Lisnave atinge equilíbrio este ano

26-07-2001
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Entrevista com José Rodrigues e Nélson Rodrigues, um ano após terem comprado os estaleiros ao grupo Mello

Lisnave Atinge Equilíbrio Este Ano

Por JOANA AMORIM

Segunda-feira, 23 de Julho de 2001

Depois de ter atravessado um polémico processo de venda, a Lisnave saiu da crise em que havia mergulhado, invertendo um ciclo de prejuízos. A alienação à Keppel foi uma hipótese, mas hoje está posta de parte.

Na primeira entrevista enquanto accionistas maioritários da Lisnave, através da aquisição da Navivessel ao grupo Mello, José Rodrigues e Nélson Rodrigues, que já levam 25 e 34 anos de "casa", respectivamente, abrem o jogo e falam sobre todo o intrincado "dossier". São taxativos ao afirmarem que "não há contrato nenhum assinado nem promessa nenhuma feita à Keppel". Num momento de gestão pós-crise, a Lisnave saiu do vermelho e está a reentrar no mercado de conversões. Sobre o passado, dizem que "o Estado terá tido alguma culpa da má gestão que imputou ao grupo Mello".

PÚBLICO - Há pouco mais de um ano, o grupo José Manuel de Mello anunciava um MBO (venda da empresa a quadros) na Lisnave. Como é que decorreram as negociações com o grupo para que se chegasse a essa solução?

JOSÉ RODRIGUES - Em Novembro de 1999, o grupo José de Mello manifestou o desejo de abandonar a actividade naval, acordando com o Governo que seria necessário um período de seis meses para fazer a avaliação da situação da empresa e procurar encontrar uma solução, de futuro, sustentada. O tempo foi passando e, chegados a Junho de 2000, e perante a indisponibilidade de alguns potenciais parceiros a quem foi proposto o negócio, o senhor José Manuel de Mello desafiou-nos para este projecto.

P. - E qual foi a vossa reacção? Tiveram margem de manobra para negociar?

J.R. - Foi uma reacção emocional, envolvida de uma certa dose de loucura. Contudo, sabíamos que, não havendo outra solução - e nós fomos a última solução levantada -, não haveria outro desfecho se não o recurso a um processo de falência. Demos o salto para a piscina sem nos preocuparmos em verificar se a piscina tinha água. Não houve quaisquer garantias e não tivemos qualquer capacidade de negociação com o grupo Mello.

NÉLSON RODRIGUES - O maior risco era todo o universo da Navivessel, excluindo, porventura, a Lisnave. Este projecto nós conhecíamos bem, o grande salto no escuro eram as restantes empresas, que são mais de duas dezenas.

P. - Mas o Estado afirmou que já havia chegado a acordo com o grupo Mello para comprar a Lisnave...

J.R. - O Estado esteve nessa disposição, mas nunca encaixou um pressuposto essencial do negócio: a Lisnave era uma coisa, mas a Navivessel era outra completamente diferente. O Estado terá sentido, porventura, que não tinha vocação para gerir um grupo como este.

P. - Na altura, o Governo reprovou o MBO, alegando uma "oposição ética e de princípios", e explicando que os quadros pecavam por "falta de credibilidade financeira". Concordam?

J.R. - Sobre questões de ética, não gostaria de me pronunciar, são coisas que o Governo terá com o grupo ou vice-versa. Sobre a capacidade financeira, entendemos a dúvida, mas achámo-la absolutamente incorrecta. Ainda hoje há muita gente que associa a solução da Lisnave a alguém com um pote cheio de dinheiro e que, à medida que a empresa vai tendo dificuldades, vai-se injectando mais recursos financeiros. A melhor resposta a essa dúvida é a situação tal qual ela se apresenta hoje.

P. - Portanto, José Manuel de Mello tinha razão quando disse que já não era parte da solução, mas antes parte do problema da Lisnave...

J.R. - Tinha. Não que não pudesse ser uma parte importante da solução, mas era parte do problema porque havia a ideia de que era preciso um capitalista por trás que tivesse capacidade para ir injectando dinheiro à medida que a empresa tivesse necessidades. Os 2,5 milhões de contos que o grupo nos pôs à disposição quando da venda e o conhecimento que temos da empresa permitiram-nos viver durante um ano, de grande criticidade, sem morrer, o que nos permite acreditar que, passada esta fase, também não é agora que tal virá a acontecer.

P. - Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda, levantou a possibilidade de estarem a operar como "testas de ferro" do grupo Mello. Como reagem a esta insinuação?

