A economia em turbulência

12-07-2000
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TURBULÊNCIA NA ECONOMIA

Francisco Louçã Afrontamento, 1997, 397 págs., 4005$00

Francisco Louçã

A primeira parte é dedicada a uma cuidadosa desmontagem do positivismo prevalecente na generalidade das ciências sociais e especialmente na economia. Louçã procede a uma reconstrução histórica da metodologia do trabalho científico, através da qual nos elucida sobre o modo como a ciência económica foi tecendo uma teia de postulados em torno de alguns pressupostos fundamentais: a noção de racionalidade inerente ao comportamento dos agentes; a noção de equilíbrio como resultado último e óptimo inerente ao funcionamento do sistema económico; a ideia de determinismo e de causalidade reducionista, segundo a qual a teoria nos habilita a fazer predições correctas.

A essas noções contrapõem-se os argumentos oferecidos por aquilo que o autor intitula de «metáfora evolucionista», ou seja, modos de raciocínio e conceitos que permitem captar situações e problemas que a teoria ortodoxa dificilmente contempla. Designadamente, a imprevisibilidade e diversidade de comportamento dos agentes económicos; as situações de instabilidade e desequilíbrio, a permanência prolongada das crises e as mutações estruturais a que o sistema económico está sujeito; as possibilidades de erros de previsão e a ideia de que uma pequena alteração das condições iniciais pode conduzir o sistema numa direcção completamente diferente (um dos conhecidos fundamentos da teoria do caos).

A desconstrução a que se dedica Louçã incide sobre «as características da evolução e das mutações sistémicas que estruturam a evolução do capitalismo», ou seja, sobre os ritmos e ciclos em que essas mutações se processam. Por conseguinte, é compreensível que dedique as segunda e terceira partes do livro a uma apreciação crítica das teorias económicas dos ciclos e do crescimento económico.

O cavalo de batalha de Francisco Louçã é, agora, um cavalo-de-baloiço, numa alusão a uma das mais poderosas metáforas que a teoria económica tomou de empréstimo à física mecânica. A passagem de um estado de equilíbrio de repouso a um estado de equilíbrio dinâmico em movimento pendular é provocada por um estímulo exógeno, cujos efeitos de propagação são assimilados pelo sistema económico que, deste modo, revela possuir uma tendência natural para regressar ao estado de equilíbrio. Seguindo de perto a trajectória de evolução da economia marginalista e neoclássica, analisa com minúcia as principais abordagens do comportamento cíclico das economias reais. Desta panorâmica crítica extrai duas conclusões básicas.

Em primeiro lugar, a das dificuldades inerentes à metáfora mecanicista, que não consegue superar quer a dicotomia entre variáveis endógenas e estímulos exógenos quer a distinção entre processos de crescimento e processos cíclicos. De tais dificuldades surge a incapacidade de explicação dos processos de mudança estrutural nas economias reais, processos onde abundam elementos de imprevisibilidade, situações de turbulência, sinais de caos que os pressupostos canónicos da teoria neoclássica não são capazes de admitir.

Em segundo lugar, o apelo à metáfora evolucionista (orgânica, biológica) como abordagem sensível à informação estatística quantificável, mas também aos processos históricos de evolução e mudança qualitativa. E, sobretudo, como abordagem que favorece uma nova atitude em relação aos impulsos aleatórios, que estimula o desenvolvimento criativo de um ramo do conhecimento ainda na infância: a teoria da complexidade e do caos.

A quarta parte do livro destina-se a demonstrar a falência de alguns procedimentos tradicionais da análise estatística e econométrica e dos métodos convencionais de extracção da tendência de séries cronológicas. Esta é uma das mais interessantes e sugestivas partes da obra de Louçã, ao longo da qual desfere uma serena e lúcida crítica aos métodos consagrados do raciocínio econométrico baseado em modelos lineares e à sua aplicação a um objecto tão complexo e turbulento como é o dos ritmos e tempos da evolução económica.

Para Louçã, o novo paradigma evolucionista deve incorporar elementos complementares que permitam uma compreensão efectiva das séries cronológicas, qualquer que seja o grau de sofisticação técnica dos instrumentos estatísticos e econométricos. Neste sentido, os conhecimentos proporcionados pela história económica e política, pela sociologia e pela história do pensamento económico favorecem um entendimento mais completo e uma interpretação mais plausível dos fenómenos cíclicos, das flutuações, dos processos de evolução e crescimento. Para fenómenos e processos complexos não bastam explicações lineares. A complexidade institui-se como requisito essencial ao conhecimento do mundo real.

Regressamos assim à transversalidade científica, ao apelo a uma intromissão de domínios científicos diversos que beneficiam com a entreajuda mútua, com processos de convergência recíproca. A teoria económica sai enriquecida desse diálogo e abertura a campos do saber que complementam e auxiliam as suas potencialidades cognitivas.

De tudo isto trata a obra de Louçã, adaptando a dissertação de doutoramento no ISEG. É um livro notável pela originalidade da abordagem crítica à teoria económica e às técnicas econométricas associadas ao estudo dos ciclos e da evolução da economia real. Um livro estimulante pela variedade de abordagens científicas que ajudam a entender por que razão existe turbulência e por que razão ela não se compadece com análises reducionistas. Um livro rigoroso, que não abdica de critérios de rigor para demonstrar que a crítica às limitações da teoria económica fazem da economia uma ciência mais rigorosa, porque mais capacitada para a compreensão da instabilidade do mundo em que vivemos. E um livro turbulento, porque obriga a pensar e nos põe a cabeça em turbilhão.

