EXPRESSO: Artigo de Opinião

30-11-2001
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A vitória dos fortes

Relatos do Pedro Bragança

«'É incrível, mas estou convencido de que, se voltássemos a ter monarquia, e o Buíça voltasse ao Terreiro do Paço para dar dois tiros no monarca, a populaça era capaz de se virar mais contra o Buíça do que contra o Rei!'»

«É sempre assim: os mais fortes a ganharem.»

O lamento, numa resignação espicaçada de revolta interior, fora lançado debilmente por Fernando Rosas. Eu ouvira-o, de uma mesa ao lado da sua, na varanda do Grémio, onde todos almoçávamos. Ele estava com Miguel Portas e Francisco Louçã. E os três mastigavam lentamente uns filetes de pescada com arroz de tomate, enquanto derramavam um olhar triste por aquela colina da cidade, que descia dali, das traseiras do Grémio, até lá abaixo, ao Mar da Palha.

«É um mundo todo injusto, onde o imperialismo capitalista continua a impor as suas regras» - queixou-se também Francisco Louçã.

«Pergunto-me se valeu a pena o tempo que perdemos a elaborar tantas propostas para esta campanha…» - comentou Miguel Portas, amargurado.

«Nunca vamos conseguir ter uma Lisboa progressista!» - dizia Rosas.

«Já viram que esta pseudo-esquerda que governa Lisboa se intitula progressista?!» - vincou Portas, quase a descambar para a ironia.

«É uma vergonha!» - explodiu Louçã, indignado. - «Uma malta que se auto-intitula de esquerda, e permite que uns nojentos capitalistas exploradores, como os banqueiros, tenham casas abertas, com portas para a rua!...»

«E que enche a cidade de parques de estacionamento» - notou Rosas, já exaltado - «só para satisfazer uma cambada de reaccionários que andam em carros próprios, em vez de se sujeitarem ao sofrimento dos transportes públicos nacionais!»

«É certo que, hoje em dia, todos nós, mesmo os progressistas, temos carro» - lembrou timidamente Portas.

«Mas também temos os nossos próprios estacionamentos, não precisamos para nada dos parques públicos» - recalcitrou Rosas, azedo.

«De resto, os passeios eram autênticos parques gratuitos, ao serviço do povo trabalhador» - frisou Louçã. - «E a reacção, para poder explorar mais esse povo trabalhador, e obrigá-lo a pagar os novos estacionamentos, encheu as bordas dos passeios de enormes paus, que impedem os carros de entrar por eles dentro.»

«E viram alguém revoltar-se?!» - perguntou Portas, mais como quem faz uma afirmação inverosímil.

«É que hoje já ninguém faz revoluções!» - deplorou Louçã. - «As pessoas até elogiam os passeios vazios, sem carros!»

«Sim, já ninguém está disposto a uma verdadeira revolução!» - concordou Rosas, ainda mais pesaroso. - «É incrível, mas estou convencido de que, se voltássemos a ter monarquia, e o Buíça voltasse ao Terreiro do Paço para dar dois tiros no monarca, a populaça era capaz de se virar mais contra o Buíça, do que contra o Rei!»

«Estamos na decadência completa!» - lastimou-se Louçã. - «Chego a recear defender algumas posições na rua.»

«Do que não me conformo é desta derrota, depois de todo o nosso trabalho!» - declarou Portas, muito compungido. - «Os próprios comentaristas da reacção, da imprensa capitalista, a reconhecerem que somos os únicos a ter um programa, e uma coerência, e tudo isso, e depois o povo, os eleitores, a correrem radiantes para os braços da reacção!»

«Temos de admitir que, numa coisa, o dr. Cunhal tinha razão!» - afirmou Rosas, convicto. - «No horror às eleições! O povo não sabe escolher!»

«Eu já elogiei os métodos da ETA» - recordou Louçã. - «Mas caíram-me todos em cima!»

«Sim, a sociedade não está preparada para certas formas avançadas de luta!» - concordou Rosas.

«Só nos resta desistir» - concluiu Portas. - «Depois de vermos o povo manifestar-se nas ruas, de forma tão autêntica, contra tudo aquilo em que acreditamos, só nos resta mesmo desistir!»

Não me contive e, da minha mesa do lado, intervim: «Mas as eleições são só em Dezembro! Porque é que acham que o povo já se manifestou de forma tão autêntica contra as vossas propostas?!»

Eles viraram-se os três para mim, surpreendidos. E foi Portas que me esclareceu: «Não viu as manifestações em Cabul, depois da queda dos talibãs?!!!»