J.R. - A melhor resposta para o doutor Francisco Louçã é nós estarmos aqui a falar hoje. Se fôssemos testas de ferro, não tínhamos fechado o estaleiro da Margueira - uma das partes da negociata que se falava era criar condições para continuar a operar na Margueira. Face à realidade indesmentível que é a Mitrena, se alguém ainda disser que somos testas de ferro do que quer que seja, hoje julgo que é má fé, na altura podiam ser dúvidas até legítimas.

P. - Afinal, a Thyssen apoiou ou não este negócio?

J.R. - A Thyssen aprovou o MBO e confirmou perante o Estado esse apoio.

P. - Como é que avaliam as tomadas de posição do Governo, que, apesar de dizer pretender sair da Lisnave, foi ao aumento de capital para manter a sua posição de 2,9 por cento?

J.R. - Não vimos sinal nenhum objectivo, neste passado recente, que nos deixasse indiciar o abandono do Estado. Pelo nosso lado, entendemos que o Estado é um parceiro, embora simbólico, muito importante para o futuro do projecto.

P. - Mas informações como essas levaram a empresa a assistir a significativas subidas e descidas em bolsa, e que deixaram os analistas intrigados...

J.R. - A única coisa que podíamos ter feito - como fizemos - eram os comunicados, exigidos pela CMVM. Mas os pequenos investidores não acreditaram nisso e foram acreditando mais na especulação sobre a existência de mais um parceiro estratégico.

Não há negócio com a Keppel

J.R. - Nós entendemos que não. Estatutariamente, esse poder do Estado não vem de lado nenhum, mas o facto de ser Estado ter-lhe-á dado, porventura, a pretensão de poder decidir em negócios privados.

P. - Acha, portanto, que a actuação do Governo neste intrincado "dossier" não foi a mais correcta?

J.R. - Não. Não houve, neste passado recente, um envolvimento directo da parte do Governo, mas houve, pelo menos, na última fase, uma procura de facilitação de alguns problemas da empresa. O Governo não hostilizou de forma nenhuma e, para nós, a não hostilização é uma preciosa ajuda.

P. - A Lisnave vai ou não ser vendida à Keppel Hitachi Zosen, de Singapura?

J.R. - É verdade que tivemos contactos com a Keppel e que discutimos entendimentos futuros. Mas, desde Outubro de 2000, que não temos, literalmente, nenhum contacto. Não há contrato nenhum assinado nem promessa nenhuma feita à Keppel.

P. - Face à actual situação, ainda estão abertos a uma parceria estratégica?

J.R. - Em termos imediatos, não é previsível que haja qualquer desfecho desses. Temos a noção de que a situação da empresa é bastante mais confortável do que era há um ano, mas ainda há muito para resolver. Hoje, um eventual negócio teria de implicar mais-valias.

P. - Quais os objectivos delineados este ano para a Lisnave?

J.R. - Vendas, na área de reparação naval, da ordem dos 18,5 milhões de contos, e cerca de quatro milhões em conversões. Neste primeiro semestre, temos já 11 milhões de contos realizados em vendas, pelo que temos expectativas interessantes no que se refere ao ano.

P. - Concretamente...

J.R. - O orçamento para 2001, elaborado no final de 2000, previa resultados negativos de 980 mil contos. Fechámos o primeiro semestre com 169 mil contos de prejuízos, pelo que não será miragem nenhuma conseguir atingir o "break-even" este ano.

P. - Há novos mercados em vista?

J.R. - Estamos a procurar reentrar no mercado de conversões de forma sustentada. Concretizámos uma primeira conversão e estamos em fase final de negociação de uma plataforma de prospecção.

P. - Prevêem algum plano de reestruturação de mão-de-obra?

J.R. - Há um protocolo com o Estado, assinado em 1997, e que se cumpre em termos de acesso dos trabalhadores às pré-reformas. A redução é progressiva: todos os anos há cerca de 200 trabalhadores (da Lisnave e Gestnave) que atingem os 55 anos e têm direito à pré-reforma.

P. - O Governo tinha ou não razão quando acusou o grupo Mello de má gestão?

J.R. - Não. Algumas das coisas que fomos resolvendo, estão relacionadas com problemas para os quais não teriam sido dadas condições ao grupo Mello para resolver. Não foi mau gestor, viu foi um determinado cenário de agravamento da situação e entendeu que era preferível dar condições a outros para resolver alguns dos problemas, porque o grupo Mello não os ia resolver. O Estado terá tido alguma culpa da má gestão que imputou ao grupo Mello.