JOSÉ LUÍS CARDOSO

TURBULÊNCIA NA ECONOMIA

Francisco Louçã Afrontamento, 1997, 397 págs., 4005$00

Francisco Louçã

A primeira parte é dedicada a uma cuidadosa desmontagem do positivismo prevalecente na generalidade das ciências sociais e especialmente na economia. Louçã procede a uma reconstrução histórica da metodologia do trabalho científico, através da qual nos elucida sobre o modo como a ciência económica foi tecendo uma teia de postulados em torno de alguns pressupostos fundamentais: a noção de racionalidade inerente ao comportamento dos agentes; a noção de equilíbrio como resultado último e óptimo inerente ao funcionamento do sistema económico; a ideia de determinismo e de causalidade reducionista, segundo a qual a teoria nos habilita a fazer predições correctas.

A essas noções contrapõem-se os argumentos oferecidos por aquilo que o autor intitula de «metáfora evolucionista», ou seja, modos de raciocínio e conceitos que permitem captar situações e problemas que a teoria ortodoxa dificilmente contempla. Designadamente, a imprevisibilidade e diversidade de comportamento dos agentes económicos; as situações de instabilidade e desequilíbrio, a permanência prolongada das crises e as mutações estruturais a que o sistema económico está sujeito; as possibilidades de erros de previsão e a ideia de que uma pequena alteração das condições iniciais pode conduzir o sistema numa direcção completamente diferente (um dos conhecidos fundamentos da teoria do caos).

A desconstrução a que se dedica Louçã incide sobre «as características da evolução e das mutações sistémicas que estruturam a evolução do capitalismo», ou seja, sobre os ritmos e ciclos em que essas mutações se processam. Por conseguinte, é compreensível que dedique as segunda e terceira partes do livro a uma apreciação crítica das teorias económicas dos ciclos e do crescimento económico.

O cavalo de batalha de Francisco Louçã é, agora, um cavalo-de-baloiço, numa alusão a uma das mais poderosas metáforas que a teoria económica tomou de empréstimo à física mecânica. A passagem de um estado de equilíbrio de repouso a um estado de equilíbrio dinâmico em movimento pendular é provocada por um estímulo exógeno, cujos efeitos de propagação são assimilados pelo sistema económico que, deste modo, revela possuir uma tendência natural para regressar ao estado de equilíbrio. Seguindo de perto a trajectória de evolução da economia marginalista e neoclássica, analisa com minúcia as principais abordagens do comportamento cíclico das economias reais. Desta panorâmica crítica extrai duas conclusões básicas.

Em primeiro lugar, a das dificuldades inerentes à metáfora mecanicista, que não consegue superar quer a dicotomia entre variáveis endógenas e estímulos exógenos quer a distinção entre processos de crescimento e processos cíclicos. De tais dificuldades surge a incapacidade de explicação dos processos de mudança estrutural nas economias reais, processos onde abundam elementos de imprevisibilidade, situações de turbulência, sinais de caos que os pressupostos canónicos da teoria neoclássica não são capazes de admitir.

Em segundo lugar, o apelo à metáfora evolucionista (orgânica, biológica) como abordagem sensível à informação estatística quantificável, mas também aos processos históricos de evolução e mudança qualitativa. E, sobretudo, como abordagem que favorece uma nova atitude em relação aos impulsos aleatórios, que estimula o desenvolvimento criativo de um ramo do conhecimento ainda na infância: a teoria da complexidade e do caos.

A quarta parte do livro destina-se a demonstrar a falência de alguns procedimentos tradicionais da análise estatística e econométrica e dos métodos convencionais de extracção da tendência de séries cronológicas. Esta é uma das mais interessantes e sugestivas partes da obra de Louçã, ao longo da qual desfere uma serena e lúcida crítica aos métodos consagrados do raciocínio econométrico baseado em modelos lineares e à sua aplicação a um objecto tão complexo e turbulento como é o dos ritmos e tempos da evolução económica.

Para Louçã, o novo paradigma evolucionista deve incorporar elementos complementares que permitam uma compreensão efectiva das séries cronológicas, qualquer que seja o grau de sofisticação técnica dos instrumentos estatísticos e econométricos. Neste sentido, os conhecimentos proporcionados pela história económica e política, pela sociologia e pela história do pensamento económico favorecem um entendimento mais completo e uma interpretação mais plausível dos fenómenos cíclicos, das flutuações, dos processos de evolução e crescimento. Para fenómenos e processos complexos não bastam explicações lineares. A complexidade institui-se como requisito essencial ao conhecimento do mundo real.

Regressamos assim à transversalidade científica, ao apelo a uma intromissão de domínios científicos diversos que beneficiam com a entreajuda mútua, com processos de convergência recíproca. A teoria económica sai enriquecida desse diálogo e abertura a campos do saber que complementam e auxiliam as suas potencialidades cognitivas.

De tudo isto trata a obra de Louçã, adaptando a dissertação de doutoramento no ISEG. É um livro notável pela originalidade da abordagem crítica à teoria económica e às técnicas econométricas associadas ao estudo dos ciclos e da evolução da economia real. Um livro estimulante pela variedade de abordagens científicas que ajudam a entender por que razão existe turbulência e por que razão ela não se compadece com análises reducionistas. Um livro rigoroso, que não abdica de critérios de rigor para demonstrar que a crítica às limitações da teoria económica fazem da economia uma ciência mais rigorosa, porque mais capacitada para a compreensão da instabilidade do mundo em que vivemos. E um livro turbulento, porque obriga a pensar e nos põe a cabeça em turbilhão.

JOSÉ LUÍS CARDOSO

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