A vitória dos fortes

Relatos do Pedro Bragança

«'É incrível, mas estou convencido de que, se voltássemos a ter monarquia, e o Buíça voltasse ao Terreiro do Paço para dar dois tiros no monarca, a populaça era capaz de se virar mais contra o Buíça do que contra o Rei!'»

«É sempre assim: os mais fortes a ganharem.»

O lamento, numa resignação espicaçada de revolta interior, fora lançado debilmente por Fernando Rosas. Eu ouvira-o, de uma mesa ao lado da sua, na varanda do Grémio, onde todos almoçávamos. Ele estava com Miguel Portas e Francisco Louçã. E os três mastigavam lentamente uns filetes de pescada com arroz de tomate, enquanto derramavam um olhar triste por aquela colina da cidade, que descia dali, das traseiras do Grémio, até lá abaixo, ao Mar da Palha.

«É um mundo todo injusto, onde o imperialismo capitalista continua a impor as suas regras» - queixou-se também Francisco Louçã.

«Pergunto-me se valeu a pena o tempo que perdemos a elaborar tantas propostas para esta campanha…» - comentou Miguel Portas, amargurado.

«Nunca vamos conseguir ter uma Lisboa progressista!» - dizia Rosas.

«Já viram que esta pseudo-esquerda que governa Lisboa se intitula progressista?!» - vincou Portas, quase a descambar para a ironia.

«É uma vergonha!» - explodiu Louçã, indignado. - «Uma malta que se auto-intitula de esquerda, e permite que uns nojentos capitalistas exploradores, como os banqueiros, tenham casas abertas, com portas para a rua!...»

«E que enche a cidade de parques de estacionamento» - notou Rosas, já exaltado - «só para satisfazer uma cambada de reaccionários que andam em carros próprios, em vez de se sujeitarem ao sofrimento dos transportes públicos nacionais!»

«É certo que, hoje em dia, todos nós, mesmo os progressistas, temos carro» - lembrou timidamente Portas.

«Mas também temos os nossos próprios estacionamentos, não precisamos para nada dos parques públicos» - recalcitrou Rosas, azedo.

«De resto, os passeios eram autênticos parques gratuitos, ao serviço do povo trabalhador» - frisou Louçã. - «E a reacção, para poder explorar mais esse povo trabalhador, e obrigá-lo a pagar os novos estacionamentos, encheu as bordas dos passeios de enormes paus, que impedem os carros de entrar por eles dentro.»

«E viram alguém revoltar-se?!» - perguntou Portas, mais como quem faz uma afirmação inverosímil.

«É que hoje já ninguém faz revoluções!» - deplorou Louçã. - «As pessoas até elogiam os passeios vazios, sem carros!»

«Sim, já ninguém está disposto a uma verdadeira revolução!» - concordou Rosas, ainda mais pesaroso. - «É incrível, mas estou convencido de que, se voltássemos a ter monarquia, e o Buíça voltasse ao Terreiro do Paço para dar dois tiros no monarca, a populaça era capaz de se virar mais contra o Buíça, do que contra o Rei!»

«Estamos na decadência completa!» - lastimou-se Louçã. - «Chego a recear defender algumas posições na rua.»

«Do que não me conformo é desta derrota, depois de todo o nosso trabalho!» - declarou Portas, muito compungido. - «Os próprios comentaristas da reacção, da imprensa capitalista, a reconhecerem que somos os únicos a ter um programa, e uma coerência, e tudo isso, e depois o povo, os eleitores, a correrem radiantes para os braços da reacção!»

«Temos de admitir que, numa coisa, o dr. Cunhal tinha razão!» - afirmou Rosas, convicto. - «No horror às eleições! O povo não sabe escolher!»

«Eu já elogiei os métodos da ETA» - recordou Louçã. - «Mas caíram-me todos em cima!»

«Sim, a sociedade não está preparada para certas formas avançadas de luta!» - concordou Rosas.

«Só nos resta desistir» - concluiu Portas. - «Depois de vermos o povo manifestar-se nas ruas, de forma tão autêntica, contra tudo aquilo em que acreditamos, só nos resta mesmo desistir!»

Não me contive e, da minha mesa do lado, intervim: «Mas as eleições são só em Dezembro! Porque é que acham que o povo já se manifestou de forma tão autêntica contra as vossas propostas?!»

Eles viraram-se os três para mim, surpreendidos. E foi Portas que me esclareceu: «Não viu as manifestações em Cabul, depois da queda dos talibãs?!!!»

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