Entrevista com José Rodrigues e Nélson Rodrigues, um ano após terem comprado os estaleiros ao grupo Mello

Lisnave Atinge Equilíbrio Este Ano

Por JOANA AMORIM

Segunda-feira, 23 de Julho de 2001

Depois de ter atravessado um polémico processo de venda, a Lisnave saiu da crise em que havia mergulhado, invertendo um ciclo de prejuízos. A alienação à Keppel foi uma hipótese, mas hoje está posta de parte.

Na primeira entrevista enquanto accionistas maioritários da Lisnave, através da aquisição da Navivessel ao grupo Mello, José Rodrigues e Nélson Rodrigues, que já levam 25 e 34 anos de "casa", respectivamente, abrem o jogo e falam sobre todo o intrincado "dossier". São taxativos ao afirmarem que "não há contrato nenhum assinado nem promessa nenhuma feita à Keppel". Num momento de gestão pós-crise, a Lisnave saiu do vermelho e está a reentrar no mercado de conversões. Sobre o passado, dizem que "o Estado terá tido alguma culpa da má gestão que imputou ao grupo Mello".

PÚBLICO - Há pouco mais de um ano, o grupo José Manuel de Mello anunciava um MBO (venda da empresa a quadros) na Lisnave. Como é que decorreram as negociações com o grupo para que se chegasse a essa solução?

JOSÉ RODRIGUES - Em Novembro de 1999, o grupo José de Mello manifestou o desejo de abandonar a actividade naval, acordando com o Governo que seria necessário um período de seis meses para fazer a avaliação da situação da empresa e procurar encontrar uma solução, de futuro, sustentada. O tempo foi passando e, chegados a Junho de 2000, e perante a indisponibilidade de alguns potenciais parceiros a quem foi proposto o negócio, o senhor José Manuel de Mello desafiou-nos para este projecto.

P. - E qual foi a vossa reacção? Tiveram margem de manobra para negociar?

J.R. - Foi uma reacção emocional, envolvida de uma certa dose de loucura. Contudo, sabíamos que, não havendo outra solução - e nós fomos a última solução levantada -, não haveria outro desfecho se não o recurso a um processo de falência. Demos o salto para a piscina sem nos preocuparmos em verificar se a piscina tinha água. Não houve quaisquer garantias e não tivemos qualquer capacidade de negociação com o grupo Mello.

NÉLSON RODRIGUES - O maior risco era todo o universo da Navivessel, excluindo, porventura, a Lisnave. Este projecto nós conhecíamos bem, o grande salto no escuro eram as restantes empresas, que são mais de duas dezenas.

P. - Mas o Estado afirmou que já havia chegado a acordo com o grupo Mello para comprar a Lisnave...

J.R. - O Estado esteve nessa disposição, mas nunca encaixou um pressuposto essencial do negócio: a Lisnave era uma coisa, mas a Navivessel era outra completamente diferente. O Estado terá sentido, porventura, que não tinha vocação para gerir um grupo como este.

P. - Na altura, o Governo reprovou o MBO, alegando uma "oposição ética e de princípios", e explicando que os quadros pecavam por "falta de credibilidade financeira". Concordam?

J.R. - Sobre questões de ética, não gostaria de me pronunciar, são coisas que o Governo terá com o grupo ou vice-versa. Sobre a capacidade financeira, entendemos a dúvida, mas achámo-la absolutamente incorrecta. Ainda hoje há muita gente que associa a solução da Lisnave a alguém com um pote cheio de dinheiro e que, à medida que a empresa vai tendo dificuldades, vai-se injectando mais recursos financeiros. A melhor resposta a essa dúvida é a situação tal qual ela se apresenta hoje.

P. - Portanto, José Manuel de Mello tinha razão quando disse que já não era parte da solução, mas antes parte do problema da Lisnave...

J.R. - Tinha. Não que não pudesse ser uma parte importante da solução, mas era parte do problema porque havia a ideia de que era preciso um capitalista por trás que tivesse capacidade para ir injectando dinheiro à medida que a empresa tivesse necessidades. Os 2,5 milhões de contos que o grupo nos pôs à disposição quando da venda e o conhecimento que temos da empresa permitiram-nos viver durante um ano, de grande criticidade, sem morrer, o que nos permite acreditar que, passada esta fase, também não é agora que tal virá a acontecer.

P. - Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda, levantou a possibilidade de estarem a operar como "testas de ferro" do grupo Mello. Como reagem a esta insinuação?

J.R. - A melhor resposta para o doutor Francisco Louçã é nós estarmos aqui a falar hoje. Se fôssemos testas de ferro, não tínhamos fechado o estaleiro da Margueira - uma das partes da negociata que se falava era criar condições para continuar a operar na Margueira. Face à realidade indesmentível que é a Mitrena, se alguém ainda disser que somos testas de ferro do que quer que seja, hoje julgo que é má fé, na altura podiam ser dúvidas até legítimas.

P. - Afinal, a Thyssen apoiou ou não este negócio?

J.R. - A Thyssen aprovou o MBO e confirmou perante o Estado esse apoio.

P. - Como é que avaliam as tomadas de posição do Governo, que, apesar de dizer pretender sair da Lisnave, foi ao aumento de capital para manter a sua posição de 2,9 por cento?

J.R. - Não vimos sinal nenhum objectivo, neste passado recente, que nos deixasse indiciar o abandono do Estado. Pelo nosso lado, entendemos que o Estado é um parceiro, embora simbólico, muito importante para o futuro do projecto.

P. - Mas informações como essas levaram a empresa a assistir a significativas subidas e descidas em bolsa, e que deixaram os analistas intrigados...

J.R. - A única coisa que podíamos ter feito - como fizemos - eram os comunicados, exigidos pela CMVM. Mas os pequenos investidores não acreditaram nisso e foram acreditando mais na especulação sobre a existência de mais um parceiro estratégico.

Não há negócio com a Keppel

J.R. - Nós entendemos que não. Estatutariamente, esse poder do Estado não vem de lado nenhum, mas o facto de ser Estado ter-lhe-á dado, porventura, a pretensão de poder decidir em negócios privados.

P. - Acha, portanto, que a actuação do Governo neste intrincado "dossier" não foi a mais correcta?

J.R. - Não. Não houve, neste passado recente, um envolvimento directo da parte do Governo, mas houve, pelo menos, na última fase, uma procura de facilitação de alguns problemas da empresa. O Governo não hostilizou de forma nenhuma e, para nós, a não hostilização é uma preciosa ajuda.

P. - A Lisnave vai ou não ser vendida à Keppel Hitachi Zosen, de Singapura?

J.R. - É verdade que tivemos contactos com a Keppel e que discutimos entendimentos futuros. Mas, desde Outubro de 2000, que não temos, literalmente, nenhum contacto. Não há contrato nenhum assinado nem promessa nenhuma feita à Keppel.

P. - Face à actual situação, ainda estão abertos a uma parceria estratégica?

J.R. - Em termos imediatos, não é previsível que haja qualquer desfecho desses. Temos a noção de que a situação da empresa é bastante mais confortável do que era há um ano, mas ainda há muito para resolver. Hoje, um eventual negócio teria de implicar mais-valias.

P. - Quais os objectivos delineados este ano para a Lisnave?

J.R. - Vendas, na área de reparação naval, da ordem dos 18,5 milhões de contos, e cerca de quatro milhões em conversões. Neste primeiro semestre, temos já 11 milhões de contos realizados em vendas, pelo que temos expectativas interessantes no que se refere ao ano.

P. - Concretamente...

J.R. - O orçamento para 2001, elaborado no final de 2000, previa resultados negativos de 980 mil contos. Fechámos o primeiro semestre com 169 mil contos de prejuízos, pelo que não será miragem nenhuma conseguir atingir o "break-even" este ano.

P. - Há novos mercados em vista?

J.R. - Estamos a procurar reentrar no mercado de conversões de forma sustentada. Concretizámos uma primeira conversão e estamos em fase final de negociação de uma plataforma de prospecção.

P. - Prevêem algum plano de reestruturação de mão-de-obra?

J.R. - Há um protocolo com o Estado, assinado em 1997, e que se cumpre em termos de acesso dos trabalhadores às pré-reformas. A redução é progressiva: todos os anos há cerca de 200 trabalhadores (da Lisnave e Gestnave) que atingem os 55 anos e têm direito à pré-reforma.

P. - O Governo tinha ou não razão quando acusou o grupo Mello de má gestão?

J.R. - Não. Algumas das coisas que fomos resolvendo, estão relacionadas com problemas para os quais não teriam sido dadas condições ao grupo Mello para resolver. Não foi mau gestor, viu foi um determinado cenário de agravamento da situação e entendeu que era preferível dar condições a outros para resolver alguns dos problemas, porque o grupo Mello não os ia resolver. O Estado terá tido alguma culpa da má gestão que imputou ao grupo Mello.

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