Fiscalidade: partidos do bloco central têm a mesma política

20-03-2002
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Fiscalidade: Partidos do Bloco Central Têm a Mesma Política

Por JOÃO RAMOS DE ALMEIDA

Terça-feira, 5 de Março de 2002

O combate à evasão tem sido pouco eficaz

Os partidos do bloco central têm um comportamento semelhante face à questão fiscal, designadamente no combate à evasão fiscal ou no desagravamento dos contribuintes. Quando estão na oposição prometem intenções de princípio, mas no poder assumem uma atitude pragmática de quem tem de gerir as contas do país.

No tempo dos governos de Cavaco Silva ou de Fernando Nogueira, a questão fiscal foi minorada. Nessa altura, não se falava de choque fiscal e os sinais de evasão já eram todos conhecidos, tanto no IRS, como no IRC. Não era referida a quebra do sigilo bancário - lei criada nos anos 80 quando se tornaram públicas as dívidas bancárias de Sá Carneiro. Os responsáveis governamentais pela administração fiscal apareciam relacionados a casos polémicos de perdões fiscais. O fisco, sem adaptação desde a reforma fiscal de 1989, desorganizada e com chefias politizadas, dava sinais de estagnar. Apesar da criminalização do abuso fiscal, a dissuasão era sapada com amnistias várias e planos especiais de regularização.

Na oposição, o PS dava razão a todas as queixas. Denunciava a politização do aparelho fiscal, as injustiças. "O combate à fraude fiscal é uma forma de justiça fiscal", dizia António Guterres. Prometeu uma reforma ao património e "reduzir ou abolir a sisa" (PÚBLICO, 22/9/1995). Na defensiva, Cavaco Silva respondia: "Repare que todos os anos actualizamos os escalões e os abatimentos em valores que não são inferiores à inflação" (PÚBLICO, 29/3/95). Fernando Nogueira prometeu mais do mesmo nas eleições de 1995.

Apesar da campanha, quando o PS entrou no Governo retraiu-se. Nos dois primeiros anos, pouco se alterou, porque o euro ia ser introduzido em 1999. O estudo encomendado pelo Governo PSD a José Silva Lopes e divulgado em 1996 foi engavetado. Foram antes criadas dezenas de grupos de trabalho. Em 1997, o Governo aprovou uma resolução com as linhas do que designou por reforma fiscal, em curso e em pequenos passos. Negou-se a promessa de reforma fiscal. "O Governo não tinha no programa nenhuma promessa de reforma fiscal. Portanto, se alguém prometeu, nalgum comício, extinguir a sisa, isso não é propriamente um compromisso autorizado", afirmou o ministro Sousa Franco ("Expresso", 2/10/99).

Foi anunciada uma maior coordenação do Estado no combate à evasão e fraude fiscais. Mas a estrutura criada (UCLEFA) nunca teve uma eficiência prática e, em 2001, reanunciou-se a sua dinamização. A Administração-Geral Tributária, criada para fazer "dialogar" as direcções-gerais tributárias (Impostos, Informática e Alfândegas), empancou na "quinta" de cada director-geral. Sousa Franco levantava-se furioso de cada vez que alguém anunciava o fim do sigilo bancário. A politização das chefias do fisco deu lugar a um "deixa andar". Os rumores de corrupção avolumaram-se e a política fiscal seguiu de perto as pressões de "lobbies".

Ao mesmo tempo, o PS louvava o desagravamento fiscal. Nos primeiros anos, a entrada de receitas fiscais acima do crescimento da economia camuflou a situação real. O maior encaixe "só pode ser explicado por uma reforma fiscal em curso", afirmou então o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. "Há uma muito maior eficácia da administração tributária no seu conjunto" (revista "EuroContas", Julho de 1999).

Em 1999 - com o euro introduzido, com as receitas fiscais a crescer a 8,1 por cento e com as novas eleições à porta -, voltaram as promessas. Foi defendido pelo PS um "conjunto de tarefas": eco-tributação, uma lei de bases da tributação do rendimento, reformulação dos benefícios fiscais, novo código para infracções fiscais, a reforma do património. Mas, de novo, nada apareceu no programa de eleições como "compromisso autorizado".

