EXPRESSO: Artigo

15-12-2001
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18 DEZEMBRO 1961 Passagem para a Índia

Iniciada às zero horas de 18 de Dezembro de 1961, a invasão de Goa, Damão e Diu demorou 36 horas. A desproporção era demasiada, com as forças indianas 13 vezes superiores à guarnição portuguesa. O «sacrifício total» pedido por Salazar seria uma tragédia. Assim o entendeu, ao render-se, o general Vassalo e Silva, último governador de uma História de 451 anos. Carlos Azeredo foi um dos militares que participou nos acontecimentos. 40 anos depois, o general foi o guia do Expresso numa visita aos últimos anos da Índia portuguesa

Textos de José Pedro Castanheira

Fotografias actuais de Jorge Simão * INFOGRAFIA DE ANA SERRA E JAIME FIGUEIREDO

Carlos Azeredo desembarca pela primeira vez em Goa em 17 de Setembro de 1954. Alferes de Cavalaria, de 23 anos, oferecera-se como voluntário para defender o chamado Estado Português da Índia de uma mais que provável invasão pela poderosa União Indiana. «Saímos de Lisboa no navio 'Serpa Pinto'; eu era o único oficial de Cavalaria a bordo». Carlos Azeredo desembarca pela primeira vez em Goa em 17 de Setembro de 1954. Alferes de Cavalaria, de 23 anos, oferecera-se como voluntário para defender o chamado Estado Português da Índia de uma mais que provável invasão pela poderosa União Indiana. «Saímos de Lisboa no navio 'Serpa Pinto'; eu era o único oficial de Cavalaria a bordo». Carlos Azeredo fez duas comissões em Goa: uma em 1954/5, outra em 1961. 40 anos depois já reformado, o general voltou, para contar como foi o fim Nascido de uma família de forte tradição monárquica do concelho de Baião, ingressara na Escola do Exército em 1948, contra a vontade do pai, que preferia que o filho mais velho tivesse optado por Engenharia. Seguira-se a Escola Prática de Cavalaria, em Torres Novas, e o Regimento de Cavalaria 6, no Porto, «o meu regimento de origem». A viagem de barco é lenta e sem história. «Passámos no canal do Suez e os ingleses ainda estavam em Aden». O desembarque é em Mormugão, o mais importante porto de Goa, conquistado por Afonso de Albuquerque em 25 de Novembro de 1510. Nascido de uma família de forte tradição monárquica do concelho de Baião, ingressara na Escola do Exército em 1948, contra a vontade do pai, que preferia que o filho mais velho tivesse optado por Engenharia. Seguira-se a Escola Prática de Cavalaria, em Torres Novas, e o Regimento de Cavalaria 6, no Porto, «o meu regimento de origem». A viagem de barco é lenta e sem história. «Passámos no canal do Suez e os ingleses ainda estavam em Aden». O desembarque é em Mormugão, o mais importante porto de Goa, conquistado por Afonso de Albuquerque em 25 de Novembro de 1510. A vizinha e imensa União Indiana é um vulcão de fervor nacionalista. Independente da Inglaterra desde 1947, antes ainda da libertação já os seus principais dirigentes haviam reclamado a integração dos territórios do Estado Português da Índia: Goa, Damão e Diu. Mahatma Gandhi, o pai da grande nação indiana, fora significativamente o primeiro a declarar que Goa não poderia ficar separada. Esta será uma constante da política do primeiro-ministro Pandit Jawaharlal Nehru, que, em 1950, reivindica formalmente os territórios administrados por Portugal, a quem propõe a abertura de negociações. O governo presidido por Oliveira Salazar recusa, com o argumento de que Goa e os demais territórios fazem parte do todo nacional. Em Goa, Damão e Diu, as manifestações de desobediência civil ou a favor do direito à autonomia têm como resposta a prisão, a deportação e a censura. Muitos goeses, sejam católicos ou hindus, são compelidos ao exílio. Ao diálogo de surdos, segue-se uma nova táctica: a da pressão, através do bloqueio económico e do recurso aos famosos «satyagrahis», que invadem pacificamente os territórios portugueses. Significando literalmente «força da verdade», os «satyagrahis» haviam sido criados por Gandhi e revelaram-se um elemento decisivo na sua estratégia de resistência não-violenta. Ao diálogo de surdos, segue-se uma nova táctica: a da pressão, através do bloqueio económico e do recurso aos famosos «satyagrahis», que invadem pacificamente os territórios portugueses. Significando literalmente «força da verdade», os «satyagrahis» haviam sido criados por Gandhi e revelaram-se um elemento decisivo na sua estratégia de resistência não-violenta. Vagas sucessivas destes «satyagrahis», enquadrados por militares, invadem, em 1954, os enclaves portugueses de Dadrá e Nagar-Aveli, perto de Damão. O primeiro cai em 22 de Julho, o segundo onze dias depois. Nos confrontos em Dadrá, são mortos dois polícias portugueses. «Mortos pela Pátria», como assinala uma lápide, que ainda se mantém num jardim de uma das fortalezas de Damão. A anexação destes enclaves é o prenúncio de que, a seguir, será a vez de Goa, Damão e Diu. Disposto a defender cara a jóia do império, Salazar responde nos planos diplomático e militar. No dia imediato à sua admissão nas Nações Unidas, Portugal recorre ao Tribunal Internacional de Justiça (em Haia) contra a anexação dos dois enclaves. E reforça a defesa da Índia, recorrendo a voluntários. Sensível ao veemente apelo à defesa da Pátria, o alferes Azeredo oferece-se. Ao todo, chegam a Goa mais três batalhões do Exército. O governador, general Benard Guedes, passa a dispor de 12 mil homens nos três territórios. No braço-de-ferro entre Nehru e Salazar sobre as colónias portuguesas da Índia, o alferes Azeredo ofereceu-se como voluntário para Goa Goa não era inteiramente desconhecida para o jovem Azeredo - ao menos no plano afectivo e familiar. Nascido em 4 de Outubro de 1930, em Marco de Canavezes, Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme pertence pela via materna à família Távora, a mesma que o marquês de Pombal elegera como inimiga de estimação. Francisco de Assis Távora, o último marquês com aquele título, tinha sido o 45º vice-rei da Índia (1750/54). Não admira, pois, que a família se tenha tornado num dos maiores proprietários da colónia. Antes numerosos, ricos e influentes, os Noronha e Távora que Azeredo encontra em Goa já não são o que foram. D. Augusto é o chefe da família. «Era primo direito do meu avô. Casou-se com uma goesa e ficou a tomar conta das propriedades da família - cada vez mais pequenas, diga-se». Goa não era inteiramente desconhecida para o jovem Azeredo - ao menos no plano afectivo e familiar. Nascido em 4 de Outubro de 1930, em Marco de Canavezes, Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme pertence pela via materna à família Távora, a mesma que o marquês de Pombal elegera como inimiga de estimação. Francisco de Assis Távora, o último marquês com aquele título, tinha sido o 45º vice-rei da Índia (1750/54). Não admira, pois, que a família se tenha tornado num dos maiores proprietários da colónia. Antes numerosos, ricos e influentes, os Noronha e Távora que Azeredo encontra em Goa já não são o que foram. D. Augusto é o chefe da família. «Era primo direito do meu avô. Casou-se com uma goesa e ficou a tomar conta das propriedades da família - cada vez mais pequenas, diga-se». D. Augusto, o primo de 90 anos, não está em casa. Uma violenta trombose obrigou-o à hospitalização. A residência, num vulgar prédio de uma rua perdida de Panaji, está assinalada por uma placa metálica, com a inscrição: D. Augusto de Noronha e Távora, mais conhecido por «Lobé». O general é recebido por uma das filhas, Margarida. Numa parede, a árvore genealógica da família, a partir de D. Lourenço Carlos Bernardo de Noronha e da sua ligação com D. Veridiana Amália Henriques da Cunha Lobato de Faria. «Foram os primos do Porto que nos enviaram», explica Margarida. Numa mesa, um cinzeiro do Futebol Clube do Porto, de que Lobé sempre foi ferrenho adepto. «A última vez que o vi, foi aquando da visita do Presidente Mário Soares, em 1992; estava na recepção do hotel, com um boné do FCPorto». O último dos Távora de Goa está no quarto nº 10 do hospital de Bambolim. Entubado e a soro, D. Augusto não dá conta de si e muito menos reconhece o primo Carlos. Uma enfermeira ainda se esforça por tirar o velho Lobé do seu torpor, mas sem êxito. No silêncio do quarto, sente-se que é o torpor da morte. O general despede-se do primo com uma festa terna na mão e um inaudível adeus. O último dos Távora de Goa está no quarto nº 10 do hospital de Bambolim. Entubado e a soro, D. Augusto não dá conta de si e muito menos reconhece o primo Carlos. Uma enfermeira ainda se esforça por tirar o velho Lobé do seu torpor, mas sem êxito. No silêncio do quarto, sente-se que é o torpor da morte. O general despede-se do primo com uma festa terna na mão e um inaudível adeus. Chegado a Goa, ao alferes é entregue o comando de um destacamento em Perném, junto ao rio Tiracol, que faz fronteira com a União Indiana. A sua missão é fiscalizar a fronteira Norte, com um pelotão de trinta homens - 27 praças e três sargentos. «Ficámos instalados em barracas de lona, cónicas, onde passámos toda a monção». Em casa do último familiar dos Távora, em Pangim O posto fronteiriço mais emblemático é Tiracol, na margem Norte do rio, protegido por uma fortaleza erguida em 1746. Em Agosto de 1954, pouco antes da chegada de Azeredo, os «satyagrahis» haviam tomado conta do forte e hasteado a tricolor indiana, até à sua recuperação por uma força policial. A bonança subsequente reduz o controlo fronteiriço a uma tarefa pouco mais que rotineira. «No meu tempo, não se passou nada. Saíamos de Perném, apanhávamos a lancha da Alfândega e descíamos o rio Tiracol até ao forte. Era um passeio muito bonito». O posto fronteiriço mais emblemático é Tiracol, na margem Norte do rio, protegido por uma fortaleza erguida em 1746. Em Agosto de 1954, pouco antes da chegada de Azeredo, os «satyagrahis» haviam tomado conta do forte e hasteado a tricolor indiana, até à sua recuperação por uma força policial. A bonança subsequente reduz o controlo fronteiriço a uma tarefa pouco mais que rotineira. «No meu tempo, não se passou nada. Saíamos de Perném, apanhávamos a lancha da Alfândega e descíamos o rio Tiracol até ao forte. Era um passeio muito bonito». O forte de Tiracol, feito de blocos de laterite, está transformado num hotel aprazível, que acolhe sobretudo turistas vindos de Goa. A ponte fica muito longe, pelo que é necessário tomar um «ferry-boat» perto de Querim, que em dez minutos faz a viagem entre as duas margens. A vista para a praia de Querim, a Sul, é fantástica. O interior da pequena fortaleza está muito bem preservado. A fachada da capela jesuíta, de 1822, está caiada de branco e conserva as estátuas de três santos: o mártir Sebastião, o inevitável Francisco Xavier e António de Lisboa, o patrono. O velho forte de Terekhol (como se escreve em concanim, a língua mais corrente em Goa), sentinela avançada em pleno estado de Maharashtra, é um dos melhores testemunhos da arquitectura militar portuguesa. No antigo quartel de Mapuça Seis meses dura a comissão em Perném. Segue-se Maulinguem, na fronteira Nordeste, como oficial da carreira de tiro. «Estive lá três meses. Na altura, fiz um relatório em que dizia que cerca de 60% das munições estavam inutilizadas». As espingardas eram Lee-Enfield, de cinco tiros, britânicas, modelo de 1917. «A humidade entranhava-se nas cartucheiras e os canos das armas tinham que ser desentupidos com uma vareta». Seis meses dura a comissão em Perném. Segue-se Maulinguem, na fronteira Nordeste, como oficial da carreira de tiro. «Estive lá três meses. Na altura, fiz um relatório em que dizia que cerca de 60% das munições estavam inutilizadas». As espingardas eram Lee-Enfield, de cinco tiros, britânicas, modelo de 1917. «A humidade entranhava-se nas cartucheiras e os canos das armas tinham que ser desentupidos com uma vareta». Para quem se voluntariara para uma previsível guerra, a inactividade é decepcionante. «Como não acontecia nada, requeri a passagem à metrópole». O ministro Santos Costa indefere o pedido. «O despacho dizia apenas que 'um alferes de Cavalaria, quando se oferece, é para tudo. Aguente-se!' E aguentei, que remédio!» O navio «Afonso de Albuquerque» na Ilha de Angediva O resto da comissão é passado no esquadrão de Mapuçá, numa velha escola adaptada a quartel. Partilha uma casa no centro da cidade com outro oficial. «Cada um tinha um impedido e o cozinheiro era comum - mas todos eram africanos. Nessa altura, havia soldados landins em Goa, vindos de Moçambique (da tribo dos vátuas, do célebre Gungunhana)». A distracção preferida é ir ao cinema à noite, ver filmes indianos. «Era sempre atacado por imensas pulgas. Quando chegava a casa, despia-me, entrava nu e deixava a roupa infestada à porta, para ser lavada. Era assim a vida em Mapuçá». O resto da comissão é passado no esquadrão de Mapuçá, numa velha escola adaptada a quartel. Partilha uma casa no centro da cidade com outro oficial. «Cada um tinha um impedido e o cozinheiro era comum - mas todos eram africanos. Nessa altura, havia soldados landins em Goa, vindos de Moçambique (da tribo dos vátuas, do célebre Gungunhana)». A distracção preferida é ir ao cinema à noite, ver filmes indianos. «Era sempre atacado por imensas pulgas. Quando chegava a casa, despia-me, entrava nu e deixava a roupa infestada à porta, para ser lavada. Era assim a vida em Mapuçá». Mapusa é hoje a terceira cidade do estado de Goa - logo a seguir a Panaji e Margao. O mercado é animadíssimo e as salas de cinema abundam. Uma placa de mármore regista que foi o general Craveiro Lopes quem, em 1933, inaugurou o Liceu Municipal D. Francisco d'Almeida. A escola virou quartel e voltou a ser escola. Chama-se St. Mary School, está muito velha e é dirigida por freiras carmelitas. As guaritas já lá não estão. «Eram os landins que faziam de sentinelas. Autênticas estátuas, os melhores soldados que conheci». A escola está encerrada - são as férias do Diwali, ou festa das luzes, que marcam o ano novo hindu. À porta estacionam vários carros de uma escola de condução, que inclui no logótipo uma cruz bramânica, a que inspirou a suástica nazi. O alferes Azeredo Em Setembro de 1955, o primeiro-ministro Nehru manda pôr termo ao movimento dos «satyagrahis». A decisão é tomada após a jornada de 15 de Agosto, aniversário da independência da Índia. Nesse dia sangrento, três mil pacifistas penetraram em Goa, Damão e Diu. «As forças policiais e militares portuguesas abriram fogo contra os 'satyagrahis', sem aviso e em vários locais», escreve P.N.Khera (em «Operation Vijay. The Liberation of Goa and Other Portuguese Colonies in India»). Balanço: 22 mortos e 225 feridos. A não violência é posta em xeque, o que obriga Nova Deli a mudar de estratégia. Por um lado, reforça o cerco económico a Goa, inteiramente dependente do exterior. Por outro, abandona o pacifismo pregado por Gandhi e avança para uma solução militar. Em Setembro de 1955, o primeiro-ministro Nehru manda pôr termo ao movimento dos «satyagrahis». A decisão é tomada após a jornada de 15 de Agosto, aniversário da independência da Índia. Nesse dia sangrento, três mil pacifistas penetraram em Goa, Damão e Diu. «As forças policiais e militares portuguesas abriram fogo contra os 'satyagrahis', sem aviso e em vários locais», escreve P.N.Khera (em «Operation Vijay. The Liberation of Goa and Other Portuguese Colonies in India»). Balanço: 22 mortos e 225 feridos. A não violência é posta em xeque, o que obriga Nova Deli a mudar de estratégia. Por um lado, reforça o cerco económico a Goa, inteiramente dependente do exterior. Por outro, abandona o pacifismo pregado por Gandhi e avança para uma solução militar. Em Fevereiro de 1956, após 18 meses de uma voluntária comissão goesa, Carlos Azeredo está de volta a Portugal. Já tenente, casa-se e dedica-se a sério à equitação. À passagem da década, a onda anticolonialista é cada vez maior e está à beira de atingir os territórios portugueses de África: Angola e Guiné, mas também Moçambique. Lisboa reequaciona a situação política. A prioridade vai para a África - até porque se sabe, de ciência certa, que Goa é militarmente indefensável, como aliás Salazar já reconhecera. O monumento que substituiu a estátua de Vasco da Gama O veredicto do Tribunal Internacional de Haia é conhecido em Abril de 1960. Sentença ambígua, que permite a Lisboa e Deli reclamarem vitória. Por um lado, é reconhecida a soberania portuguesa sobre os enclaves de Dadrá e Nagar Aveli; por outro, a Índia tem o direito de impedir a estrangeiros a passagem pelo seu território. O veredicto do Tribunal Internacional de Haia é conhecido em Abril de 1960. Sentença ambígua, que permite a Lisboa e Deli reclamarem vitória. Por um lado, é reconhecida a soberania portuguesa sobre os enclaves de Dadrá e Nagar Aveli; por outro, a Índia tem o direito de impedir a estrangeiros a passagem pelo seu território. No final do ano, o subsecretário de Estado do Exército faz uma visita de inspecção à Índia. Pragmático e realista, o tenente-coronel Costa Gomes propõe uma drástica redução do dispositivo militar. Salazar concorda. Em poucos meses, a guarnição passa de 12 mil homens para cerca de 3.500. A Armada, que chegara a ter dois navios, vê-se reduzida ao velho «Afonso de Albuquerque», mantendo-se as três pequenas lanchas de fiscalização, para acorrer aos três territórios e à ilha de Angediva. Quanto à Força Aérea, continua simplesmente inexistente. O general Vassalo e Silva Em Janeiro de 1961, inesperadamente, Azeredo e a Índia cruzam-se pela segunda vez. Promovido a capitão, regressa a Goa para nova comissão - já não como voluntário. «Nessa altura já estava casado, de modo que levei a minha mulher, Lúcia, e os nossos três filhos - um rapaz e duas raparigas». Desta vez, viaja no «Timor». O caminho é o mesmo, mas as diferenças são nítidas. «Em Port Said, a estátua do Ferdinand Lesseps, o construtor do canal do Suez, já fora derrubada; e em Aden já não havia militares ingleses». Em Janeiro de 1961, inesperadamente, Azeredo e a Índia cruzam-se pela segunda vez. Promovido a capitão, regressa a Goa para nova comissão - já não como voluntário. «Nessa altura já estava casado, de modo que levei a minha mulher, Lúcia, e os nossos três filhos - um rapaz e duas raparigas». Desta vez, viaja no «Timor». O caminho é o mesmo, mas as diferenças são nítidas. «Em Port Said, a estátua do Ferdinand Lesseps, o construtor do canal do Suez, já fora derrubada; e em Aden já não havia militares ingleses». Um dos raros oficias com experiência em Goa, Azeredo fica na capital, no comando da Polícia do Estado da Índia. O quartel-general é no centro de Panjim, ao Largo das Sete Janelas. O comandante é o também capitão de Cavalaria Joaquim Pinto Brás. «Comecei por exercer o lugar de segundo comandante interino; depois, passei a comandar as secções de Costumes, Trânsito, Polícia Municipal, Instrução Militar e Serviço de Estrangeiros - acho que não esqueci nenhuma...» Encontro com um «freedom fighter» goês, preso pela Polícia portuguesa Os efectivos andam à volta do meio milhar de polícias, entre europeus e goeses. A fronteira no Leste e Sul «estava à minha conta. Tinha que visitar e inspeccionar os postos - que, nessa altura, se dedicavam principalmente ao combate ao terrorismo». A chamada guerra subversiva está no auge: entre 1955 e 1959, o Estado-Maior do Exército registara 179 assaltos, 152 sabotagens e uma centena de tentativas mal sucedidas - de que haviam resultado 30 mortos portugueses e 73 indianos. Os efectivos andam à volta do meio milhar de polícias, entre europeus e goeses. A fronteira no Leste e Sul «estava à minha conta. Tinha que visitar e inspeccionar os postos - que, nessa altura, se dedicavam principalmente ao combate ao terrorismo». A chamada guerra subversiva está no auge: entre 1955 e 1959, o Estado-Maior do Exército registara 179 assaltos, 152 sabotagens e uma centena de tentativas mal sucedidas - de que haviam resultado 30 mortos portugueses e 73 indianos. A polícia do Estado de Goa está instalada no mesmíssimo quartel de Panaji. Da porta de armas foram apagadas as armas portuguesas, tendo-se conservado apenas a inscrição da data de construção: 1832. O exterior - pintado de um belo amarelo forte - foi alvo de um projecto de recuperação, subsidiado pela Fundação Oriente. O atendimento é feito por uma mulher-polícia, farda castanha e boina preta puxada para trás, por forma a deixar ver o «bindi», o sinal vermelho que as hindus costumam usar entre as sobrancelhas. Em frente perfila-se uma única sentinela, bigode, espingarda e baioneta. Automóveis e jipes, polícias e civis entram e saem. O velho sino de rebate, do mesmo bronze com que eram moldados os canhões, recorda que o império foi construído por uma curiosíssima associação de clérigos e militares. Polido mas mudo, houve tempos em que soou furiosamente, contra incêndios ou ataques de mouros e marajás. Regresso à casa onde viveu com a mulher e os três filhos A parada interior mantém-se praticamente inalterável. As mesmas mangueiras, gigantescas e majestosas. As inconfundíveis gralhas, de um preto azulado e grasnar nasalado. Até o relvado, para formatura e instrução, parece conservar as mesmas balizas de futebol de há 40 anos. A única diferença é um telheiro que protege as viaturas do sol e da chuva, e as delgadas árvores do rei Ashoka. A parada interior mantém-se praticamente inalterável. As mesmas mangueiras, gigantescas e majestosas. As inconfundíveis gralhas, de um preto azulado e grasnar nasalado. Até o relvado, para formatura e instrução, parece conservar as mesmas balizas de futebol de há 40 anos. A única diferença é um telheiro que protege as viaturas do sol e da chuva, e as delgadas árvores do rei Ashoka. Ao contrário do quartel, o amplo largo em frente está irreconhecível. A começar pelo nome, que, de Sete Janelas, passou a chamar-se Largo Azad Maidan (independência). A grande estátua de Vasco da Gama, em bronze, foi apeada e levada para o museu de Velha Goa. No seu lugar foi erguido um monumento - numa feia combinação de azul, branco, preto e dourado - com os restos mortais de Tristão de Braganza Cunha. Falecido em 1958, foi o fundador do Goa Congress Committee, a primeira de várias organizações nacionalistas goesas, entre as quais se distinguiu a radical Azad Gomantak Dal. A um canto da praça está um outro memorial em homenagem «aos mártires da luta pela liberdade e contra o colonialismo na Índia». Datado de 1973, foi financiado pela Associação dos Freedom Fighters de Goa, que fez gravar na pedra o nome de 67 combatentes - em inglês e em hindi, a língua nacional oficial. Alguns eram naturais de Goa, outros oriundos um pouco de toda a Índia - Maharashtra, Madhya Pradesh, Penjab, até do Bangladesh. Entre os dois monumentos, estudantes de uma escola aproveitam para ensaiar lances de cricket, desporto-rei na Índia e em Goa. Palácio do Idalcão, sede do poder político da era muculmana, da época colonial e da gestão indiana A família Azeredo instala-se numa casa a dois passos do quartel. «Nunca soube o nome da rua». O senhorio é um comerciante goês endinheirado, da loja Velho & Filhos, que abastece a tropa e demais clientes de vinho e bacalhau. É um primeiro andar alugado, nas traseiras do Hospital Escolar. «Às vezes tínhamos um espectáculo macabro: os cadáveres muçulmanos a serem lavados na casa mortuária, antes de sepultados, virados para Meca». É uma casa com uma enorme varanda e janelas de carepas - escamas de peixe em vez de vidros. O inquilino do lado é um simpático médico de apelido Almeida, que cursou em Lisboa e que, com 11 filhos, tem sempre a casa cheia. A família Azeredo instala-se numa casa a dois passos do quartel. «Nunca soube o nome da rua». O senhorio é um comerciante goês endinheirado, da loja Velho & Filhos, que abastece a tropa e demais clientes de vinho e bacalhau. É um primeiro andar alugado, nas traseiras do Hospital Escolar. «Às vezes tínhamos um espectáculo macabro: os cadáveres muçulmanos a serem lavados na casa mortuária, antes de sepultados, virados para Meca». É uma casa com uma enorme varanda e janelas de carepas - escamas de peixe em vez de vidros. O inquilino do lado é um simpático médico de apelido Almeida, que cursou em Lisboa e que, com 11 filhos, tem sempre a casa cheia. Um dos muitos batalhões invasores A rua continua a não ter o nome visível, mas perdeu a tranquilidade e o encanto de outrora - tal o ruído e o fumo de camiões, carros e «rickshaws». A casa, porém, mantém-se tal qual. Na entrada do rés-do-chão, inscrita em azulejos, o nome do mesmíssimo senhorio: «Velho». Quem lá vive são os descendentes directos do velho Velho, que recebem o general de braços abertos, uma chávena de chá e um prato de bolinhos caseiros. Prazenteira, Loretta Dias Velho faz questão de tudo mostrar ao inesperado visitante: sala de jantar, quartos, cozinha, casa de banho. Como em todas os lares cristãos de Goa, não faltam motivos religiosos, incluindo a estátua da Senhora de Fátima e uma fotografia de João Paulo II. Um prato de louça de Alcobaça garante que «com três letrinhas apenas/ se escreve a palavra mãe/...». Construída em 1952, a casa sempre teve inquilinos militares - portugueses primeiro, indianos depois. «Só a conseguimos recuperar em 1991». Azeredo conta que, «após a invasão, assaltaram-na e deitaram quase tudo pela janela fora. Fiquei sem nada». A rua continua a não ter o nome visível, mas perdeu a tranquilidade e o encanto de outrora - tal o ruído e o fumo de camiões, carros e «rickshaws». A casa, porém, mantém-se tal qual. Na entrada do rés-do-chão, inscrita em azulejos, o nome do mesmíssimo senhorio: «Velho». Quem lá vive são os descendentes directos do velho Velho, que recebem o general de braços abertos, uma chávena de chá e um prato de bolinhos caseiros. Prazenteira, Loretta Dias Velho faz questão de tudo mostrar ao inesperado visitante: sala de jantar, quartos, cozinha, casa de banho. Como em todas os lares cristãos de Goa, não faltam motivos religiosos, incluindo a estátua da Senhora de Fátima e uma fotografia de João Paulo II. Um prato de louça de Alcobaça garante que «com três letrinhas apenas/ se escreve a palavra mãe/...». Construída em 1952, a casa sempre teve inquilinos militares - portugueses primeiro, indianos depois. «Só a conseguimos recuperar em 1991». Azeredo conta que, «após a invasão, assaltaram-na e deitaram quase tudo pela janela fora. Fiquei sem nada». No apartamento ao lado continua o doutor Almeida. Romualdo António de Jesus Almeida vai completar noventa anos. Acamado, recebe o antigo vizinho com um sorriso feliz. Todos os onze filhos «estão vivos». Três são gémeos, mas a lembrança é traiçoeira e só dá para mencionar dois: o Mário e o Arnaldo. Pendurado na parede, orgulhoso, o diploma de Medicina. De 1936. O general goês do Estado Maior do Exército da Índia A 30 de Julho, a polícia de Panjim faz mais um preso, Ravindra Kelecar, um dos muitos «Freedom Fighters». «Fui o último goês a ser preso pelos portugueses». Ravindra fora um dos raríssimos hindus da sua geração a frequentar o Liceu Nacional Afonso de Albuquerque. «Havia uma espécie de 'apartheid' entre os portugueses e os hindus», acusa. Razão pela qual estes «nunca tiveram boa impressão» daqueles. O seu percurso é marcado por uma data inesquecível: 18 de Junho de 1948, quando Ram Manohar Lohia, o líder socialista da Índia, foi a Margão fazer um comício. «Juntaram-se umas seis ou sete mil pessoas para o ouvir. Nunca ninguém imaginou que fosse possível reunir tanta gente». A polícia acabou por impedir a sessão, mas a mensagem passou: «Sem luta, os goeses nunca conseguirão libertar a sua terra». Ravindra seguiu o recado a preceito. A não violência teorizada por Ganhdi e posta em prática pelos «satyagrahis» não foi a única táctica utilizada. «Andei com bombas, revólveres e tudo», reconhece Ravindra. Convidado a concretizar, queda-se por um enigmático «coisas sem importância, ditadas pela juventude e pelo entusiasmo». Coisas de que não se arrepende, até porque, realça, «não matei ninguém». A 30 de Julho, a polícia de Panjim faz mais um preso, Ravindra Kelecar, um dos muitos «Freedom Fighters». «Fui o último goês a ser preso pelos portugueses». Ravindra fora um dos raríssimos hindus da sua geração a frequentar o Liceu Nacional Afonso de Albuquerque. «Havia uma espécie de 'apartheid' entre os portugueses e os hindus», acusa. Razão pela qual estes «nunca tiveram boa impressão» daqueles. O seu percurso é marcado por uma data inesquecível: 18 de Junho de 1948, quando Ram Manohar Lohia, o líder socialista da Índia, foi a Margão fazer um comício. «Juntaram-se umas seis ou sete mil pessoas para o ouvir. Nunca ninguém imaginou que fosse possível reunir tanta gente». A polícia acabou por impedir a sessão, mas a mensagem passou: «Sem luta, os goeses nunca conseguirão libertar a sua terra». Ravindra seguiu o recado a preceito. A não violência teorizada por Ganhdi e posta em prática pelos «satyagrahis» não foi a única táctica utilizada. «Andei com bombas, revólveres e tudo», reconhece Ravindra. Convidado a concretizar, queda-se por um enigmático «coisas sem importância, ditadas pela juventude e pelo entusiasmo». Coisas de que não se arrepende, até porque, realça, «não matei ninguém». Tanque AMX, de fabrico francês, na capital Ravindra Kelecar, de 76 anos, recebe-nos na sua casa, perto de Mardol. Membro da casta brâmane, é um respeitado intelectual. Veste um fato hindu de algodão fino, branco, até aos pés; o pouco cabelo, comprido e branco, está puxado para trás; uns olhos pequenos e vivos espreitam atrás das grossas lentes. Oferece-nos um chá quente, enquanto pede desculpa pelo seu português - que surpreende pela excelência. Ravindra e Azeredo não se conhecem - apesar do primeiro ter estado preso no quartel do segundo. O goês lembra que, à data da detenção, «o comandante da polícia era o Pinto Brás». Instado pelo português, reconhece, no entanto, que foi «bem tratado». «O problema», acrescenta, «é que nunca fui interrogado, nem julgado, muito menos condenado». Isolado numa cela, a família visitava-o aos sábados. «Um dia, não me deixaram receber ninguém. Escrevi ao Pinto Brás a protestar, que mandou dizer que não sabia porque é que eu estava preso - e já lá estava há três meses! Quatro horas depois, um cabo pôs-me em liberdade». O insólito final de uma prisão arbitrária. Ravindra Kelecar, de 76 anos, recebe-nos na sua casa, perto de Mardol. Membro da casta brâmane, é um respeitado intelectual. Veste um fato hindu de algodão fino, branco, até aos pés; o pouco cabelo, comprido e branco, está puxado para trás; uns olhos pequenos e vivos espreitam atrás das grossas lentes. Oferece-nos um chá quente, enquanto pede desculpa pelo seu português - que surpreende pela excelência. Ravindra e Azeredo não se conhecem - apesar do primeiro ter estado preso no quartel do segundo. O goês lembra que, à data da detenção, «o comandante da polícia era o Pinto Brás». Instado pelo português, reconhece, no entanto, que foi «bem tratado». «O problema», acrescenta, «é que nunca fui interrogado, nem julgado, muito menos condenado». Isolado numa cela, a família visitava-o aos sábados. «Um dia, não me deixaram receber ninguém. Escrevi ao Pinto Brás a protestar, que mandou dizer que não sabia porque é que eu estava preso - e já lá estava há três meses! Quatro horas depois, um cabo pôs-me em liberdade». O insólito final de uma prisão arbitrária. A partir de 1962, empenhou-se na conquista da autonomia para Goa. Um combate de cinco anos e que «me valeu ser preso mais 26 vezes». Decepcionado e retirado da política, escreveu as suas memórias, que infelizmente não estão traduzidas para inglês. Nos últimos anos, descobriu Fernando Pessoa e o «Livro do Desassossego», «um dos mais tristes e profundos livros da literatura mundial». A monção de 1961, que se desenrola entre Maio e Setembro, não é nada tranquila. Um tufão varre toda a costa Sul, entre Margão e Canacona. À frente do governo de Goa desde 1958 está o general Vassalo e Silva. Fazendo jus à sua condição de engenheiro, o governador empenha-se na reconstrução das pobres residências indígenas. Chama Azeredo ao Palácio do Idalcão, que serve de sede de governo. «Pediu-me para fazer um levantamento dos estragos. Não sei como é que ele se lembrou de mim - é um mistério... Visitei toda a região atingida», assessorado por um oficial de Engenharia, calhado em construção e obras. «Entreguei o relatório já em Dezembro. Fazia o levantamento dos estragos e do material necessário: tijolos, vigas, telhas, chapas de zinco». A monção de 1961, que se desenrola entre Maio e Setembro, não é nada tranquila. Um tufão varre toda a costa Sul, entre Margão e Canacona. À frente do governo de Goa desde 1958 está o general Vassalo e Silva. Fazendo jus à sua condição de engenheiro, o governador empenha-se na reconstrução das pobres residências indígenas. Chama Azeredo ao Palácio do Idalcão, que serve de sede de governo. «Pediu-me para fazer um levantamento dos estragos. Não sei como é que ele se lembrou de mim - é um mistério... Visitei toda a região atingida», assessorado por um oficial de Engenharia, calhado em construção e obras. «Entreguei o relatório já em Dezembro. Fazia o levantamento dos estragos e do material necessário: tijolos, vigas, telhas, chapas de zinco». A colaboração entre o governador-geral e o capitão estreita-se. O primeiro aprecia a iniciativa do segundo, a sua frontalidade e prontidão. Azeredo, por sua vez, valoriza a seriedade do general, a sua paixão por Goa e pelos goeses. No Idalcão, junto ao rio Mandovi, nasce uma amizade que irá perdurar toda a vida. O Idalcão é anterior à conquista portuguesa. Antigo palácio de Adil-Kan, o senhor muçulmano derrotado por Albuquerque, foi transformado em residência oficial dos vice-reis em 1759. O palácio continua a ser a sede do poder. É lá que trabalha o ministro-chefe - uma espécie de primeiro-ministro do estado de Goa. Manohar Parrikar pertence ao Bharatiya Janata Party (BJP), o mesmo partido que governa em Nova Deli e que muitos acusam de fundamentalista hindu. Em Goa, está no poder vai para dois anos, graças a uma heteróclita coligação parlamentar. O Idalcão é anterior à conquista portuguesa. Antigo palácio de Adil-Kan, o senhor muçulmano derrotado por Albuquerque, foi transformado em residência oficial dos vice-reis em 1759. O palácio continua a ser a sede do poder. É lá que trabalha o ministro-chefe - uma espécie de primeiro-ministro do estado de Goa. Manohar Parrikar pertence ao Bharatiya Janata Party (BJP), o mesmo partido que governa em Nova Deli e que muitos acusam de fundamentalista hindu. Em Goa, está no poder vai para dois anos, graças a uma heteróclita coligação parlamentar. O secular edifício está carecido de profundo restauro - no exterior e no interior. O velho salão nobre é uma pálida sombra do que foi. Os retratos dos governadores e vice-reis foram para o museu. Em seu lugar, estão fotografias, óleos ou ilustrações de altos dignitários da Índia: o famoso marajá Xivaji, a ex-primeira-ministro Indira Gandhi, o filho Rajiv e outros. Da comprida mesa, dos confortáveis tapetes, dos ricos castiçais e porcelanas - nem rasto. A clarabóia, que antes iluminava o amplo salão, não deixa passar um raio de sol. Os «maples» da sala de espera estão sujos e coçados de tanto uso; nas paredes brancas, um relógio (adiantado dez minutos) e um calendário de papel. Cá fora, do outro lado da rua, está o Mastro da Soberania. No seu topo, durante séculos, esvoaçou a bandeira portuguesa. Agora, é a tricolor indiana, içada pela primeira vez a 19 de Dezembro de 1961. Cá fora, do outro lado da rua, está o Mastro da Soberania. No seu topo, durante séculos, esvoaçou a bandeira portuguesa. Agora, é a tricolor indiana, içada pela primeira vez a 19 de Dezembro de 1961. Nos primeiros dias de Outubro Nova Deli é palco de um seminário sobre as colónias portuguesas. A ideia partiu do cirurgião P. D. Gaitonde, influente político goês que estivera preso em Portugal. Nehru é o anfitrião de movimentos de libertação de Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde, também de Goa. O líder indiano pergunta que tipo de apoio mais necessitam: diplomático? financeiro? militar? A resposta é uníssona: que acabe com o colonialismo na sua própria terra, que liberte Goa, Damão e Diu. Nehru compromete-se: «Não tenho dúvidas de que Goa será livre em breve». Sem perda de tempo, pede ao general J. N. Chaudhuri um estudo da situação militar de Goa. «Assistimos ao fim de Goa», era o título da edição de 13 Janeiro de 1962 da revista «Paris Match», que incluía oito fotografias de H. Van Kan. A imprensa goesa de língua portuguesa deixou de estar sujeita à censura e apressou-se a mudar de campo Sensivelmente na mesma altura, o comandante militar de Goa regressa a Panjim. O brigadeiro António Leitão estivera dois meses de férias em Lisboa e aproveitara para tentar obter reforços: armas e munições, transportes, transmissões. O mesmo fizera, sem êxito, o próprio Vassalo e Silva. A maior parte do armamento está ultrapassado, obsoleto mesmo. Há quem não tenha melhor que uma espingarda Kropatcheq, anterior à I Guerra Mundial! «Se não fosse tão dramática, a situação até seria cómica», concorda Azeredo. «Os carros da polícia já tinham deixado de ser blindados na parte de baixo. Apodrecida, a chapa fora substituída por placas grossas de madeira, retiradas dos caixotes usados para o transporte de bacalhau». Como se isto não bastasse, o dispositivo militar continuava a emagrecer. Primeiro, em benefício de Luanda, onde rebentara a rebelião em Fevereiro, com Salazar a decretar «para Angola e em força!»; depois, para Timor, onde também surgiram problemas. Sensivelmente na mesma altura, o comandante militar de Goa regressa a Panjim. O brigadeiro António Leitão estivera dois meses de férias em Lisboa e aproveitara para tentar obter reforços: armas e munições, transportes, transmissões. O mesmo fizera, sem êxito, o próprio Vassalo e Silva. A maior parte do armamento está ultrapassado, obsoleto mesmo. Há quem não tenha melhor que uma espingarda Kropatcheq, anterior à I Guerra Mundial! «Se não fosse tão dramática, a situação até seria cómica», concorda Azeredo. «Os carros da polícia já tinham deixado de ser blindados na parte de baixo. Apodrecida, a chapa fora substituída por placas grossas de madeira, retiradas dos caixotes usados para o transporte de bacalhau». Como se isto não bastasse, o dispositivo militar continuava a emagrecer. Primeiro, em benefício de Luanda, onde rebentara a rebelião em Fevereiro, com Salazar a decretar «para Angola e em força!»; depois, para Timor, onde também surgiram problemas. O brigadeiro apresenta-se queixoso no Ministério da Defesa. Desde Abril - na sequência do falhado golpe do general Botelho Moniz - que o ministro é o próprio Salazar, que acumula com a presidência do Conselho. «Mas o 'Toninho da Calçada' nem o recebeu. Para o Salazar, não havia guerra na Índia, pelo que não era necessário nenhum reforço». «O Heraldo», o mais antigo e conceituado quotidiano, escreveu em editorial: «Somos por fim livres» Com as mãos a abanar, ao comando militar só resta uma solução: aperfeiçoar o Plano Sentinela. Trata-se do plano de resistência a uma previsível agressão. A estratégia passa por concentrar forças na península de Mormugão e, aí, aguentar a todo o custo. «Era um plano completamente irrealista e irrealizável, que estava muito incompleto», verifica Azeredo. «Baseava-se na troca de terreno por tempo. Mas, para isso, eram necessárias comunicações móveis». Que não havia. Com as mãos a abanar, ao comando militar só resta uma solução: aperfeiçoar o Plano Sentinela. Trata-se do plano de resistência a uma previsível agressão. A estratégia passa por concentrar forças na península de Mormugão e, aí, aguentar a todo o custo. «Era um plano completamente irrealista e irrealizável, que estava muito incompleto», verifica Azeredo. «Baseava-se na troca de terreno por tempo. Mas, para isso, eram necessárias comunicações móveis». Que não havia. Entretanto, os «Freedom Fighters» continuam a fazer das suas. «Ao contrário do que se diz, a guerrilha mais evoluída que o nosso Exército enfrentou foi a de Goa. Sei do que falo, porque também fiz a guerra em Angola e na Guiné. Só no ano de 1961, até Dezembro, morreram cerca de 80 polícias». Azeredo, contudo, adverte: «A maior parte dos terroristas do Azad Gomantak Dal não eram goeses. Muitos, tinham combatido no Exército britânico, do general Montgomery, contra os alemães. E os 'satyagrahis' não passavam, na sua maioria, de aldeões e camponeses pobres, cheios de fome e arrebanhados a troco de algum alimento». O «Diário da Noite» escolheu para manchete «Jai Hind» (Vitória à Índia) A fronteira Leste é a de mais fácil penetração. Delimitada pela cordilheira dos Ghats ocidentais, é zona de muito relevo, a que os meios ao dispor da polícia não se adaptam. Durante a monarquia, os cavalos tinham dado conta do recado. Porque não reeditar a experiência? «Em Novembro, fomos ao Paquistão comprar cavalos». Um grupo de oficiais, acompanhados por um veterinário, viaja por Lahore, Rawalpindi, Peshawar. A ideia é adquirir trinta montadas, para equipar um pelotão em Valpoi. «Os ingleses tinham seleccionado uma raça fantástica de puro-sangues. Ainda fizemos uma encomenda, mas era tarde demais!» A fronteira Leste é a de mais fácil penetração. Delimitada pela cordilheira dos Ghats ocidentais, é zona de muito relevo, a que os meios ao dispor da polícia não se adaptam. Durante a monarquia, os cavalos tinham dado conta do recado. Porque não reeditar a experiência? «Em Novembro, fomos ao Paquistão comprar cavalos». Um grupo de oficiais, acompanhados por um veterinário, viaja por Lahore, Rawalpindi, Peshawar. A ideia é adquirir trinta montadas, para equipar um pelotão em Valpoi. «Os ingleses tinham seleccionado uma raça fantástica de puro-sangues. Ainda fizemos uma encomenda, mas era tarde demais!» A 17 de Novembro, verifica-se um incidente na ilha de Angediva, ao Sul de Goa. A guarnição portuguesa faz fogo contra o navio de passageiros «Sabarmati». Local mítico, a que haviam aportado as naus de Vasco da Gama na sua primeira viagem à Índia, Angediva passara à história como a célebre «ilha dos Amores» cantada por Camões em «Os Lusíadas». Agora a luxuriante ilha é transformada no ambicionado pretexto para a intervenção militar. Como se lê na introdução ao relatório militar indiano, em Angediva «a tensão explodiu e a Índia decidiu libertar os territórios pela força». «A Vida» condenou os «longos 14 anos de feroz repressão e intimidação» Nova Deli dá ordens ao Estado-Maior do Exército para ultimar o plano de ataque. A libertação de Goa do colonialismo é um trunfo capaz de aliviar a pressão sobre Nehru, a braços com sérios problemas com a China no Tibete e com o Paquistão em Caxemira. A opção militar é especialmente cara ao ministro da Defesa, Krishna Menon, um radical que se prepara para disputar eleições no seu círculo. Nova Deli dá ordens ao Estado-Maior do Exército para ultimar o plano de ataque. A libertação de Goa do colonialismo é um trunfo capaz de aliviar a pressão sobre Nehru, a braços com sérios problemas com a China no Tibete e com o Paquistão em Caxemira. A opção militar é especialmente cara ao ministro da Defesa, Krishna Menon, um radical que se prepara para disputar eleições no seu círculo. «Operação Vijay» é o nome de código dado ao plano de libertação de Goa, Damão e Diu. Do Exército são mobilizadas a 17ª Divisão e a 50ª Brigada de Pára-quedistas, entre outras. Os meios navais incluem o porta-aviões «Vikrant», três fragatas, dois cruzadores, outros tantos torpedeiros e um submarino. Ignora-se ao certo os meios aéreos utilizados, mas sabe-se que o porta-aviões tinha 21 aparelhos e que intervieram caças (Hunter, Vampire, Mystere) e bombardeiros (Liberators e Canberra). A previsão dos estrategos de Nova Deli é que o combate se alongue, no máximo, por três dias - enquanto Lisboa pedirá a Vassalo e Silva que resista, no mínimo, oito dias. O comandante-chefe da «Operação Vijay» é o major-general Chaudhuri, enquanto o também general K. P. Candeth dirige as operações em Goa. O comando da Força Aérea é entregue a um goês, o vice-marechal Pinto do Rosário. Também goês é Francis Rodrigues. Com 28 anos, frequentava a Academia Militar a Norte de Deli e acompanhou a operação, se bem que não tenha participado nela. Senhor de um notável currículo, Rodrigues viria a atingir o generalato, tendo exercido, entre 1990 e 1993, o cargo de Chefe do Estado-Maior do Exército - o posto mais alto da hierarquia militar da Índia. Oriundo de uma família católica - «que deu cinco padres, mas só um general» -, nunca aprendeu português. A família, como muitas outras, refugiou-se em Bombaim. «O meu pai era jornalista, escreveu uns artigos contra Portugal e foi impedido de entrar em Goa. Nessa altura, eu tinha apenas nove anos». O general só voltou a fixar-se em Goa quando se reformou, aos 60. O ex-governador Vassalo e Silva (ao centro), reunido com o general P.N. Thapar (à direita), um dos comandantes das forças indianas O ex-chefe do Estado-Maior do Exército da Índia recebe-nos na sua residência, em Alto de Parvorim. Os dois generais, ambos reformados, cumprimentam-se com cortesia e respeito. O português é de Cavalaria, o indiano de Artilharia. O diálogo é em inglês. Azeredo, sempre gentil-homem, tem palavras de elogio para o comportamento das forças armadas indianas durante a invasão. Rodrigues prefere falar de libertação e, surpreendido com o louvor, dá uma sonora gargalhada, misto de satisfação e de orgulho. «Realmente, o Exército indiano é um bom Exército». Vaidoso, Francis Rodrigues prefere falar de si e das suas performances, sem esquecer os encontros com João Paulo II e Colin Powell. À despedida, uma fotografia dos inimigos de há 40 anos. O ex-chefe do Estado-Maior do Exército da Índia recebe-nos na sua residência, em Alto de Parvorim. Os dois generais, ambos reformados, cumprimentam-se com cortesia e respeito. O português é de Cavalaria, o indiano de Artilharia. O diálogo é em inglês. Azeredo, sempre gentil-homem, tem palavras de elogio para o comportamento das forças armadas indianas durante a invasão. Rodrigues prefere falar de libertação e, surpreendido com o louvor, dá uma sonora gargalhada, misto de satisfação e de orgulho. «Realmente, o Exército indiano é um bom Exército». Vaidoso, Francis Rodrigues prefere falar de si e das suas performances, sem esquecer os encontros com João Paulo II e Colin Powell. À despedida, uma fotografia dos inimigos de há 40 anos. Dezembro chega com uma única dúvida: a data da invasão. Os preparativos são dramáticos. A 12, é a evacuação de mulheres e crianças. A operação é desaconselhada por Lisboa, por contrária ao interesse nacional, mas Vassalo e Silva não abdica de pôr a salvo os familiares dos seus homens. Com capacidade para 105 passageiros, o navio «Índia» larga de Mormugão com 650. Adélia Costa foi uma das responsáveis da Cruz Vermelha autorizada a visitar os campos de prisioneiros Decretado o estado de emergência, a 14 o governador-geral recebe uma mensagem-rádio de Salazar. É um texto ditado para a História do Império. «Recomendo e espero», escreve Salazar, o «sacrifício total», «única forma de nos mantermos à altura das nossas tradições e prestarmos o maior serviço ao futuro da Nação». O ditador não quer que fique a menor dúvida: «Não prevejo possibilidade de tréguas, nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos». Decretado o estado de emergência, a 14 o governador-geral recebe uma mensagem-rádio de Salazar. É um texto ditado para a História do Império. «Recomendo e espero», escreve Salazar, o «sacrifício total», «única forma de nos mantermos à altura das nossas tradições e prestarmos o maior serviço ao futuro da Nação». O ditador não quer que fique a menor dúvida: «Não prevejo possibilidade de tréguas, nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos». A mensagem excede largamente a anterior carta de comando do governador, segundo a qual a resistência deveria ser «conduzida até ao esgotamento das munições e víveres». Com o fim à vista, Salazar reclama o holocausto e prepara o virar de página. Pelo Ministério do Ultramar chegam ordens para que as relíquias de São Francisco Xavier sejam transferidas para Lisboa. Outra mensagem recomenda a destruição de variado património não-militar, incluindo o palácio. Vassalo recusa-se a cumprir ambas as ordens, que Azeredo atribui «à criminosa inconsciência e à insanidade de Salazar, que preferia a política da terra queimada - como acontecera meses antes, em São João Baptista de Ajudá. 'Não! Não aceito destruir os testemunhos da nossa grandeza no Oriente', disse-me, quando mandou retirar os bidões de gasolina junto do Idalcão». O campo de prisioneiros de Pondá No dia 17 de Dezembro, os territórios de Goa, Damão e Diu são cercados por efectivos das forças armadas da Índia. O desequilíbrio, de homens e de meios, é chocante. A comparação feita pelo coronel Carlos Morais («A Queda da Índia Portuguesa – Crónica da Invasão e do Cativeiro») é eloquente: do lado da Índia, «um total de 45 mil homens e mais 25 mil de reserva, utilizando carros de combate do último modelo, artilharia, tropas aerotransportadas, unidades anfíbias, engenharia, aviação moderna, etc.»; do lado português, «cerca de 3500 homens deficientemente armados e municiados, sem blindados e sem armas anticarro, sem aviação e, praticamente, sem artilharia». Sabedor de tamanha vantagem e confiante na eficácia dos seus aviões, o vice-marechal Pinto do Rosário aposta em como irá beber uma cerveja portuguesa na praça principal de Panjim no dia imediato ao ataque. Uma aposta só ganha parcialmente, como faz notar P.N.Khera: «Quando chegaram à praça, todas as lojas estavam fechadas e não havia uma garrafa de cerveja disponível». No dia 17 de Dezembro, os territórios de Goa, Damão e Diu são cercados por efectivos das forças armadas da Índia. O desequilíbrio, de homens e de meios, é chocante. A comparação feita pelo coronel Carlos Morais («A Queda da Índia Portuguesa – Crónica da Invasão e do Cativeiro») é eloquente: do lado da Índia, «um total de 45 mil homens e mais 25 mil de reserva, utilizando carros de combate do último modelo, artilharia, tropas aerotransportadas, unidades anfíbias, engenharia, aviação moderna, etc.»; do lado português, «cerca de 3500 homens deficientemente armados e municiados, sem blindados e sem armas anticarro, sem aviação e, praticamente, sem artilharia». Sabedor de tamanha vantagem e confiante na eficácia dos seus aviões, o vice-marechal Pinto do Rosário aposta em como irá beber uma cerveja portuguesa na praça principal de Panjim no dia imediato ao ataque. Uma aposta só ganha parcialmente, como faz notar P.N.Khera: «Quando chegaram à praça, todas as lojas estavam fechadas e não havia uma garrafa de cerveja disponível». Pela manhã, Azeredo é chamado ao governador, que o nomeia oficial de ligação com as forças de segurança (Guarda Fiscal e Polícia). O resto do dia é passado no quartel. «Dormi numa espécie de catre de emergência. Dormimos todos. Estávamos de prevenção desde o dia 11 ou 12». Ao princípio da noite aterra no aeroporto de Dabolim um avião da TAP, vindo de Carachi. Prevê-se que traga uma encomenda urgente das desejadas granadas «Instalaza», destinadas a reforçar a depauperada artilharia anticarro. Os caixotes são abertos com ansiedade, mas ninguém quer acreditar no que vê: em vez de granadas, chouriços, enviados por Lisboa no âmbito da campanha do «Natal do Soldado»... Oficiais a bordo do navio «Pátria», no retorno a Portugal (o primeiro da esquerda é o capitão Azeredo A invasão inicia-se aos primeiros minutos de dia 18. Pelo Norte, pelo Sul, por Este, é prontamente anunciada pela emissora All India Radio. «Deviam ser umas 6h30 quando me apresentei no palácio». Pouco depois, o centro de telecomunicações, em Bambolim, é alvo de um bombardeamento aéreo. «Como não havia transmissões, o governador mandou-me lá ir ver o que se passava. Fui num Volkswagen preto. O centro e os geradores tinham sido atacados com bombas e «rockets». Mataram um alferes - ainda o vi, com massa encefálica a sair». Goa ficara cortada do exterior - nem Lisboa, nem Damão, nem Diu. A invasão inicia-se aos primeiros minutos de dia 18. Pelo Norte, pelo Sul, por Este, é prontamente anunciada pela emissora All India Radio. «Deviam ser umas 6h30 quando me apresentei no palácio». Pouco depois, o centro de telecomunicações, em Bambolim, é alvo de um bombardeamento aéreo. «Como não havia transmissões, o governador mandou-me lá ir ver o que se passava. Fui num Volkswagen preto. O centro e os geradores tinham sido atacados com bombas e «rockets». Mataram um alferes - ainda o vi, com massa encefálica a sair». Goa ficara cortada do exterior - nem Lisboa, nem Damão, nem Diu. Com a invasão em curso, ao comando-chefe resta activar o Plano Sentinela. Passam alguns minutos das 8 horas quando o governador abandona a capital em direcção aos estaleiros navais, na península de Mormugão. «Tendo sido dispensado, fui assumir o comando das tropas da segunda linha defensiva». O dispositivo vai da ilha de São Jacinto a Issoroim, cortando o istmo da península, escolhido como último reduto de resistência. «Cheguei lá eram umas 10h30. Ao todo, teria cerca de 500 homens sob o meu comando - tropa que vinha chegando de outras posições, a recuar. Cavámos rapidamente umas trincheiras, que reforçámos com troncos de palmeiras». O armamento é pouco mais que ridículo: duas metralhadoras ligeiras Lewis e velhas espingardas. Mais à frente, a primeira linha, composta por forças da Companhia de Caçadores 3. De quando em vez, e à falta de comunicações, Azeredo vai de carro até ao comando-chefe, «uns dois quilómetros atrás». Durante uma dessas incursões, ao atingir um ponto mais alto, assiste ao combate entre o «Afonso de Albuquerque» e a marinha indiana - três fragatas e dois contratorpedeiros. «O nosso navio estava no ancoradouro de Dona Paula, do outro lado do rio Zuari. Por volta do meio-dia, ao ser alvejado, largou e manobrou no sentido de atingir o mar alto. A artilharia inimiga utilizava bombas Shrappnell, antipessoais. Ouviam-se distintamente os estampidos das explosões e viam-se as nuvens que deixavam. Uma delas rebentou mesmo por cima do navio», matando um grumete e ferindo gravemente o comandante Cunha Aragão. O barco, então, «guinou 180 graus e encalhou de proa na praia de Bambolim. Vi a tripulação a incendiá-lo e a desembarcar directamente para a praia». A versão oficial, mantida durante anos, enaltecerá a heróica resistência do «Afonso de Albuquerque» - chegando-se a escrever que ele fora metido a pique. «Tudo fábulas! Digo-o com a autoridade de quem foi testemunha directa do combate». Às 15 horas, novo revés. A pequena guarnição que permanecera em Panjim entrega-se sem mais. Ao atingir o outro lado do rio Mandovi, «o inimigo colocou vários carros de combate com os canhões apontados para a cidade, enquanto a aviação sobrevoava, ameaçadora. Em contrapartida, nós não tínhamos uma única peça de artilharia. Os oficiais mais antigos reuniram-se e decidiram render-se». Vassalo só soube mais tarde - «Ficou danado». Manifestação em Lisboa contra a Índia A noite cai, com o desfecho da guerra já virtualmente traçado. Esgotado, o capitão Azeredo não consegue conciliar o sono. «Pensei vezes sem conta que, para muitos de nós, seria a derradeira noite». Ao recordar a mulher e os três filhos, algures a caminho de Lisboa, não consegue evitar uma lágrima de comoção. Depois, refugia-se numa oração. «Na paz da noite, elevei o meu pensamento para o Criador e preparei a minha alma para morrer». A noite cai, com o desfecho da guerra já virtualmente traçado. Esgotado, o capitão Azeredo não consegue conciliar o sono. «Pensei vezes sem conta que, para muitos de nós, seria a derradeira noite». Ao recordar a mulher e os três filhos, algures a caminho de Lisboa, não consegue evitar uma lágrima de comoção. Depois, refugia-se numa oração. «Na paz da noite, elevei o meu pensamento para o Criador e preparei a minha alma para morrer». Às 4h30 de dia 19, as linhas defensivas são inspeccionadas pelo governador. «Verificou as nossas fraquíssimas posições. Mesmo assim, bateu-me amigavelmente no ombro: 'Azeredo, está tudo muito bem'». Não fala de rendição e prossegue em direcção à primeira linha. A destruição de algumas pontes estratégicas não consegue impedir o avanço imparável do inimigo. Os focos de resistência são fugazes e reduzem-se ao forte da Aguada, à ilha de Angediva, ao posto de Doromarogo, pouco mais. Ao quartel-general, instalado nos estaleiros, quase só chegam notícias desencorajadoras: derrotas, baixas, rendições, esgotamento de munições, deserções. O patriarca das Índias, D. José Vieira Alvernaz, insiste junto do governador para que impeça o massacre de militares e civis e faz um apelo desesperado à rendição. Vassalo e Silva avalia o quadro militar. Sitiado em Mormugão, está literalmente cercado por terra, mar e ar. Sem meios nem homens, uma contra-ofensiva seria absolutamente suicida. A simples resistência daria azo a uma carnificina inútil. A rendição surge como inevitável. O coronel Carlos Morais, no seu livro, regista o momento histórico: 12h15 de 19 de Dezembro. As chefias presentes são informadas da decisão, que às 14 horas é transmitida, por escrito, ao comandante indiano: «Solicito a V. Exª a suspensão de fogo entre as nossas Forças, a partir deste momento». Às 15 horas Azeredo é chamado ao comando. «Profundamente abatido, o governador mandou-me recolher as tropas ao quartel de Alparqueiros», à entrada da cidade de Vasco do Gama, «porque tinha havido uma trégua para conversações». De regresso à sua posição, «entreguei o comando do sector de S. Jacinto ao tenente Máximo e meti-me no meu Volkswagen para ir até Issorsim avisar o tenente Melo Gomes da ordem de retirada». Ao voltar a S. Jacinto, é surpreendido na estrada por um patrulha inimiga, comandada por um oficial, que o manda parar. Sozinho e sem qualquer capacidade de resistir, entrega-se. «Um sargento tomou conta da minha pistola, uma Parabello de 9mm, e o oficial meteu-se no carro, comigo a guiar e dois soldados atrás, armados». Chegado a Alparqueiros, já controlado por tropas indianas, Azeredo sai do carro em que o seu captor desaparece. «A primeira coisa que vi ao entrar no quartel foi um monte de armas, no chão, que os portugueses iam depositando à medida em que eram feitos prisioneiros». A rendição formal de Vassalo e Silva é recebida às 18 horas pelo brigadeiro K.S.Dhillon, da 6º Brigada de Infantaria Sick. Ao todo, são feitos 4668 prisioneiros, entre militares e civis, metropolitanos, africanos e indianos - números do relatório da «Operação Vijay»; 3412 em Goa, 853 em Damão, 403 em Diu. Concentrados em Goa, são divididos em quatro campos: Navelim (posteriormente encerrado, de tão mau que era), Praça da Aguada, Pondá e Alparqueiros. Este é o maior, com quase dois mil detidos, entre os quais Vassalo e Silva. É aqui que o já ex-governador recebe, logo no dia 20, a visita do comandante inimigo, general Chaudhury. «Chegou num helicóptero - foi, aliás, a primeira vez que vi um aparelho daqueles, creio que um Alouette 1». Azeredo está no quarto do general. «Ele tinha-me pedido emprestada uma camisa lavada - a única que eu tinha enfiado no bornal. Queria apresentar-se devidamente. Como era mais encorpado que eu, a camisa ficou-lhe um bocado apertada». O general não fala inglês e pede ao capitão para servir de interprete. Chaudhury faz questão de entrar sozinho no quarto-cela. «O Vassalo quis levantar-se, para cumprimentar o indiano, mas este pousou-lhe a mão no ombro e não deixou. Puxou uma cadeira e sentou-se». O português recusa o tratamento preferencial que lhe é oferecido e agradece as atenções reveladas com o bem-estar da mulher. «Depois, o Chaudhury felicitou o ex-governador pela actuação das tropas portuguesas nos 'valentes combates' travados em Mapuçá, Bicholim, Damão e Diu, onde reagiram muito bem». No final, o vencedor coloca-se à disposição do vencido «para o que for necessário. Apertou-lhe cordialmente a mão e retirou-se». Azeredo mantém-se em Alparqueiros e Vassalo é posteriormente transferido para Pondá. Enquanto estão no mesmo campo, conversam longamente. «O general, de vez em quando, chamava-me. Era um homem profundamente prostrado. Costumava dizer que um oficial não é senhor da vida dos seus homens, a ponto de os mandar morrer inutilmente. Que jamais poderia aceitar a destruição de Goa, que também fora construída pelos goeses.» Na prisão, Azeredo fica no mesmo quarto com mais quatro capitães. Por colchão, tem «um bocado de cartão canelado, sobre o cimento». Com uma só farda, «tinha-a sempre lavada e esticadinha. Fazia questão de me apresentar todos os dias, na formatura, aprumado e a rigor. E com os sapatos engraxados - mesmo se, no final, já nem tinham sola...» No resto do dia «andava sempre de cuecas». A alimentação é insuficiente - «ainda perdi uns bons quilos». Dos carcereiros, não tem especiais razões de queixa. «Salvo nos primeiros dias, foram sempre absolutamente correctos comigo». O dia-a-dia é sempre igual: leitura, xadrez, o correio («apesar de censurado»), ginástica, jogos de vólei ou basquete. A seu cargo tem menos de uma centena de homens - «o que restava de três esquadrões de Cavalaria». Todos os dias cumprem uma sessão de «ordem unida», mesmo sem arma, de cinco a dez minutos, «para manter a disciplina e o aprumo». Inesperada é a companhia de um macaco de raça langur. «Fora capturado em Bicholim por um alferes, que mo ofereceu. Era prateado e tinha o peito branco. Chamava-se Crishna, um deus hindu. Levei-o para a metrópole e mais tarde para Cabinda». Uma das ocupações consiste na redacção dos relatórios das derradeiras operações. A ordem é de Vassalo e Silva, transmitida pelo padre jesuíta Joaquim Ferreira da Silva. Alparqueiros está numa pequena península na foz do Zuari, entalada entre os estaleiros navais, a cidade de Vasco da Gama e o cais de Mormugão, de onde é exportado o rico minério de ferro - a principal matéria-prima de Goa. Pertencente à Marinha, o quartel ganhou dimensão e importância estratégica. A entrada é uma só e está liminarmente vedada a estranhos - como faz notar, com maus modos, uma sentinela. Só da suja praia de pescadores, a Oeste, é possível ter uma visão, e muito parcelar, do antigo Quartel do Batalhão de Infantaria de Vasco da Gama. Como aconteceu em todas as instalações de carácter militar, a autorização para visitar o antigo campo de prisioneiros não foi deferida em tempo útil. A dura rotina do campo é amenizada pelas visitas - goeses amigos, conhecidos, simples anónimos. «Nos primeiros dias, apareceram centenas, mesmo milhares, que nos manifestavam toda a sua simpatia e carinho». Surpreendidas, as autoridades militares limitam as visitas a duas vezes por semana e confinadas à Cruz Vermelha. Adélia Costa é uma das raras pessoas autorizadas a visitar Alparqueiros. Dirige o Hospital Psiquiátrico Abade de Faria. Formada em Lisboa, fora a primeira mulher a especializar-se em Portugal em Neurologia. «Quando comecei a trabalhar, ainda se chamava Hospital Mental. Era uma coisa horrorosa, davam-se sovas aos doentes e tudo. Deparei com vários presos políticos goeses, com guias da polícia para serem internados! Acabei com isso tudo, com total apoio do Vassalo e Silva». Vizinha dos Azeredo, fora com apreensão que se despedira da família do capitão quando foi evacuada. Era uma altura em que ainda tinha ilusões - «não me posso esquecer de meu pai, um optimista que nunca acreditou que a Índia invadisse Goa». Na madrugada de 18, Adélia acordou com os primeiros rebentamentos e uma visita inesperada. «Eram quatro ou cinco da manhã quando o Carlos bateu à porta. Fardado, vinha despedir-se. 'Se eu morrer, quero que entregues isto à minha mulher', disse, enquanto me passava para as mãos dois volumes - um livro e um transístor, creio». Foi um momento de enorme emoção. A médica lembra-se apenas do militar observar que «o nosso trabalho é este - só trabalhamos verdadeiramente quando há guerra». E a guerra tinha começado. Sem perda de tempo, a directora correu ao hospital, para proteger os seus doentes. Só sossegou depois de ter coberto os telhados com lençóis brancos, pintados com grandes cruzes encarnadas. Médica e capitão reencontram-se no dia de Natal. «Foi a primeira vez que pude ir a Alparqueiros. Era um magote! O povo de Goa, gente pobre, oferecia o que podia: cigarros, bolachas, chá, medicamentos, dinheiro...» A tamanha solidariedade segue-se a proibição das visitas. «Como só a Cruz Vermelha é que podia ir aos campos, inscrevi-me imediatamente». Adélia Costa continua a viver em Goa. Em Panaji, mas do que mais gosta é de passar o fim-de-semana com os irmãos e sobrinhos no enorme solar dos «Quadros e Costa». É lá que nos fala desses dias inesquecíveis, sentada numa confortável cadeira de madeira, entre um aromático café e um saboroso bolo de coco feito pela irmã. O tempo parece ter parado no velho solar de Loutulim. Desde a vasta colunata até ao magnífico canapé, passando pelo espantoso oratório indoportuguês, tudo evoca um passado que foi rico mas é distante. Aquando da repatriação, os pais de Adélia convenceram-na a ir para Lisboa. «Aproveitei e em cinco meses fiz a especialidade de Psiquiatria». A médica não descansou enquanto não voltou para o lado dos pais, que haviam ficado sozinhos. «Regressei a 22 de Fevereiro de 1963». Retomar o hospital estava fora de causa. «Abri um consultório, onde ainda hoje exerço». Também deixou de pertencer à Cruz Vermelha. E em vez do passaporte português, passou a ter o indiano. «É esta a minha terra, é aqui que quero viver» - explica. «O que não me impede de ir até Lisboa». A 17 de Janeiro, um grupo de prisioneiros ensaia uma fuga, abortada por uma inqualificável delação. Furioso, o segundo comandante do campo, capitão Naique, manda o clarim convocar uma formatura de emergência para uma contagem especial dos presos, não tivesse havido mais fugas. «Quando eu passei, devagar, pelo Naique, a caminho da formatura, ele ordenou-me: 'corre, corre!' Resmunguei e mandei-o àquela parte». Em português ou em inglês, já não sabe ao certo - a verdade é que o oficial sick não gostou. «Ordenou a cinco praças que me espancassem. Enquanto um me apontava a arma, os outros desataram a bater-me, incluindo à coronhada». Caído no chão, só se lembra de ter acordado no dia seguinte, cheio de contusões. «Reconheço que, se calhar, a tareia até foi merecida, mas ao menos tive o raro prazer de o mandar àquela parte!» A cena ficou nos anais do campo. Muitos saúdam a coragem do bravo capitão Azeredo, que não hesita em fazer uma participação. «E a verdade é que o Naique foi mesmo punido - o que só abona em favor do Exército indiano, que respeitou sempre os artigos da Convenção de Genebra». O cativeiro prolonga-se durante seis meses, «graças à estúpida teimosia de Lisboa». As negociações arrastam-se, até porque Salazar manda deter 12 mil indianos de Moçambique, que passam a constituir moeda de troca. Finalmente, a 6 de Maio, começa a repatriação: uma ponte aérea até Carachi, e depois um dos três navios enviados pelo governo. «Saí do campo a 12 de Maio, num avião francês, com o meu bornal e o macaco». Chegado ao Paquistão, embarca no «Pátria», onde recebe uma camisa, uma camisola e umas calças, «que mais tarde pediram para pagar ou devolver». A ditadura, que não tinha mostrado qualquer pressa em libertar os prisioneiros, também não mostra satisfação em os acolher. «Chegámos à barra do Tejo às 16 horas. Fundeámos e só nos mandaram entrar às 2 horas da manhã. Entretanto, encheram o barco com a Polícia Militar de pistolas-metralhadoras apontadas para nós». Estupefactos, os ex-prisioneiros nem querem acreditar na justificação. «Diziam que era para nos defender da ira da população, que nos queria linchar pela nossa covardia...» Na Rocha do Conde de Óbidos, porém, não há violências nem recriminações. Só abraços e lágrimas, de familiares e amigos, que enchem o cais para acolher os ex-presos. Os mesmos que a imprensa do regime lamentara não serem heróis mortos em combate. O ajuste de contas é inevitável. Bode expiatório da perda da jóia imperial, o comportamento da guarnição militar é analisado à luz de um mero Regulamento de Disciplina. Em vez de tribunais, advogados e juízes, o processo é entregue a generais e burocratas, sem que haja direito de defesa. O veredicto é conhecido em Março de 1963. As sanções são severas: expulsão das Forças Armadas de 10 oficiais, a começar por Vassalo e Silva; reforma compulsiva para 5; meio ano de inactividade para 9. Sem recurso. A mão pesada dos castigos quase faz esquecer as condecorações e promoções de outros militares, algumas a título póstumo. Azeredo nunca mais esqueceu o vexame e a arbitrariedade. «Tudo isto fez crescer em mim uma profunda revolta contra Salazar e contra a sua política estreita e antinacional» - e que o leva a participar no golpe de 25 de Abril. Em Setembro de 1974, Carlos Azeredo volta a cruzar-se com Goa, desta feita para presidir à comissão de revisão do «processo da Índia». No seu estilo directo e desassombrado propõe a anulação, pura e simples, de todas as penas e a reintegração dos militares. «Era a única forma de fazer justiça e rapidamente». A proposta é aprovada pelos órgãos do poder democrático. O decreto-lei é publicado a 19 de Dezembro de 1974 - exactamente 13 anos depois do fim do Estado Português da Índia. *Com pesquisa documental de Luísa Amaral 79

O roteiro do general em Goa 40 anos depois da queda da Índia Portuguesa, o EXPRESSO levou Carlos Azeredo aos locais onde viveu, trabalhou, fez a guerra e esteve preso

1. Forte de Tiracol, na fronteira com a Índia 2. Antigo quartel do esquadrão da Polícia

3. General goês Francis Rodrigues, ex-chefe do Estado Maior do Exército da Índia 4. Monumento de homenagem aos mártires da luta pela liberdade

5. D. Augusto de Noronha e Távora, o último dos Távoras de Goa, no hospital 6. Campo de prisioneiros, onde esteve detido quase seis meses

7. Ravindra Kelecar, um dos ‘Freedom Fighters’ 8. Adélia Costa, médica, que pertencia à Cruz Vermelha

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COMENTÁRIOS AO ARTIGO

5 comentários 1 a 5

11 de Dezembro de 2001 às 00:47

Muxinho ( joaomagar@hotmail.com )

Não provocou mortes? deve estar a brincar caro amigo, fique sabendo: 1º)Desde o 26 de Abril até á sua saída de Àfrica o E.P. sofreu porporcionalmente o dobro das baixas que antes da revolução.

2º)O senhor já contou (ninguém dá-me ideia) o nº de mortos em consequência da descolonização "exemplar"?

3º) Sabe quantos Portuguêses de raça negra, que comatiam do nosso lado foram abandonados e fuzilados na Guiné e em Angola? depois da entrega exemplar?!

È tudo gente boa no novo regime só que no Prec Caxias teve mais "hóspedes", por motivos políticos,que no período anterior.

Não foram só a si que morreram amigos, nem que ficaram estropiados Há mais gente por aí que ficou sem pai ou sem filho mas que pensam bem difrente do Sr. .

11 de Dezembro de 2001 às 00:15

L Ami de l Onça ( algarviomarefado@hotmail.com )

Creio que nos desviamos do assunto, pois o grupo actual pode ser ladrao, mas até ver, nao provocou mortes desnecessárias. Salazar com a sua política de "Orgulhosamente sós" fez com que vários dos meus amigos tenham morrido ou ficado estropiados. Estoirou muitos casamentos. Para quê?

Se o caro cibernauta achar que deve responder a isto, ... Bom Natal. Fecho a caneta neste capítulo.

10 de Dezembro de 2001 às 09:13

Muxinho ( joaomagar@hotmail.com )

Saudosismos nunca, história de Portugal e da mais pura ainda mais pelo relato de um excelente oficial,bravíssimo combatente e homem de honra.

Quanto ao "bode" de S.Bento, mais respeito por um homem que apesar de ter metido os pés pelas mãos em termos de polítca colonial, tornou este país na 4ª reseva de ouro do mundo e na 7ª economia Mais forte. Apesar dos profundos erros que cometeu, só os pequenos homens cometem pequenos erros, Salazar foi governante honestíssimo e serviu este país com uma dedicação e trabalho árduo como ninguem serviu e duvido que venha a servir.A presente classe política tem muito que aprender em termos de competência,honestidade e capacidade de trabalho metódico e árduo com Salazar e não só, falta-lhes o orgulho de ser Portuguêses e a profunda inteligência e argucia que Salazar possuia.

Apesar de não ser Salazarista (parece mas não sou), "salte a terreiro alguém melhor do que ele na presente "paisagem" política nacional.Não se percebia o que ele dizia mas sempre se sabia para onde se ia; com Caetano e a demais maltósa saída do 25 A., fala-se bem e caro mas ninguém sabe aonde é que isto vai parar.

AO contràrio de SAlazar este regime arruinou o país e depois de tanta cr´tica á política colonial do senhor fêz emenda pior que o soneto conduzindo ao desastre que se sabe.

9 de Dezembro de 2001 às 08:15

Akira ( paula@shako.sk.tsukuba.ac.jp )

saudosismos nacionalistas para que vos quero!

8 de Dezembro de 2001 às 16:39

L Ami de l Onça ( algarviomarefado@hotmail.com )

Excelente artigo.

Nesse Natal de 1961, o Bode da Calçada da Estrela decidiu que a baixa lisboeta nao teria iluminaçao, porque o País estava de luto. Foi o início de um período negro, que sacrificou futilmente uma geraçao. Se a abençoada cadeira do Forte de S Juliao tivesse rebentado dez anos mais cedo, como teria sido o nosso futuro ?

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18 DEZEMBRO 1961 Passagem para a Índia

Iniciada às zero horas de 18 de Dezembro de 1961, a invasão de Goa, Damão e Diu demorou 36 horas. A desproporção era demasiada, com as forças indianas 13 vezes superiores à guarnição portuguesa. O «sacrifício total» pedido por Salazar seria uma tragédia. Assim o entendeu, ao render-se, o general Vassalo e Silva, último governador de uma História de 451 anos. Carlos Azeredo foi um dos militares que participou nos acontecimentos. 40 anos depois, o general foi o guia do Expresso numa visita aos últimos anos da Índia portuguesa

Textos de José Pedro Castanheira

Fotografias actuais de Jorge Simão * INFOGRAFIA DE ANA SERRA E JAIME FIGUEIREDO

Carlos Azeredo desembarca pela primeira vez em Goa em 17 de Setembro de 1954. Alferes de Cavalaria, de 23 anos, oferecera-se como voluntário para defender o chamado Estado Português da Índia de uma mais que provável invasão pela poderosa União Indiana. «Saímos de Lisboa no navio 'Serpa Pinto'; eu era o único oficial de Cavalaria a bordo». Carlos Azeredo desembarca pela primeira vez em Goa em 17 de Setembro de 1954. Alferes de Cavalaria, de 23 anos, oferecera-se como voluntário para defender o chamado Estado Português da Índia de uma mais que provável invasão pela poderosa União Indiana. «Saímos de Lisboa no navio 'Serpa Pinto'; eu era o único oficial de Cavalaria a bordo». Carlos Azeredo fez duas comissões em Goa: uma em 1954/5, outra em 1961. 40 anos depois já reformado, o general voltou, para contar como foi o fim Nascido de uma família de forte tradição monárquica do concelho de Baião, ingressara na Escola do Exército em 1948, contra a vontade do pai, que preferia que o filho mais velho tivesse optado por Engenharia. Seguira-se a Escola Prática de Cavalaria, em Torres Novas, e o Regimento de Cavalaria 6, no Porto, «o meu regimento de origem». A viagem de barco é lenta e sem história. «Passámos no canal do Suez e os ingleses ainda estavam em Aden». O desembarque é em Mormugão, o mais importante porto de Goa, conquistado por Afonso de Albuquerque em 25 de Novembro de 1510. Nascido de uma família de forte tradição monárquica do concelho de Baião, ingressara na Escola do Exército em 1948, contra a vontade do pai, que preferia que o filho mais velho tivesse optado por Engenharia. Seguira-se a Escola Prática de Cavalaria, em Torres Novas, e o Regimento de Cavalaria 6, no Porto, «o meu regimento de origem». A viagem de barco é lenta e sem história. «Passámos no canal do Suez e os ingleses ainda estavam em Aden». O desembarque é em Mormugão, o mais importante porto de Goa, conquistado por Afonso de Albuquerque em 25 de Novembro de 1510. A vizinha e imensa União Indiana é um vulcão de fervor nacionalista. Independente da Inglaterra desde 1947, antes ainda da libertação já os seus principais dirigentes haviam reclamado a integração dos territórios do Estado Português da Índia: Goa, Damão e Diu. Mahatma Gandhi, o pai da grande nação indiana, fora significativamente o primeiro a declarar que Goa não poderia ficar separada. Esta será uma constante da política do primeiro-ministro Pandit Jawaharlal Nehru, que, em 1950, reivindica formalmente os territórios administrados por Portugal, a quem propõe a abertura de negociações. O governo presidido por Oliveira Salazar recusa, com o argumento de que Goa e os demais territórios fazem parte do todo nacional. Em Goa, Damão e Diu, as manifestações de desobediência civil ou a favor do direito à autonomia têm como resposta a prisão, a deportação e a censura. Muitos goeses, sejam católicos ou hindus, são compelidos ao exílio. Ao diálogo de surdos, segue-se uma nova táctica: a da pressão, através do bloqueio económico e do recurso aos famosos «satyagrahis», que invadem pacificamente os territórios portugueses. Significando literalmente «força da verdade», os «satyagrahis» haviam sido criados por Gandhi e revelaram-se um elemento decisivo na sua estratégia de resistência não-violenta. Ao diálogo de surdos, segue-se uma nova táctica: a da pressão, através do bloqueio económico e do recurso aos famosos «satyagrahis», que invadem pacificamente os territórios portugueses. Significando literalmente «força da verdade», os «satyagrahis» haviam sido criados por Gandhi e revelaram-se um elemento decisivo na sua estratégia de resistência não-violenta. Vagas sucessivas destes «satyagrahis», enquadrados por militares, invadem, em 1954, os enclaves portugueses de Dadrá e Nagar-Aveli, perto de Damão. O primeiro cai em 22 de Julho, o segundo onze dias depois. Nos confrontos em Dadrá, são mortos dois polícias portugueses. «Mortos pela Pátria», como assinala uma lápide, que ainda se mantém num jardim de uma das fortalezas de Damão. A anexação destes enclaves é o prenúncio de que, a seguir, será a vez de Goa, Damão e Diu. Disposto a defender cara a jóia do império, Salazar responde nos planos diplomático e militar. No dia imediato à sua admissão nas Nações Unidas, Portugal recorre ao Tribunal Internacional de Justiça (em Haia) contra a anexação dos dois enclaves. E reforça a defesa da Índia, recorrendo a voluntários. Sensível ao veemente apelo à defesa da Pátria, o alferes Azeredo oferece-se. Ao todo, chegam a Goa mais três batalhões do Exército. O governador, general Benard Guedes, passa a dispor de 12 mil homens nos três territórios. No braço-de-ferro entre Nehru e Salazar sobre as colónias portuguesas da Índia, o alferes Azeredo ofereceu-se como voluntário para Goa Goa não era inteiramente desconhecida para o jovem Azeredo - ao menos no plano afectivo e familiar. Nascido em 4 de Outubro de 1930, em Marco de Canavezes, Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme pertence pela via materna à família Távora, a mesma que o marquês de Pombal elegera como inimiga de estimação. Francisco de Assis Távora, o último marquês com aquele título, tinha sido o 45º vice-rei da Índia (1750/54). Não admira, pois, que a família se tenha tornado num dos maiores proprietários da colónia. Antes numerosos, ricos e influentes, os Noronha e Távora que Azeredo encontra em Goa já não são o que foram. D. Augusto é o chefe da família. «Era primo direito do meu avô. Casou-se com uma goesa e ficou a tomar conta das propriedades da família - cada vez mais pequenas, diga-se». Goa não era inteiramente desconhecida para o jovem Azeredo - ao menos no plano afectivo e familiar. Nascido em 4 de Outubro de 1930, em Marco de Canavezes, Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme pertence pela via materna à família Távora, a mesma que o marquês de Pombal elegera como inimiga de estimação. Francisco de Assis Távora, o último marquês com aquele título, tinha sido o 45º vice-rei da Índia (1750/54). Não admira, pois, que a família se tenha tornado num dos maiores proprietários da colónia. Antes numerosos, ricos e influentes, os Noronha e Távora que Azeredo encontra em Goa já não são o que foram. D. Augusto é o chefe da família. «Era primo direito do meu avô. Casou-se com uma goesa e ficou a tomar conta das propriedades da família - cada vez mais pequenas, diga-se». D. Augusto, o primo de 90 anos, não está em casa. Uma violenta trombose obrigou-o à hospitalização. A residência, num vulgar prédio de uma rua perdida de Panaji, está assinalada por uma placa metálica, com a inscrição: D. Augusto de Noronha e Távora, mais conhecido por «Lobé». O general é recebido por uma das filhas, Margarida. Numa parede, a árvore genealógica da família, a partir de D. Lourenço Carlos Bernardo de Noronha e da sua ligação com D. Veridiana Amália Henriques da Cunha Lobato de Faria. «Foram os primos do Porto que nos enviaram», explica Margarida. Numa mesa, um cinzeiro do Futebol Clube do Porto, de que Lobé sempre foi ferrenho adepto. «A última vez que o vi, foi aquando da visita do Presidente Mário Soares, em 1992; estava na recepção do hotel, com um boné do FCPorto». O último dos Távora de Goa está no quarto nº 10 do hospital de Bambolim. Entubado e a soro, D. Augusto não dá conta de si e muito menos reconhece o primo Carlos. Uma enfermeira ainda se esforça por tirar o velho Lobé do seu torpor, mas sem êxito. No silêncio do quarto, sente-se que é o torpor da morte. O general despede-se do primo com uma festa terna na mão e um inaudível adeus. O último dos Távora de Goa está no quarto nº 10 do hospital de Bambolim. Entubado e a soro, D. Augusto não dá conta de si e muito menos reconhece o primo Carlos. Uma enfermeira ainda se esforça por tirar o velho Lobé do seu torpor, mas sem êxito. No silêncio do quarto, sente-se que é o torpor da morte. O general despede-se do primo com uma festa terna na mão e um inaudível adeus. Chegado a Goa, ao alferes é entregue o comando de um destacamento em Perném, junto ao rio Tiracol, que faz fronteira com a União Indiana. A sua missão é fiscalizar a fronteira Norte, com um pelotão de trinta homens - 27 praças e três sargentos. «Ficámos instalados em barracas de lona, cónicas, onde passámos toda a monção». Em casa do último familiar dos Távora, em Pangim O posto fronteiriço mais emblemático é Tiracol, na margem Norte do rio, protegido por uma fortaleza erguida em 1746. Em Agosto de 1954, pouco antes da chegada de Azeredo, os «satyagrahis» haviam tomado conta do forte e hasteado a tricolor indiana, até à sua recuperação por uma força policial. A bonança subsequente reduz o controlo fronteiriço a uma tarefa pouco mais que rotineira. «No meu tempo, não se passou nada. Saíamos de Perném, apanhávamos a lancha da Alfândega e descíamos o rio Tiracol até ao forte. Era um passeio muito bonito». O posto fronteiriço mais emblemático é Tiracol, na margem Norte do rio, protegido por uma fortaleza erguida em 1746. Em Agosto de 1954, pouco antes da chegada de Azeredo, os «satyagrahis» haviam tomado conta do forte e hasteado a tricolor indiana, até à sua recuperação por uma força policial. A bonança subsequente reduz o controlo fronteiriço a uma tarefa pouco mais que rotineira. «No meu tempo, não se passou nada. Saíamos de Perném, apanhávamos a lancha da Alfândega e descíamos o rio Tiracol até ao forte. Era um passeio muito bonito». O forte de Tiracol, feito de blocos de laterite, está transformado num hotel aprazível, que acolhe sobretudo turistas vindos de Goa. A ponte fica muito longe, pelo que é necessário tomar um «ferry-boat» perto de Querim, que em dez minutos faz a viagem entre as duas margens. A vista para a praia de Querim, a Sul, é fantástica. O interior da pequena fortaleza está muito bem preservado. A fachada da capela jesuíta, de 1822, está caiada de branco e conserva as estátuas de três santos: o mártir Sebastião, o inevitável Francisco Xavier e António de Lisboa, o patrono. O velho forte de Terekhol (como se escreve em concanim, a língua mais corrente em Goa), sentinela avançada em pleno estado de Maharashtra, é um dos melhores testemunhos da arquitectura militar portuguesa. No antigo quartel de Mapuça Seis meses dura a comissão em Perném. Segue-se Maulinguem, na fronteira Nordeste, como oficial da carreira de tiro. «Estive lá três meses. Na altura, fiz um relatório em que dizia que cerca de 60% das munições estavam inutilizadas». As espingardas eram Lee-Enfield, de cinco tiros, britânicas, modelo de 1917. «A humidade entranhava-se nas cartucheiras e os canos das armas tinham que ser desentupidos com uma vareta». Seis meses dura a comissão em Perném. Segue-se Maulinguem, na fronteira Nordeste, como oficial da carreira de tiro. «Estive lá três meses. Na altura, fiz um relatório em que dizia que cerca de 60% das munições estavam inutilizadas». As espingardas eram Lee-Enfield, de cinco tiros, britânicas, modelo de 1917. «A humidade entranhava-se nas cartucheiras e os canos das armas tinham que ser desentupidos com uma vareta». Para quem se voluntariara para uma previsível guerra, a inactividade é decepcionante. «Como não acontecia nada, requeri a passagem à metrópole». O ministro Santos Costa indefere o pedido. «O despacho dizia apenas que 'um alferes de Cavalaria, quando se oferece, é para tudo. Aguente-se!' E aguentei, que remédio!» O navio «Afonso de Albuquerque» na Ilha de Angediva O resto da comissão é passado no esquadrão de Mapuçá, numa velha escola adaptada a quartel. Partilha uma casa no centro da cidade com outro oficial. «Cada um tinha um impedido e o cozinheiro era comum - mas todos eram africanos. Nessa altura, havia soldados landins em Goa, vindos de Moçambique (da tribo dos vátuas, do célebre Gungunhana)». A distracção preferida é ir ao cinema à noite, ver filmes indianos. «Era sempre atacado por imensas pulgas. Quando chegava a casa, despia-me, entrava nu e deixava a roupa infestada à porta, para ser lavada. Era assim a vida em Mapuçá». O resto da comissão é passado no esquadrão de Mapuçá, numa velha escola adaptada a quartel. Partilha uma casa no centro da cidade com outro oficial. «Cada um tinha um impedido e o cozinheiro era comum - mas todos eram africanos. Nessa altura, havia soldados landins em Goa, vindos de Moçambique (da tribo dos vátuas, do célebre Gungunhana)». A distracção preferida é ir ao cinema à noite, ver filmes indianos. «Era sempre atacado por imensas pulgas. Quando chegava a casa, despia-me, entrava nu e deixava a roupa infestada à porta, para ser lavada. Era assim a vida em Mapuçá». Mapusa é hoje a terceira cidade do estado de Goa - logo a seguir a Panaji e Margao. O mercado é animadíssimo e as salas de cinema abundam. Uma placa de mármore regista que foi o general Craveiro Lopes quem, em 1933, inaugurou o Liceu Municipal D. Francisco d'Almeida. A escola virou quartel e voltou a ser escola. Chama-se St. Mary School, está muito velha e é dirigida por freiras carmelitas. As guaritas já lá não estão. «Eram os landins que faziam de sentinelas. Autênticas estátuas, os melhores soldados que conheci». A escola está encerrada - são as férias do Diwali, ou festa das luzes, que marcam o ano novo hindu. À porta estacionam vários carros de uma escola de condução, que inclui no logótipo uma cruz bramânica, a que inspirou a suástica nazi. O alferes Azeredo Em Setembro de 1955, o primeiro-ministro Nehru manda pôr termo ao movimento dos «satyagrahis». A decisão é tomada após a jornada de 15 de Agosto, aniversário da independência da Índia. Nesse dia sangrento, três mil pacifistas penetraram em Goa, Damão e Diu. «As forças policiais e militares portuguesas abriram fogo contra os 'satyagrahis', sem aviso e em vários locais», escreve P.N.Khera (em «Operation Vijay. The Liberation of Goa and Other Portuguese Colonies in India»). Balanço: 22 mortos e 225 feridos. A não violência é posta em xeque, o que obriga Nova Deli a mudar de estratégia. Por um lado, reforça o cerco económico a Goa, inteiramente dependente do exterior. Por outro, abandona o pacifismo pregado por Gandhi e avança para uma solução militar. Em Setembro de 1955, o primeiro-ministro Nehru manda pôr termo ao movimento dos «satyagrahis». A decisão é tomada após a jornada de 15 de Agosto, aniversário da independência da Índia. Nesse dia sangrento, três mil pacifistas penetraram em Goa, Damão e Diu. «As forças policiais e militares portuguesas abriram fogo contra os 'satyagrahis', sem aviso e em vários locais», escreve P.N.Khera (em «Operation Vijay. The Liberation of Goa and Other Portuguese Colonies in India»). Balanço: 22 mortos e 225 feridos. A não violência é posta em xeque, o que obriga Nova Deli a mudar de estratégia. Por um lado, reforça o cerco económico a Goa, inteiramente dependente do exterior. Por outro, abandona o pacifismo pregado por Gandhi e avança para uma solução militar. Em Fevereiro de 1956, após 18 meses de uma voluntária comissão goesa, Carlos Azeredo está de volta a Portugal. Já tenente, casa-se e dedica-se a sério à equitação. À passagem da década, a onda anticolonialista é cada vez maior e está à beira de atingir os territórios portugueses de África: Angola e Guiné, mas também Moçambique. Lisboa reequaciona a situação política. A prioridade vai para a África - até porque se sabe, de ciência certa, que Goa é militarmente indefensável, como aliás Salazar já reconhecera. O monumento que substituiu a estátua de Vasco da Gama O veredicto do Tribunal Internacional de Haia é conhecido em Abril de 1960. Sentença ambígua, que permite a Lisboa e Deli reclamarem vitória. Por um lado, é reconhecida a soberania portuguesa sobre os enclaves de Dadrá e Nagar Aveli; por outro, a Índia tem o direito de impedir a estrangeiros a passagem pelo seu território. O veredicto do Tribunal Internacional de Haia é conhecido em Abril de 1960. Sentença ambígua, que permite a Lisboa e Deli reclamarem vitória. Por um lado, é reconhecida a soberania portuguesa sobre os enclaves de Dadrá e Nagar Aveli; por outro, a Índia tem o direito de impedir a estrangeiros a passagem pelo seu território. No final do ano, o subsecretário de Estado do Exército faz uma visita de inspecção à Índia. Pragmático e realista, o tenente-coronel Costa Gomes propõe uma drástica redução do dispositivo militar. Salazar concorda. Em poucos meses, a guarnição passa de 12 mil homens para cerca de 3.500. A Armada, que chegara a ter dois navios, vê-se reduzida ao velho «Afonso de Albuquerque», mantendo-se as três pequenas lanchas de fiscalização, para acorrer aos três territórios e à ilha de Angediva. Quanto à Força Aérea, continua simplesmente inexistente. O general Vassalo e Silva Em Janeiro de 1961, inesperadamente, Azeredo e a Índia cruzam-se pela segunda vez. Promovido a capitão, regressa a Goa para nova comissão - já não como voluntário. «Nessa altura já estava casado, de modo que levei a minha mulher, Lúcia, e os nossos três filhos - um rapaz e duas raparigas». Desta vez, viaja no «Timor». O caminho é o mesmo, mas as diferenças são nítidas. «Em Port Said, a estátua do Ferdinand Lesseps, o construtor do canal do Suez, já fora derrubada; e em Aden já não havia militares ingleses». Em Janeiro de 1961, inesperadamente, Azeredo e a Índia cruzam-se pela segunda vez. Promovido a capitão, regressa a Goa para nova comissão - já não como voluntário. «Nessa altura já estava casado, de modo que levei a minha mulher, Lúcia, e os nossos três filhos - um rapaz e duas raparigas». Desta vez, viaja no «Timor». O caminho é o mesmo, mas as diferenças são nítidas. «Em Port Said, a estátua do Ferdinand Lesseps, o construtor do canal do Suez, já fora derrubada; e em Aden já não havia militares ingleses». Um dos raros oficias com experiência em Goa, Azeredo fica na capital, no comando da Polícia do Estado da Índia. O quartel-general é no centro de Panjim, ao Largo das Sete Janelas. O comandante é o também capitão de Cavalaria Joaquim Pinto Brás. «Comecei por exercer o lugar de segundo comandante interino; depois, passei a comandar as secções de Costumes, Trânsito, Polícia Municipal, Instrução Militar e Serviço de Estrangeiros - acho que não esqueci nenhuma...» Encontro com um «freedom fighter» goês, preso pela Polícia portuguesa Os efectivos andam à volta do meio milhar de polícias, entre europeus e goeses. A fronteira no Leste e Sul «estava à minha conta. Tinha que visitar e inspeccionar os postos - que, nessa altura, se dedicavam principalmente ao combate ao terrorismo». A chamada guerra subversiva está no auge: entre 1955 e 1959, o Estado-Maior do Exército registara 179 assaltos, 152 sabotagens e uma centena de tentativas mal sucedidas - de que haviam resultado 30 mortos portugueses e 73 indianos. Os efectivos andam à volta do meio milhar de polícias, entre europeus e goeses. A fronteira no Leste e Sul «estava à minha conta. Tinha que visitar e inspeccionar os postos - que, nessa altura, se dedicavam principalmente ao combate ao terrorismo». A chamada guerra subversiva está no auge: entre 1955 e 1959, o Estado-Maior do Exército registara 179 assaltos, 152 sabotagens e uma centena de tentativas mal sucedidas - de que haviam resultado 30 mortos portugueses e 73 indianos. A polícia do Estado de Goa está instalada no mesmíssimo quartel de Panaji. Da porta de armas foram apagadas as armas portuguesas, tendo-se conservado apenas a inscrição da data de construção: 1832. O exterior - pintado de um belo amarelo forte - foi alvo de um projecto de recuperação, subsidiado pela Fundação Oriente. O atendimento é feito por uma mulher-polícia, farda castanha e boina preta puxada para trás, por forma a deixar ver o «bindi», o sinal vermelho que as hindus costumam usar entre as sobrancelhas. Em frente perfila-se uma única sentinela, bigode, espingarda e baioneta. Automóveis e jipes, polícias e civis entram e saem. O velho sino de rebate, do mesmo bronze com que eram moldados os canhões, recorda que o império foi construído por uma curiosíssima associação de clérigos e militares. Polido mas mudo, houve tempos em que soou furiosamente, contra incêndios ou ataques de mouros e marajás. Regresso à casa onde viveu com a mulher e os três filhos A parada interior mantém-se praticamente inalterável. As mesmas mangueiras, gigantescas e majestosas. As inconfundíveis gralhas, de um preto azulado e grasnar nasalado. Até o relvado, para formatura e instrução, parece conservar as mesmas balizas de futebol de há 40 anos. A única diferença é um telheiro que protege as viaturas do sol e da chuva, e as delgadas árvores do rei Ashoka. A parada interior mantém-se praticamente inalterável. As mesmas mangueiras, gigantescas e majestosas. As inconfundíveis gralhas, de um preto azulado e grasnar nasalado. Até o relvado, para formatura e instrução, parece conservar as mesmas balizas de futebol de há 40 anos. A única diferença é um telheiro que protege as viaturas do sol e da chuva, e as delgadas árvores do rei Ashoka. Ao contrário do quartel, o amplo largo em frente está irreconhecível. A começar pelo nome, que, de Sete Janelas, passou a chamar-se Largo Azad Maidan (independência). A grande estátua de Vasco da Gama, em bronze, foi apeada e levada para o museu de Velha Goa. No seu lugar foi erguido um monumento - numa feia combinação de azul, branco, preto e dourado - com os restos mortais de Tristão de Braganza Cunha. Falecido em 1958, foi o fundador do Goa Congress Committee, a primeira de várias organizações nacionalistas goesas, entre as quais se distinguiu a radical Azad Gomantak Dal. A um canto da praça está um outro memorial em homenagem «aos mártires da luta pela liberdade e contra o colonialismo na Índia». Datado de 1973, foi financiado pela Associação dos Freedom Fighters de Goa, que fez gravar na pedra o nome de 67 combatentes - em inglês e em hindi, a língua nacional oficial. Alguns eram naturais de Goa, outros oriundos um pouco de toda a Índia - Maharashtra, Madhya Pradesh, Penjab, até do Bangladesh. Entre os dois monumentos, estudantes de uma escola aproveitam para ensaiar lances de cricket, desporto-rei na Índia e em Goa. Palácio do Idalcão, sede do poder político da era muculmana, da época colonial e da gestão indiana A família Azeredo instala-se numa casa a dois passos do quartel. «Nunca soube o nome da rua». O senhorio é um comerciante goês endinheirado, da loja Velho & Filhos, que abastece a tropa e demais clientes de vinho e bacalhau. É um primeiro andar alugado, nas traseiras do Hospital Escolar. «Às vezes tínhamos um espectáculo macabro: os cadáveres muçulmanos a serem lavados na casa mortuária, antes de sepultados, virados para Meca». É uma casa com uma enorme varanda e janelas de carepas - escamas de peixe em vez de vidros. O inquilino do lado é um simpático médico de apelido Almeida, que cursou em Lisboa e que, com 11 filhos, tem sempre a casa cheia. A família Azeredo instala-se numa casa a dois passos do quartel. «Nunca soube o nome da rua». O senhorio é um comerciante goês endinheirado, da loja Velho & Filhos, que abastece a tropa e demais clientes de vinho e bacalhau. É um primeiro andar alugado, nas traseiras do Hospital Escolar. «Às vezes tínhamos um espectáculo macabro: os cadáveres muçulmanos a serem lavados na casa mortuária, antes de sepultados, virados para Meca». É uma casa com uma enorme varanda e janelas de carepas - escamas de peixe em vez de vidros. O inquilino do lado é um simpático médico de apelido Almeida, que cursou em Lisboa e que, com 11 filhos, tem sempre a casa cheia. Um dos muitos batalhões invasores A rua continua a não ter o nome visível, mas perdeu a tranquilidade e o encanto de outrora - tal o ruído e o fumo de camiões, carros e «rickshaws». A casa, porém, mantém-se tal qual. Na entrada do rés-do-chão, inscrita em azulejos, o nome do mesmíssimo senhorio: «Velho». Quem lá vive são os descendentes directos do velho Velho, que recebem o general de braços abertos, uma chávena de chá e um prato de bolinhos caseiros. Prazenteira, Loretta Dias Velho faz questão de tudo mostrar ao inesperado visitante: sala de jantar, quartos, cozinha, casa de banho. Como em todas os lares cristãos de Goa, não faltam motivos religiosos, incluindo a estátua da Senhora de Fátima e uma fotografia de João Paulo II. Um prato de louça de Alcobaça garante que «com três letrinhas apenas/ se escreve a palavra mãe/...». Construída em 1952, a casa sempre teve inquilinos militares - portugueses primeiro, indianos depois. «Só a conseguimos recuperar em 1991». Azeredo conta que, «após a invasão, assaltaram-na e deitaram quase tudo pela janela fora. Fiquei sem nada». A rua continua a não ter o nome visível, mas perdeu a tranquilidade e o encanto de outrora - tal o ruído e o fumo de camiões, carros e «rickshaws». A casa, porém, mantém-se tal qual. Na entrada do rés-do-chão, inscrita em azulejos, o nome do mesmíssimo senhorio: «Velho». Quem lá vive são os descendentes directos do velho Velho, que recebem o general de braços abertos, uma chávena de chá e um prato de bolinhos caseiros. Prazenteira, Loretta Dias Velho faz questão de tudo mostrar ao inesperado visitante: sala de jantar, quartos, cozinha, casa de banho. Como em todas os lares cristãos de Goa, não faltam motivos religiosos, incluindo a estátua da Senhora de Fátima e uma fotografia de João Paulo II. Um prato de louça de Alcobaça garante que «com três letrinhas apenas/ se escreve a palavra mãe/...». Construída em 1952, a casa sempre teve inquilinos militares - portugueses primeiro, indianos depois. «Só a conseguimos recuperar em 1991». Azeredo conta que, «após a invasão, assaltaram-na e deitaram quase tudo pela janela fora. Fiquei sem nada». No apartamento ao lado continua o doutor Almeida. Romualdo António de Jesus Almeida vai completar noventa anos. Acamado, recebe o antigo vizinho com um sorriso feliz. Todos os onze filhos «estão vivos». Três são gémeos, mas a lembrança é traiçoeira e só dá para mencionar dois: o Mário e o Arnaldo. Pendurado na parede, orgulhoso, o diploma de Medicina. De 1936. O general goês do Estado Maior do Exército da Índia A 30 de Julho, a polícia de Panjim faz mais um preso, Ravindra Kelecar, um dos muitos «Freedom Fighters». «Fui o último goês a ser preso pelos portugueses». Ravindra fora um dos raríssimos hindus da sua geração a frequentar o Liceu Nacional Afonso de Albuquerque. «Havia uma espécie de 'apartheid' entre os portugueses e os hindus», acusa. Razão pela qual estes «nunca tiveram boa impressão» daqueles. O seu percurso é marcado por uma data inesquecível: 18 de Junho de 1948, quando Ram Manohar Lohia, o líder socialista da Índia, foi a Margão fazer um comício. «Juntaram-se umas seis ou sete mil pessoas para o ouvir. Nunca ninguém imaginou que fosse possível reunir tanta gente». A polícia acabou por impedir a sessão, mas a mensagem passou: «Sem luta, os goeses nunca conseguirão libertar a sua terra». Ravindra seguiu o recado a preceito. A não violência teorizada por Ganhdi e posta em prática pelos «satyagrahis» não foi a única táctica utilizada. «Andei com bombas, revólveres e tudo», reconhece Ravindra. Convidado a concretizar, queda-se por um enigmático «coisas sem importância, ditadas pela juventude e pelo entusiasmo». Coisas de que não se arrepende, até porque, realça, «não matei ninguém». A 30 de Julho, a polícia de Panjim faz mais um preso, Ravindra Kelecar, um dos muitos «Freedom Fighters». «Fui o último goês a ser preso pelos portugueses». Ravindra fora um dos raríssimos hindus da sua geração a frequentar o Liceu Nacional Afonso de Albuquerque. «Havia uma espécie de 'apartheid' entre os portugueses e os hindus», acusa. Razão pela qual estes «nunca tiveram boa impressão» daqueles. O seu percurso é marcado por uma data inesquecível: 18 de Junho de 1948, quando Ram Manohar Lohia, o líder socialista da Índia, foi a Margão fazer um comício. «Juntaram-se umas seis ou sete mil pessoas para o ouvir. Nunca ninguém imaginou que fosse possível reunir tanta gente». A polícia acabou por impedir a sessão, mas a mensagem passou: «Sem luta, os goeses nunca conseguirão libertar a sua terra». Ravindra seguiu o recado a preceito. A não violência teorizada por Ganhdi e posta em prática pelos «satyagrahis» não foi a única táctica utilizada. «Andei com bombas, revólveres e tudo», reconhece Ravindra. Convidado a concretizar, queda-se por um enigmático «coisas sem importância, ditadas pela juventude e pelo entusiasmo». Coisas de que não se arrepende, até porque, realça, «não matei ninguém». Tanque AMX, de fabrico francês, na capital Ravindra Kelecar, de 76 anos, recebe-nos na sua casa, perto de Mardol. Membro da casta brâmane, é um respeitado intelectual. Veste um fato hindu de algodão fino, branco, até aos pés; o pouco cabelo, comprido e branco, está puxado para trás; uns olhos pequenos e vivos espreitam atrás das grossas lentes. Oferece-nos um chá quente, enquanto pede desculpa pelo seu português - que surpreende pela excelência. Ravindra e Azeredo não se conhecem - apesar do primeiro ter estado preso no quartel do segundo. O goês lembra que, à data da detenção, «o comandante da polícia era o Pinto Brás». Instado pelo português, reconhece, no entanto, que foi «bem tratado». «O problema», acrescenta, «é que nunca fui interrogado, nem julgado, muito menos condenado». Isolado numa cela, a família visitava-o aos sábados. «Um dia, não me deixaram receber ninguém. Escrevi ao Pinto Brás a protestar, que mandou dizer que não sabia porque é que eu estava preso - e já lá estava há três meses! Quatro horas depois, um cabo pôs-me em liberdade». O insólito final de uma prisão arbitrária. Ravindra Kelecar, de 76 anos, recebe-nos na sua casa, perto de Mardol. Membro da casta brâmane, é um respeitado intelectual. Veste um fato hindu de algodão fino, branco, até aos pés; o pouco cabelo, comprido e branco, está puxado para trás; uns olhos pequenos e vivos espreitam atrás das grossas lentes. Oferece-nos um chá quente, enquanto pede desculpa pelo seu português - que surpreende pela excelência. Ravindra e Azeredo não se conhecem - apesar do primeiro ter estado preso no quartel do segundo. O goês lembra que, à data da detenção, «o comandante da polícia era o Pinto Brás». Instado pelo português, reconhece, no entanto, que foi «bem tratado». «O problema», acrescenta, «é que nunca fui interrogado, nem julgado, muito menos condenado». Isolado numa cela, a família visitava-o aos sábados. «Um dia, não me deixaram receber ninguém. Escrevi ao Pinto Brás a protestar, que mandou dizer que não sabia porque é que eu estava preso - e já lá estava há três meses! Quatro horas depois, um cabo pôs-me em liberdade». O insólito final de uma prisão arbitrária. A partir de 1962, empenhou-se na conquista da autonomia para Goa. Um combate de cinco anos e que «me valeu ser preso mais 26 vezes». Decepcionado e retirado da política, escreveu as suas memórias, que infelizmente não estão traduzidas para inglês. Nos últimos anos, descobriu Fernando Pessoa e o «Livro do Desassossego», «um dos mais tristes e profundos livros da literatura mundial». A monção de 1961, que se desenrola entre Maio e Setembro, não é nada tranquila. Um tufão varre toda a costa Sul, entre Margão e Canacona. À frente do governo de Goa desde 1958 está o general Vassalo e Silva. Fazendo jus à sua condição de engenheiro, o governador empenha-se na reconstrução das pobres residências indígenas. Chama Azeredo ao Palácio do Idalcão, que serve de sede de governo. «Pediu-me para fazer um levantamento dos estragos. Não sei como é que ele se lembrou de mim - é um mistério... Visitei toda a região atingida», assessorado por um oficial de Engenharia, calhado em construção e obras. «Entreguei o relatório já em Dezembro. Fazia o levantamento dos estragos e do material necessário: tijolos, vigas, telhas, chapas de zinco». A monção de 1961, que se desenrola entre Maio e Setembro, não é nada tranquila. Um tufão varre toda a costa Sul, entre Margão e Canacona. À frente do governo de Goa desde 1958 está o general Vassalo e Silva. Fazendo jus à sua condição de engenheiro, o governador empenha-se na reconstrução das pobres residências indígenas. Chama Azeredo ao Palácio do Idalcão, que serve de sede de governo. «Pediu-me para fazer um levantamento dos estragos. Não sei como é que ele se lembrou de mim - é um mistério... Visitei toda a região atingida», assessorado por um oficial de Engenharia, calhado em construção e obras. «Entreguei o relatório já em Dezembro. Fazia o levantamento dos estragos e do material necessário: tijolos, vigas, telhas, chapas de zinco». A colaboração entre o governador-geral e o capitão estreita-se. O primeiro aprecia a iniciativa do segundo, a sua frontalidade e prontidão. Azeredo, por sua vez, valoriza a seriedade do general, a sua paixão por Goa e pelos goeses. No Idalcão, junto ao rio Mandovi, nasce uma amizade que irá perdurar toda a vida. O Idalcão é anterior à conquista portuguesa. Antigo palácio de Adil-Kan, o senhor muçulmano derrotado por Albuquerque, foi transformado em residência oficial dos vice-reis em 1759. O palácio continua a ser a sede do poder. É lá que trabalha o ministro-chefe - uma espécie de primeiro-ministro do estado de Goa. Manohar Parrikar pertence ao Bharatiya Janata Party (BJP), o mesmo partido que governa em Nova Deli e que muitos acusam de fundamentalista hindu. Em Goa, está no poder vai para dois anos, graças a uma heteróclita coligação parlamentar. O Idalcão é anterior à conquista portuguesa. Antigo palácio de Adil-Kan, o senhor muçulmano derrotado por Albuquerque, foi transformado em residência oficial dos vice-reis em 1759. O palácio continua a ser a sede do poder. É lá que trabalha o ministro-chefe - uma espécie de primeiro-ministro do estado de Goa. Manohar Parrikar pertence ao Bharatiya Janata Party (BJP), o mesmo partido que governa em Nova Deli e que muitos acusam de fundamentalista hindu. Em Goa, está no poder vai para dois anos, graças a uma heteróclita coligação parlamentar. O secular edifício está carecido de profundo restauro - no exterior e no interior. O velho salão nobre é uma pálida sombra do que foi. Os retratos dos governadores e vice-reis foram para o museu. Em seu lugar, estão fotografias, óleos ou ilustrações de altos dignitários da Índia: o famoso marajá Xivaji, a ex-primeira-ministro Indira Gandhi, o filho Rajiv e outros. Da comprida mesa, dos confortáveis tapetes, dos ricos castiçais e porcelanas - nem rasto. A clarabóia, que antes iluminava o amplo salão, não deixa passar um raio de sol. Os «maples» da sala de espera estão sujos e coçados de tanto uso; nas paredes brancas, um relógio (adiantado dez minutos) e um calendário de papel. Cá fora, do outro lado da rua, está o Mastro da Soberania. No seu topo, durante séculos, esvoaçou a bandeira portuguesa. Agora, é a tricolor indiana, içada pela primeira vez a 19 de Dezembro de 1961. Cá fora, do outro lado da rua, está o Mastro da Soberania. No seu topo, durante séculos, esvoaçou a bandeira portuguesa. Agora, é a tricolor indiana, içada pela primeira vez a 19 de Dezembro de 1961. Nos primeiros dias de Outubro Nova Deli é palco de um seminário sobre as colónias portuguesas. A ideia partiu do cirurgião P. D. Gaitonde, influente político goês que estivera preso em Portugal. Nehru é o anfitrião de movimentos de libertação de Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde, também de Goa. O líder indiano pergunta que tipo de apoio mais necessitam: diplomático? financeiro? militar? A resposta é uníssona: que acabe com o colonialismo na sua própria terra, que liberte Goa, Damão e Diu. Nehru compromete-se: «Não tenho dúvidas de que Goa será livre em breve». Sem perda de tempo, pede ao general J. N. Chaudhuri um estudo da situação militar de Goa. «Assistimos ao fim de Goa», era o título da edição de 13 Janeiro de 1962 da revista «Paris Match», que incluía oito fotografias de H. Van Kan. A imprensa goesa de língua portuguesa deixou de estar sujeita à censura e apressou-se a mudar de campo Sensivelmente na mesma altura, o comandante militar de Goa regressa a Panjim. O brigadeiro António Leitão estivera dois meses de férias em Lisboa e aproveitara para tentar obter reforços: armas e munições, transportes, transmissões. O mesmo fizera, sem êxito, o próprio Vassalo e Silva. A maior parte do armamento está ultrapassado, obsoleto mesmo. Há quem não tenha melhor que uma espingarda Kropatcheq, anterior à I Guerra Mundial! «Se não fosse tão dramática, a situação até seria cómica», concorda Azeredo. «Os carros da polícia já tinham deixado de ser blindados na parte de baixo. Apodrecida, a chapa fora substituída por placas grossas de madeira, retiradas dos caixotes usados para o transporte de bacalhau». Como se isto não bastasse, o dispositivo militar continuava a emagrecer. Primeiro, em benefício de Luanda, onde rebentara a rebelião em Fevereiro, com Salazar a decretar «para Angola e em força!»; depois, para Timor, onde também surgiram problemas. Sensivelmente na mesma altura, o comandante militar de Goa regressa a Panjim. O brigadeiro António Leitão estivera dois meses de férias em Lisboa e aproveitara para tentar obter reforços: armas e munições, transportes, transmissões. O mesmo fizera, sem êxito, o próprio Vassalo e Silva. A maior parte do armamento está ultrapassado, obsoleto mesmo. Há quem não tenha melhor que uma espingarda Kropatcheq, anterior à I Guerra Mundial! «Se não fosse tão dramática, a situação até seria cómica», concorda Azeredo. «Os carros da polícia já tinham deixado de ser blindados na parte de baixo. Apodrecida, a chapa fora substituída por placas grossas de madeira, retiradas dos caixotes usados para o transporte de bacalhau». Como se isto não bastasse, o dispositivo militar continuava a emagrecer. Primeiro, em benefício de Luanda, onde rebentara a rebelião em Fevereiro, com Salazar a decretar «para Angola e em força!»; depois, para Timor, onde também surgiram problemas. O brigadeiro apresenta-se queixoso no Ministério da Defesa. Desde Abril - na sequência do falhado golpe do general Botelho Moniz - que o ministro é o próprio Salazar, que acumula com a presidência do Conselho. «Mas o 'Toninho da Calçada' nem o recebeu. Para o Salazar, não havia guerra na Índia, pelo que não era necessário nenhum reforço». «O Heraldo», o mais antigo e conceituado quotidiano, escreveu em editorial: «Somos por fim livres» Com as mãos a abanar, ao comando militar só resta uma solução: aperfeiçoar o Plano Sentinela. Trata-se do plano de resistência a uma previsível agressão. A estratégia passa por concentrar forças na península de Mormugão e, aí, aguentar a todo o custo. «Era um plano completamente irrealista e irrealizável, que estava muito incompleto», verifica Azeredo. «Baseava-se na troca de terreno por tempo. Mas, para isso, eram necessárias comunicações móveis». Que não havia. Com as mãos a abanar, ao comando militar só resta uma solução: aperfeiçoar o Plano Sentinela. Trata-se do plano de resistência a uma previsível agressão. A estratégia passa por concentrar forças na península de Mormugão e, aí, aguentar a todo o custo. «Era um plano completamente irrealista e irrealizável, que estava muito incompleto», verifica Azeredo. «Baseava-se na troca de terreno por tempo. Mas, para isso, eram necessárias comunicações móveis». Que não havia. Entretanto, os «Freedom Fighters» continuam a fazer das suas. «Ao contrário do que se diz, a guerrilha mais evoluída que o nosso Exército enfrentou foi a de Goa. Sei do que falo, porque também fiz a guerra em Angola e na Guiné. Só no ano de 1961, até Dezembro, morreram cerca de 80 polícias». Azeredo, contudo, adverte: «A maior parte dos terroristas do Azad Gomantak Dal não eram goeses. Muitos, tinham combatido no Exército britânico, do general Montgomery, contra os alemães. E os 'satyagrahis' não passavam, na sua maioria, de aldeões e camponeses pobres, cheios de fome e arrebanhados a troco de algum alimento». O «Diário da Noite» escolheu para manchete «Jai Hind» (Vitória à Índia) A fronteira Leste é a de mais fácil penetração. Delimitada pela cordilheira dos Ghats ocidentais, é zona de muito relevo, a que os meios ao dispor da polícia não se adaptam. Durante a monarquia, os cavalos tinham dado conta do recado. Porque não reeditar a experiência? «Em Novembro, fomos ao Paquistão comprar cavalos». Um grupo de oficiais, acompanhados por um veterinário, viaja por Lahore, Rawalpindi, Peshawar. A ideia é adquirir trinta montadas, para equipar um pelotão em Valpoi. «Os ingleses tinham seleccionado uma raça fantástica de puro-sangues. Ainda fizemos uma encomenda, mas era tarde demais!» A fronteira Leste é a de mais fácil penetração. Delimitada pela cordilheira dos Ghats ocidentais, é zona de muito relevo, a que os meios ao dispor da polícia não se adaptam. Durante a monarquia, os cavalos tinham dado conta do recado. Porque não reeditar a experiência? «Em Novembro, fomos ao Paquistão comprar cavalos». Um grupo de oficiais, acompanhados por um veterinário, viaja por Lahore, Rawalpindi, Peshawar. A ideia é adquirir trinta montadas, para equipar um pelotão em Valpoi. «Os ingleses tinham seleccionado uma raça fantástica de puro-sangues. Ainda fizemos uma encomenda, mas era tarde demais!» A 17 de Novembro, verifica-se um incidente na ilha de Angediva, ao Sul de Goa. A guarnição portuguesa faz fogo contra o navio de passageiros «Sabarmati». Local mítico, a que haviam aportado as naus de Vasco da Gama na sua primeira viagem à Índia, Angediva passara à história como a célebre «ilha dos Amores» cantada por Camões em «Os Lusíadas». Agora a luxuriante ilha é transformada no ambicionado pretexto para a intervenção militar. Como se lê na introdução ao relatório militar indiano, em Angediva «a tensão explodiu e a Índia decidiu libertar os territórios pela força». «A Vida» condenou os «longos 14 anos de feroz repressão e intimidação» Nova Deli dá ordens ao Estado-Maior do Exército para ultimar o plano de ataque. A libertação de Goa do colonialismo é um trunfo capaz de aliviar a pressão sobre Nehru, a braços com sérios problemas com a China no Tibete e com o Paquistão em Caxemira. A opção militar é especialmente cara ao ministro da Defesa, Krishna Menon, um radical que se prepara para disputar eleições no seu círculo. Nova Deli dá ordens ao Estado-Maior do Exército para ultimar o plano de ataque. A libertação de Goa do colonialismo é um trunfo capaz de aliviar a pressão sobre Nehru, a braços com sérios problemas com a China no Tibete e com o Paquistão em Caxemira. A opção militar é especialmente cara ao ministro da Defesa, Krishna Menon, um radical que se prepara para disputar eleições no seu círculo. «Operação Vijay» é o nome de código dado ao plano de libertação de Goa, Damão e Diu. Do Exército são mobilizadas a 17ª Divisão e a 50ª Brigada de Pára-quedistas, entre outras. Os meios navais incluem o porta-aviões «Vikrant», três fragatas, dois cruzadores, outros tantos torpedeiros e um submarino. Ignora-se ao certo os meios aéreos utilizados, mas sabe-se que o porta-aviões tinha 21 aparelhos e que intervieram caças (Hunter, Vampire, Mystere) e bombardeiros (Liberators e Canberra). A previsão dos estrategos de Nova Deli é que o combate se alongue, no máximo, por três dias - enquanto Lisboa pedirá a Vassalo e Silva que resista, no mínimo, oito dias. O comandante-chefe da «Operação Vijay» é o major-general Chaudhuri, enquanto o também general K. P. Candeth dirige as operações em Goa. O comando da Força Aérea é entregue a um goês, o vice-marechal Pinto do Rosário. Também goês é Francis Rodrigues. Com 28 anos, frequentava a Academia Militar a Norte de Deli e acompanhou a operação, se bem que não tenha participado nela. Senhor de um notável currículo, Rodrigues viria a atingir o generalato, tendo exercido, entre 1990 e 1993, o cargo de Chefe do Estado-Maior do Exército - o posto mais alto da hierarquia militar da Índia. Oriundo de uma família católica - «que deu cinco padres, mas só um general» -, nunca aprendeu português. A família, como muitas outras, refugiou-se em Bombaim. «O meu pai era jornalista, escreveu uns artigos contra Portugal e foi impedido de entrar em Goa. Nessa altura, eu tinha apenas nove anos». O general só voltou a fixar-se em Goa quando se reformou, aos 60. O ex-governador Vassalo e Silva (ao centro), reunido com o general P.N. Thapar (à direita), um dos comandantes das forças indianas O ex-chefe do Estado-Maior do Exército da Índia recebe-nos na sua residência, em Alto de Parvorim. Os dois generais, ambos reformados, cumprimentam-se com cortesia e respeito. O português é de Cavalaria, o indiano de Artilharia. O diálogo é em inglês. Azeredo, sempre gentil-homem, tem palavras de elogio para o comportamento das forças armadas indianas durante a invasão. Rodrigues prefere falar de libertação e, surpreendido com o louvor, dá uma sonora gargalhada, misto de satisfação e de orgulho. «Realmente, o Exército indiano é um bom Exército». Vaidoso, Francis Rodrigues prefere falar de si e das suas performances, sem esquecer os encontros com João Paulo II e Colin Powell. À despedida, uma fotografia dos inimigos de há 40 anos. O ex-chefe do Estado-Maior do Exército da Índia recebe-nos na sua residência, em Alto de Parvorim. Os dois generais, ambos reformados, cumprimentam-se com cortesia e respeito. O português é de Cavalaria, o indiano de Artilharia. O diálogo é em inglês. Azeredo, sempre gentil-homem, tem palavras de elogio para o comportamento das forças armadas indianas durante a invasão. Rodrigues prefere falar de libertação e, surpreendido com o louvor, dá uma sonora gargalhada, misto de satisfação e de orgulho. «Realmente, o Exército indiano é um bom Exército». Vaidoso, Francis Rodrigues prefere falar de si e das suas performances, sem esquecer os encontros com João Paulo II e Colin Powell. À despedida, uma fotografia dos inimigos de há 40 anos. Dezembro chega com uma única dúvida: a data da invasão. Os preparativos são dramáticos. A 12, é a evacuação de mulheres e crianças. A operação é desaconselhada por Lisboa, por contrária ao interesse nacional, mas Vassalo e Silva não abdica de pôr a salvo os familiares dos seus homens. Com capacidade para 105 passageiros, o navio «Índia» larga de Mormugão com 650. Adélia Costa foi uma das responsáveis da Cruz Vermelha autorizada a visitar os campos de prisioneiros Decretado o estado de emergência, a 14 o governador-geral recebe uma mensagem-rádio de Salazar. É um texto ditado para a História do Império. «Recomendo e espero», escreve Salazar, o «sacrifício total», «única forma de nos mantermos à altura das nossas tradições e prestarmos o maior serviço ao futuro da Nação». O ditador não quer que fique a menor dúvida: «Não prevejo possibilidade de tréguas, nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos». Decretado o estado de emergência, a 14 o governador-geral recebe uma mensagem-rádio de Salazar. É um texto ditado para a História do Império. «Recomendo e espero», escreve Salazar, o «sacrifício total», «única forma de nos mantermos à altura das nossas tradições e prestarmos o maior serviço ao futuro da Nação». O ditador não quer que fique a menor dúvida: «Não prevejo possibilidade de tréguas, nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos». A mensagem excede largamente a anterior carta de comando do governador, segundo a qual a resistência deveria ser «conduzida até ao esgotamento das munições e víveres». Com o fim à vista, Salazar reclama o holocausto e prepara o virar de página. Pelo Ministério do Ultramar chegam ordens para que as relíquias de São Francisco Xavier sejam transferidas para Lisboa. Outra mensagem recomenda a destruição de variado património não-militar, incluindo o palácio. Vassalo recusa-se a cumprir ambas as ordens, que Azeredo atribui «à criminosa inconsciência e à insanidade de Salazar, que preferia a política da terra queimada - como acontecera meses antes, em São João Baptista de Ajudá. 'Não! Não aceito destruir os testemunhos da nossa grandeza no Oriente', disse-me, quando mandou retirar os bidões de gasolina junto do Idalcão». O campo de prisioneiros de Pondá No dia 17 de Dezembro, os territórios de Goa, Damão e Diu são cercados por efectivos das forças armadas da Índia. O desequilíbrio, de homens e de meios, é chocante. A comparação feita pelo coronel Carlos Morais («A Queda da Índia Portuguesa – Crónica da Invasão e do Cativeiro») é eloquente: do lado da Índia, «um total de 45 mil homens e mais 25 mil de reserva, utilizando carros de combate do último modelo, artilharia, tropas aerotransportadas, unidades anfíbias, engenharia, aviação moderna, etc.»; do lado português, «cerca de 3500 homens deficientemente armados e municiados, sem blindados e sem armas anticarro, sem aviação e, praticamente, sem artilharia». Sabedor de tamanha vantagem e confiante na eficácia dos seus aviões, o vice-marechal Pinto do Rosário aposta em como irá beber uma cerveja portuguesa na praça principal de Panjim no dia imediato ao ataque. Uma aposta só ganha parcialmente, como faz notar P.N.Khera: «Quando chegaram à praça, todas as lojas estavam fechadas e não havia uma garrafa de cerveja disponível». No dia 17 de Dezembro, os territórios de Goa, Damão e Diu são cercados por efectivos das forças armadas da Índia. O desequilíbrio, de homens e de meios, é chocante. A comparação feita pelo coronel Carlos Morais («A Queda da Índia Portuguesa – Crónica da Invasão e do Cativeiro») é eloquente: do lado da Índia, «um total de 45 mil homens e mais 25 mil de reserva, utilizando carros de combate do último modelo, artilharia, tropas aerotransportadas, unidades anfíbias, engenharia, aviação moderna, etc.»; do lado português, «cerca de 3500 homens deficientemente armados e municiados, sem blindados e sem armas anticarro, sem aviação e, praticamente, sem artilharia». Sabedor de tamanha vantagem e confiante na eficácia dos seus aviões, o vice-marechal Pinto do Rosário aposta em como irá beber uma cerveja portuguesa na praça principal de Panjim no dia imediato ao ataque. Uma aposta só ganha parcialmente, como faz notar P.N.Khera: «Quando chegaram à praça, todas as lojas estavam fechadas e não havia uma garrafa de cerveja disponível». Pela manhã, Azeredo é chamado ao governador, que o nomeia oficial de ligação com as forças de segurança (Guarda Fiscal e Polícia). O resto do dia é passado no quartel. «Dormi numa espécie de catre de emergência. Dormimos todos. Estávamos de prevenção desde o dia 11 ou 12». Ao princípio da noite aterra no aeroporto de Dabolim um avião da TAP, vindo de Carachi. Prevê-se que traga uma encomenda urgente das desejadas granadas «Instalaza», destinadas a reforçar a depauperada artilharia anticarro. Os caixotes são abertos com ansiedade, mas ninguém quer acreditar no que vê: em vez de granadas, chouriços, enviados por Lisboa no âmbito da campanha do «Natal do Soldado»... Oficiais a bordo do navio «Pátria», no retorno a Portugal (o primeiro da esquerda é o capitão Azeredo A invasão inicia-se aos primeiros minutos de dia 18. Pelo Norte, pelo Sul, por Este, é prontamente anunciada pela emissora All India Radio. «Deviam ser umas 6h30 quando me apresentei no palácio». Pouco depois, o centro de telecomunicações, em Bambolim, é alvo de um bombardeamento aéreo. «Como não havia transmissões, o governador mandou-me lá ir ver o que se passava. Fui num Volkswagen preto. O centro e os geradores tinham sido atacados com bombas e «rockets». Mataram um alferes - ainda o vi, com massa encefálica a sair». Goa ficara cortada do exterior - nem Lisboa, nem Damão, nem Diu. A invasão inicia-se aos primeiros minutos de dia 18. Pelo Norte, pelo Sul, por Este, é prontamente anunciada pela emissora All India Radio. «Deviam ser umas 6h30 quando me apresentei no palácio». Pouco depois, o centro de telecomunicações, em Bambolim, é alvo de um bombardeamento aéreo. «Como não havia transmissões, o governador mandou-me lá ir ver o que se passava. Fui num Volkswagen preto. O centro e os geradores tinham sido atacados com bombas e «rockets». Mataram um alferes - ainda o vi, com massa encefálica a sair». Goa ficara cortada do exterior - nem Lisboa, nem Damão, nem Diu. Com a invasão em curso, ao comando-chefe resta activar o Plano Sentinela. Passam alguns minutos das 8 horas quando o governador abandona a capital em direcção aos estaleiros navais, na península de Mormugão. «Tendo sido dispensado, fui assumir o comando das tropas da segunda linha defensiva». O dispositivo vai da ilha de São Jacinto a Issoroim, cortando o istmo da península, escolhido como último reduto de resistência. «Cheguei lá eram umas 10h30. Ao todo, teria cerca de 500 homens sob o meu comando - tropa que vinha chegando de outras posições, a recuar. Cavámos rapidamente umas trincheiras, que reforçámos com troncos de palmeiras». O armamento é pouco mais que ridículo: duas metralhadoras ligeiras Lewis e velhas espingardas. Mais à frente, a primeira linha, composta por forças da Companhia de Caçadores 3. De quando em vez, e à falta de comunicações, Azeredo vai de carro até ao comando-chefe, «uns dois quilómetros atrás». Durante uma dessas incursões, ao atingir um ponto mais alto, assiste ao combate entre o «Afonso de Albuquerque» e a marinha indiana - três fragatas e dois contratorpedeiros. «O nosso navio estava no ancoradouro de Dona Paula, do outro lado do rio Zuari. Por volta do meio-dia, ao ser alvejado, largou e manobrou no sentido de atingir o mar alto. A artilharia inimiga utilizava bombas Shrappnell, antipessoais. Ouviam-se distintamente os estampidos das explosões e viam-se as nuvens que deixavam. Uma delas rebentou mesmo por cima do navio», matando um grumete e ferindo gravemente o comandante Cunha Aragão. O barco, então, «guinou 180 graus e encalhou de proa na praia de Bambolim. Vi a tripulação a incendiá-lo e a desembarcar directamente para a praia». A versão oficial, mantida durante anos, enaltecerá a heróica resistência do «Afonso de Albuquerque» - chegando-se a escrever que ele fora metido a pique. «Tudo fábulas! Digo-o com a autoridade de quem foi testemunha directa do combate». Às 15 horas, novo revés. A pequena guarnição que permanecera em Panjim entrega-se sem mais. Ao atingir o outro lado do rio Mandovi, «o inimigo colocou vários carros de combate com os canhões apontados para a cidade, enquanto a aviação sobrevoava, ameaçadora. Em contrapartida, nós não tínhamos uma única peça de artilharia. Os oficiais mais antigos reuniram-se e decidiram render-se». Vassalo só soube mais tarde - «Ficou danado». Manifestação em Lisboa contra a Índia A noite cai, com o desfecho da guerra já virtualmente traçado. Esgotado, o capitão Azeredo não consegue conciliar o sono. «Pensei vezes sem conta que, para muitos de nós, seria a derradeira noite». Ao recordar a mulher e os três filhos, algures a caminho de Lisboa, não consegue evitar uma lágrima de comoção. Depois, refugia-se numa oração. «Na paz da noite, elevei o meu pensamento para o Criador e preparei a minha alma para morrer». A noite cai, com o desfecho da guerra já virtualmente traçado. Esgotado, o capitão Azeredo não consegue conciliar o sono. «Pensei vezes sem conta que, para muitos de nós, seria a derradeira noite». Ao recordar a mulher e os três filhos, algures a caminho de Lisboa, não consegue evitar uma lágrima de comoção. