave são sumarentas e o seu permanente dilema entre o bem e o mal, a sua dolorosa demanda de transcendência soam de tal modo viscerais e humanas que acabarão por tocar mesmo os ateus mais convictos.

As canções recortadas sob o novo modelo, de resto, são quase todas soberbas, de uma perfeição compositiva, de uma densidade de arranjos e sobretudo de uma excelência interpretativa verdadeiramente notáveis, contribuindo para conferir credibilidade a uma mensagem que por si só pode soar alucinada. Dado esse superior quilate dos novos hinos religiosos, o par de descargas de electricidade negativa que pelo meio perturbam a tranquilidade litúrgica do alinhamento acabam por soar algo descabidas e anacrónicas.

Será que depois deste Cave apostólico se conseguem ainda ouvir os seus rituais de assombração gótica de antigamente? Luís Maio

Pressure Drop

Tead

Sony

(6/10)

Os veteranos Pressure Drop estão de regresso com o quarto álbum de originais. Foram pioneiros na cena trip-hop de ambiente Mo Wax, e têm pautado a sua carreira por uma certa instabilidade produtiva, com resultados que oscilam entre o bom e o mau. Neste início de milénio, o grupo aponta samplers e instrumentos para as influências da música negra que têm marcado a sua música e avança com novas pistas no sentido da diversidade e da exploração de novos caminhos sonoros baseados no modelo de canção. "Tread" é um álbum versátil e diversificado que reparte energias por duas frentes distintas. A colaboração da cantora Vanessa Freeman serve de pretexto para a revisitação de modelos clássicos e excelentes composições em ambientes hip-hop, jazz, blues, soul, onde é notório um piscar de olho aos "standards" e uma certa encenação dramática de inspiração cinematográfica. São cinco canções mais "adultas" e maduras, características que se reflectem tanto nas letras como na elaboração musical. O resto do álbum está dominado por um clima de diversão e regresso ao passado e, simultaneamente, por uma abordagem mais física e um discurso mais pragmático e interventivo. O reagge e o ragga misturam-se com hip-hop e reminiscências electro em clima de festa de rua, ou aceleram para ritmos mais rápidos da altura em que o drum'n'bass ainda era jungle. O dub surge como um exercício de estilo em jeito de homenagem aos discos jamaianos que certamente fazem parte da colecção pessoal dos Pressure Drop. Pelo meio, há incursões funky e divagações instrumentais que parecem dominadas pelo puro gozo, onde não faltam sons de "feira popular". Memórias da adolescência? Possivelmente. O resultado final é convincente sem ser brilhante, mas não faltam aqui indícios de que os Pressure Drop continuam com potencial e capacidade suficientes para vir a assinar um grande disco. São os próprios que não se cansam de afirmar "You gotta move forward, to do more good". Mas à cautela aconselham "watch the rebound". Se calhar é por isso que navegam à vista. Rui Portulez

Superego

A Lenda da Irresponsabilidade do Poeta

Metrodiscos, distri. Zona Música

7/10

Rodeado à nascença de alguma polémica, este disco de estreia desta banda de Aveiro liderada por Jorge Cruz, vocalista e autor de todos os textos, lança uma lufada de ar fresco no cada vez mais asfixiante panorama do rock português. É verdade que "A Lenda da Irresponsabilidade do Poeta" é um título, além de pomposo, irritante, mas isso não impede a verificação de que estamos perante uma fusão bem sucedida entre urbanidade e ruralidade, raiva e isolamento, a paranóia do afastamento e o silêncio dos campos. Viagem circular, sem saída, dita, preto no branco, em "Dívidas (a liberdade da solidão), documentário cru servido com tempero rock que, uma vez posto a tocar no leitor de CD, é difícil de arrancar de lá. As vocalizações de Jorge Cruz acompanham a forma pouco habitual como os Superego entendem o ritmo, aspecto que permite enquadrar "A Lenda..." na ala rock da editora Recommended, representada por grupos como No Safety, The Momes, The Work ou Forever Eisntein. Podia era ter-se evitado o manifesto redigido na capa. Francisco Louçã, já cá temos um.

Fernando Magalhães

Andromeda

Definitive Collection

2xCD Angelair, iport. Megamúsica

7/10

Em vinilo, "Andromeda", de 1968, único álbum de originais lançado nos anos 60 por esta banda obscura, é uma raridade dispendiosa. A presente reedição, servida pela indispensável remasterização, dobra no entanto a parada, amontoando em dois CD uma quantidade adicional de versões ao vivo, demos (para um segundo álbum nunca editado) e cinco contribuições do grupo para um programa "Top Gear" de John Peel. "Andromeda" destina-se prioritariamente aos apreciadores e arqueólogos de hard rock mas uma audição despreconceituosa (e paciente...) permitirá a descoberta, entre os riffs imaculados do guitarrista John du Cann (mais tarde nos Atomic Rooster), de súbitas deslocações rítmicas, ênfases em pormenores que "não deviam estar lá", vocalizações em tons menores e desvios para escalas exóticas que remetem para o mesmo tipo de rock psicadélico/progressivo de bandas como os T2, High Tide ou Clear Blue Sky. O próprio John du Cann conta como era, nas extensas notas de capa. F. M.

Fibla

Soundscopes

Quatermass, distri. Ananana

7/10

Fibla é Vicent Fibla, um catalão de Barcelona que já participou numa série de colectâneas ao lado de nomes como os Plaid e Atom Heart, incluindo a recente "Sub Rosa vs. Rather Interesting", onde um tema seu foi remisturado por Lisa Carbon. "Soundscopes" tem todos os defeitos e virtudes que afectam grande parte da actual produção neste tipo de electrónica que começou por ser "terra de ninguém" e hoje se encontra superpovoada. Se a manipulação e organização formal dos "clicks", "cuts", técnicas de "dub", programações e outras ferramentas indispensáveis a todo o bom artífice da electrónica, tendência minimalista, é impecável, o que delas resulta encontra alguma dificuldade em afirmar-se como objecto autónomo e original. Entre tantos abstraccionismos e constantes desmembramentos do "groove" que deixam a música a ofegar, adquire maior relevo a emergência de melodias Kreidlerianas que emprestam alguma humanidade a estas "paisagens sonoras" dominadas pelas máquinas. F. M.

Eric Clapton

Reptile

Reprise, distri. Warner Music

7/10

Quem esperava o Eric Clapton absolutamente bluesmen de "From The Cradle" ou do excelente "Riding with the King", do ano passado, encontra em "Reptile" um Clapton a navegar em muitas águas (blues, jazz, soul, samba), um pouco à imagem do show que Lisboa teve a honra de receber em Fevereiro. A grande virtude de Clapton é executar tudo com o seu reconhecido virtuosismo, seja no samba que dá nome ao CD, seja no magnífico blues "Got you in my mind", seja ainda quando envereda pelo terreno "soul" de Ray Charles, em "Come back baby" ou no "funky" de Stevie Wonder, em "I ain't gonna stand for it". O album conta, aliás, com inúmeras versões, de "Travelin' light" de J. J. Cale, a um slow belíssimo de James Taylor, "Don't let me be lonely tonight". De Eric Clapton, verdadeiramente e em grande estilo, temos "Superman Inside", composto a meias com o guitarrista Doyle Bramhall II, cuja banda fez a primeira parte do concerto de Lisboa. O album termina com mais um instrumental, o acústico "Son & Sylvia", que nada acrescenta à obra de um Eric Clapton que faz tudo bem, mas de quem gostaríamos que fosse mais fiel a si próprio. Nuno Ferreira

Sexta-feira, 6 de Abril de 2001

Le Hammond Inferno

My First Political Dance Album (8/10)

Bungalow, distri. EMI-VC

Capa a imitar KLF, entrada a recitar Kraftwerk, samples de Stone Roses pelo meio. Sem cartas na manga, tudo sacado numa desportiva e à vista desarmada, numa ostentação claramente jucosa. Assim se estreia Le Hammond Inferno, aliás a dupla alemã Marcus e Holger, proprietária da Bungalow, editora responsável por alguns dos projectos pop dançantes e loung core mais delirantes dos anos 90 (Stereo Total, Fantastic Plastic Machine, Maxwell Explosion). Le Hammond Inferno é a sua bricolage dançante, uma espécie de súmula dos paradoxos ligeiros que vêm comercializando. Outra maneira de dizer que "My First Political Dance Album" é uma sucessão de pudins instantâneos de sabores plásticos, servidos sobre uma bandeja de house. Produzindo música de dança que faz dançar na mesma medida em que goza com a música de dança, Le Hammond Inferno soa como uma versão hardcore dos Basement Jaxx e dos Daft Punk. LM

Vários

Brazilectro Session 2 (3/10)

Audiopharm, distri. Megamúsica

O segundo volume de "Brazilectro" tem, tal como o primeiro, todos os nomes certos no capítulo da música de discoteca de sabores brasileiros. A lista vai dos ingleses Faze Action e Da Lata aos alemães Marschmellows e Truby Trio, não esquecendo os japoneses UFO e Fukutomi. Pelo meio, no entanto, há duplicações pirosas do seu deejaying globalizante, e quando um álbum abre com uma tal de Janice a recitar os velhos lugares comuns do turismo brasileiro (caipirinha, praia e futebol) dá logo vontade de torcer o nariz. Mas o problema maior não é esse - é a falta de um conceito ou um nexo narrativo nesta compilação organizada pelo DJ "residente" da editora, que responde pelo nome de Paco da Cruz. Noutro contexto, ou programados com outra dinâmica uma boa metade destes títulos proporcionaria uma excelente amostra do que tem sido a fecunda interpelação de DJs e produtores ao samba e à bossa nova. LM

Vários

The Highlife Allstars: Sankofa (8/10)

Network, distri. Megamúsica

Fala-se muito, mas ouve-se pouco "highlife" nos circuitos actuais da world music. Esta música urbana do Gana deve o seu nome aos mirones que ficavam à porta dos bailes de sociedade dos anos 20 e chamavam "highlife" à diversão de matriz europeia que se passava lá dentro. Rapidamente se africanizou num estilo híbrido que se tornou um dos primeiros fenómenos de sucesso panafricano na década de 50. O caos político do país e uma indústria musical dominada por mafiosos ditou o seu declínio e a emigração dos seus principais expoentes desde os anos 70 (lembram-se dos Osibisa?), mas o género nunca morreu, como demonstra esta compilação. A selecção vai da tradicional música de baile de Alex Konadu ao estilo contemplativo de Kwadwo Tawiah, passando pela versão mais juvenil de Prince Osei Kofi. Se não é uma montra definitiva do highlife, é pelo menos uma introdução perfeitamente recomendável. LM

Nick Cave & The Bad Seeds

No More Shall We Part (8/10)

Mute, distri. Zona Música

"No More Shall We Part" é um objecto estranho. Não se afasta um mílimetro do imaginário familar de Nick Cave, mas não partilha do mesmo clima de tensão dramática. É um disco dominado por uma atmosfera de lacónica melancolia, raramente inflectindo para os extremos emotivos que antes o iluminavam. A mudança é desde logo patente na sua paleta sonora, onde as guitarras eléctricas e a secção rítmica são relegadas para segundo plano, ou de todo desaparecem. Dão lugar a doces melodias de pianos e discretos arranjos de cordas, enquanto o próprio Cave raramente levanta a voz acima de um crooning dissoluto.

Mas esta reforma sonora será já uma consequência de outra mais profunda. A que se prende com a própria atitude de Cave. Antes, como agora, o seu discurso é uma adaptação livre no imaginário bíblico. Mas enquanto passou década e meia a revolver nas histórias lúgrubes do Deus punitivo do Antigo Testamento, agora coloca-se na posição expectante do crente que corteja a graça do Messias.

"No More Shall We Part" soa então como o álbum mais intimista de Nick Cave. Este é o disco em que passa o tempo a falar da sua enfermeira, encarando o amor conjugal como uma terapia salvífica, e os desvios, as promessas quebradas e as tentações de solidão como doentias recaídas. A enfermeira, obviamente, identifica-se com uma figura angélica, abrindo as portas para o jardim do paraíso celeste, e este é também o álbum em que pela primeira vez Cave confronta a sua visão idílica de uma terreola cristã de província com a babilónia de heresias do mundo actual.

Chegamos, assim, ao ponto inverosímil em que o antigo anti-cristo faz canções lamentando a triste figura de drogados, homossexuais e políticos, enquanto jura à esposa nunca mais a deixar e passa o disco a louvar a Deus com múltiplos aleluias. E o mais bizarro é que não há o mínimo indício de ironia nesta hora de música que se escuta como quem espreita num confessionário.

Como todo o grande pecador arrependido, no entanto, as histórias de Cave são sumarentas e o seu permanente dilema entre o bem e o mal, a sua dolorosa demanda de transcendência soam de tal modo viscerais e humanas que acabarão por tocar mesmo os ateus mais convictos.

As canções recortadas sob o novo modelo, de resto, são quase todas soberbas, de uma perfeição compositiva, de uma densidade de arranjos e sobretudo de uma excelência interpretativa verdadeiramente notáveis, contribuindo para conferir credibilidade a uma mensagem que por si só pode soar alucinada. Dado esse superior quilate dos novos hinos religiosos, o par de descargas de electricidade negativa que pelo meio perturbam a tranquilidade litúrgica do alinhamento acabam por soar algo descabidas e anacrónicas.

Será que depois deste Cave apostólico se conseguem ainda ouvir os seus rituais de assombração gótica de antigamente? Luís Maio

Pressure Drop

Tead

Sony

(6/10)

Os veteranos Pressure Drop estão de regresso com o quarto álbum de originais. Foram pioneiros na cena trip-hop de ambiente Mo Wax, e têm pautado a sua carreira por uma certa instabilidade produtiva, com resultados que oscilam entre o bom e o mau. Neste início de milénio, o grupo aponta samplers e instrumentos para as influências da música negra que têm marcado a sua música e avança com novas pistas no sentido da diversidade e da exploração de novos caminhos sonoros baseados no modelo de canção. "Tread" é um álbum versátil e diversificado que reparte energias por duas frentes distintas. A colaboração da cantora Vanessa Freeman serve de pretexto para a revisitação de modelos clássicos e excelentes composições em ambientes hip-hop, jazz, blues, soul, onde é notório um piscar de olho aos "standards" e uma certa encenação dramática de inspiração cinematográfica. São cinco canções mais "adultas" e maduras, características que se reflectem tanto nas letras como na elaboração musical. O resto do álbum está dominado por um clima de diversão e regresso ao passado e, simultaneamente, por uma abordagem mais física e um discurso mais pragmático e interventivo. O reagge e o ragga misturam-se com hip-hop e reminiscências electro em clima de festa de rua, ou aceleram para ritmos mais rápidos da altura em que o drum'n'bass ainda era jungle. O dub surge como um exercício de estilo em jeito de homenagem aos discos jamaianos que certamente fazem parte da colecção pessoal dos Pressure Drop. Pelo meio, há incursões funky e divagações instrumentais que parecem dominadas pelo puro gozo, onde não faltam sons de "feira popular". Memórias da adolescência? Possivelmente. O resultado final é convincente sem ser brilhante, mas não faltam aqui indícios de que os Pressure Drop continuam com potencial e capacidade suficientes para vir a assinar um grande disco. São os próprios que não se cansam de afirmar "You gotta move forward, to do more good". Mas à cautela aconselham "watch the rebound". Se calhar é por isso que navegam à vista. Rui Portulez

Superego

A Lenda da Irresponsabilidade do Poeta

Metrodiscos, distri. Zona Música

7/10

Rodeado à nascença de alguma polémica, este disco de estreia desta banda de Aveiro liderada por Jorge Cruz, vocalista e autor de todos os textos, lança uma lufada de ar fresco no cada vez mais asfixiante panorama do rock português. É verdade que "A Lenda da Irresponsabilidade do Poeta" é um título, além de pomposo, irritante, mas isso não impede a verificação de que estamos perante uma fusão bem sucedida entre urbanidade e ruralidade, raiva e isolamento, a paranóia do afastamento e o silêncio dos campos. Viagem circular, sem saída, dita, preto no branco, em "Dívidas (a liberdade da solidão), documentário cru servido com tempero rock que, uma vez posto a tocar no leitor de CD, é difícil de arrancar de lá. As vocalizações de Jorge Cruz acompanham a forma pouco habitual como os Superego entendem o ritmo, aspecto que permite enquadrar "A Lenda..." na ala rock da editora Recommended, representada por grupos como No Safety, The Momes, The Work ou Forever Eisntein. Podia era ter-se evitado o manifesto redigido na capa. Francisco Louçã, já cá temos um.

Fernando Magalhães

Andromeda

Definitive Collection

2xCD Angelair, iport. Megamúsica

7/10

Em vinilo, "Andromeda", de 1968, único álbum de originais lançado nos anos 60 por esta banda obscura, é uma raridade dispendiosa. A presente reedição, servida pela indispensável remasterização, dobra no entanto a parada, amontoando em dois CD uma quantidade adicional de versões ao vivo, demos (para um segundo álbum nunca editado) e cinco contribuições do grupo para um programa "Top Gear" de John Peel. "Andromeda" destina-se prioritariamente aos apreciadores e arqueólogos de hard rock mas uma audição despreconceituosa (e paciente...) permitirá a descoberta, entre os riffs imaculados do guitarrista John du Cann (mais tarde nos Atomic Rooster), de súbitas deslocações rítmicas, ênfases em pormenores que "não deviam estar lá", vocalizações em tons menores e desvios para escalas exóticas que remetem para o mesmo tipo de rock psicadélico/progressivo de bandas como os T2, High Tide ou Clear Blue Sky. O próprio John du Cann conta como era, nas extensas notas de capa. F. M.

Fibla

Soundscopes

Quatermass, distri. Ananana

7/10

Fibla é Vicent Fibla, um catalão de Barcelona que já participou numa série de colectâneas ao lado de nomes como os Plaid e Atom Heart, incluindo a recente "Sub Rosa vs. Rather Interesting", onde um tema seu foi remisturado por Lisa Carbon. "Soundscopes" tem todos os defeitos e virtudes que afectam grande parte da actual produção neste tipo de electrónica que começou por ser "terra de ninguém" e hoje se encontra superpovoada. Se a manipulação e organização formal dos "clicks", "cuts", técnicas de "dub", programações e outras ferramentas indispensáveis a todo o bom artífice da electrónica, tendência minimalista, é impecável, o que delas resulta encontra alguma dificuldade em afirmar-se como objecto autónomo e original. Entre tantos abstraccionismos e constantes desmembramentos do "groove" que deixam a música a ofegar, adquire maior relevo a emergência de melodias Kreidlerianas que emprestam alguma humanidade a estas "paisagens sonoras" dominadas pelas máquinas. F. M.

Eric Clapton

Reptile

Reprise, distri. Warner Music

7/10

Quem esperava o Eric Clapton absolutamente bluesmen de "From The Cradle" ou do excelente "Riding with the King", do ano passado, encontra em "Reptile" um Clapton a navegar em muitas águas (blues, jazz, soul, samba), um pouco à imagem do show que Lisboa teve a honra de receber em Fevereiro. A grande virtude de Clapton é executar tudo com o seu reconhecido virtuosismo, seja no samba que dá nome ao CD, seja no magnífico blues "Got you in my mind", seja ainda quando envereda pelo terreno "soul" de Ray Charles, em "Come back baby" ou no "funky" de Stevie Wonder, em "I ain't gonna stand for it". O album conta, aliás, com inúmeras versões, de "Travelin' light" de J. J. Cale, a um slow belíssimo de James Taylor, "Don't let me be lonely tonight". De Eric Clapton, verdadeiramente e em grande estilo, temos "Superman Inside", composto a meias com o guitarrista Doyle Bramhall II, cuja banda fez a primeira parte do concerto de Lisboa. O album termina com mais um instrumental, o acústico "Son & Sylvia", que nada acrescenta à obra de um Eric Clapton que faz tudo bem, mas de quem gostaríamos que fosse mais fiel a si próprio. Nuno Ferreira

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