Já do lado do PSD, as ideias eram as de quem estava na oposição. Prometeu-se reduções de IRS para todos e da taxa de IRC. Cavaco Silva apresentou, em Junho de 1999, a sua proposta de choque fiscal de que o actual PSD não fez inteiramente eco: redução da taxa máxima de IRS de 40 para 35 por cento, redução em dois anos da taxa de IRC em quatro pontos percentuais, redução da contribuição patronal para a segurança social em quatro pontos percentuais (de 23,75 para 19,75), subida em dois pontos percentuais da taxa de IVA e fim do sigilo bancário para combater a fraude e evasão fiscais.

Mas o PS voltou a ganhar as eleições. Logo de imediato, Joaquim Pina Moura tornou o relatório Silva Lopes na "matriz" da reforma. Meses depois, Guterres prometeu alargar a base dos contribuintes com o regime simplificado, englobar as mais-valias e os dividendos; para combater a fraude e evasão fiscais, ia quebrar o sigilo bancário "com a prudência necessária" e proceder à "verificação rigorosa, expedita e justa" dos movimentos das sucursais financeiras exteriores com a zona franca da Madeira. E tudo com um desagravamento fiscal de IRS e criação de um novo escalão. Como Guterres disse no Parlamento: era o "momento de ruptura com o entorpecimento".

A reforma entrou em vigor em Janeiro de 2001, mas em Setembro desse ano, a remodelação governamental arrastou o ministro das Finanças e alterou o pensamento do primeiro-ministro na área fiscal. O combate à evasão e fraude fiscais ainda está nos primórdios.

À beira de novas eleições, as promessas voltam. Mas o cenário é o mais apertado possível. Em 2001, a receita subiu apenas 4,4 por cento face à de 2000. Por duas vezes, o Governo foi forçado a rever as metas do Orçamento. O próximo governo terá uma pesada tarefa entre mãos e ter-se-á de armar da coragem de forçar a porta de quem não paga impostos.

Fiscalidade: Partidos do Bloco Central Têm a Mesma Política

Por JOÃO RAMOS DE ALMEIDA

Terça-feira, 5 de Março de 2002

O combate à evasão tem sido pouco eficaz

Os partidos do bloco central têm um comportamento semelhante face à questão fiscal, designadamente no combate à evasão fiscal ou no desagravamento dos contribuintes. Quando estão na oposição prometem intenções de princípio, mas no poder assumem uma atitude pragmática de quem tem de gerir as contas do país.

No tempo dos governos de Cavaco Silva ou de Fernando Nogueira, a questão fiscal foi minorada. Nessa altura, não se falava de choque fiscal e os sinais de evasão já eram todos conhecidos, tanto no IRS, como no IRC. Não era referida a quebra do sigilo bancário - lei criada nos anos 80 quando se tornaram públicas as dívidas bancárias de Sá Carneiro. Os responsáveis governamentais pela administração fiscal apareciam relacionados a casos polémicos de perdões fiscais. O fisco, sem adaptação desde a reforma fiscal de 1989, desorganizada e com chefias politizadas, dava sinais de estagnar. Apesar da criminalização do abuso fiscal, a dissuasão era sapada com amnistias várias e planos especiais de regularização.

Na oposição, o PS dava razão a todas as queixas. Denunciava a politização do aparelho fiscal, as injustiças. "O combate à fraude fiscal é uma forma de justiça fiscal", dizia António Guterres. Prometeu uma reforma ao património e "reduzir ou abolir a sisa" (PÚBLICO, 22/9/1995). Na defensiva, Cavaco Silva respondia: "Repare que todos os anos actualizamos os escalões e os abatimentos em valores que não são inferiores à inflação" (PÚBLICO, 29/3/95). Fernando Nogueira prometeu mais do mesmo nas eleições de 1995.

Apesar da campanha, quando o PS entrou no Governo retraiu-se. Nos dois primeiros anos, pouco se alterou, porque o euro ia ser introduzido em 1999. O estudo encomendado pelo Governo PSD a José Silva Lopes e divulgado em 1996 foi engavetado. Foram antes criadas dezenas de grupos de trabalho. Em 1997, o Governo aprovou uma resolução com as linhas do que designou por reforma fiscal, em curso e em pequenos passos. Negou-se a promessa de reforma fiscal. "O Governo não tinha no programa nenhuma promessa de reforma fiscal. Portanto, se alguém prometeu, nalgum comício, extinguir a sisa, isso não é propriamente um compromisso autorizado", afirmou o ministro Sousa Franco ("Expresso", 2/10/99).

Foi anunciada uma maior coordenação do Estado no combate à evasão e fraude fiscais. Mas a estrutura criada (UCLEFA) nunca teve uma eficiência prática e, em 2001, reanunciou-se a sua dinamização. A Administração-Geral Tributária, criada para fazer "dialogar" as direcções-gerais tributárias (Impostos, Informática e Alfândegas), empancou na "quinta" de cada director-geral. Sousa Franco levantava-se furioso de cada vez que alguém anunciava o fim do sigilo bancário. A politização das chefias do fisco deu lugar a um "deixa andar". Os rumores de corrupção avolumaram-se e a política fiscal seguiu de perto as pressões de "lobbies".

Ao mesmo tempo, o PS louvava o desagravamento fiscal. Nos primeiros anos, a entrada de receitas fiscais acima do crescimento da economia camuflou a situação real. O maior encaixe "só pode ser explicado por uma reforma fiscal em curso", afirmou então o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. "Há uma muito maior eficácia da administração tributária no seu conjunto" (revista "EuroContas", Julho de 1999).

Em 1999 - com o euro introduzido, com as receitas fiscais a crescer a 8,1 por cento e com as novas eleições à porta -, voltaram as promessas. Foi defendido pelo PS um "conjunto de tarefas": eco-tributação, uma lei de bases da tributação do rendimento, reformulação dos benefícios fiscais, novo código para infracções fiscais, a reforma do património. Mas, de novo, nada apareceu no programa de eleições como "compromisso autorizado".

Já do lado do PSD, as ideias eram as de quem estava na oposição. Prometeu-se reduções de IRS para todos e da taxa de IRC. Cavaco Silva apresentou, em Junho de 1999, a sua proposta de choque fiscal de que o actual PSD não fez inteiramente eco: redução da taxa máxima de IRS de 40 para 35 por cento, redução em dois anos da taxa de IRC em quatro pontos percentuais, redução da contribuição patronal para a segurança social em quatro pontos percentuais (de 23,75 para 19,75), subida em dois pontos percentuais da taxa de IVA e fim do sigilo bancário para combater a fraude e evasão fiscais.

Mas o PS voltou a ganhar as eleições. Logo de imediato, Joaquim Pina Moura tornou o relatório Silva Lopes na "matriz" da reforma. Meses depois, Guterres prometeu alargar a base dos contribuintes com o regime simplificado, englobar as mais-valias e os dividendos; para combater a fraude e evasão fiscais, ia quebrar o sigilo bancário "com a prudência necessária" e proceder à "verificação rigorosa, expedita e justa" dos movimentos das sucursais financeiras exteriores com a zona franca da Madeira. E tudo com um desagravamento fiscal de IRS e criação de um novo escalão. Como Guterres disse no Parlamento: era o "momento de ruptura com o entorpecimento".

A reforma entrou em vigor em Janeiro de 2001, mas em Setembro desse ano, a remodelação governamental arrastou o ministro das Finanças e alterou o pensamento do primeiro-ministro na área fiscal. O combate à evasão e fraude fiscais ainda está nos primórdios.

À beira de novas eleições, as promessas voltam. Mas o cenário é o mais apertado possível. Em 2001, a receita subiu apenas 4,4 por cento face à de 2000. Por duas vezes, o Governo foi forçado a rever as metas do Orçamento. O próximo governo terá uma pesada tarefa entre mãos e ter-se-á de armar da coragem de forçar a porta de quem não paga impostos.

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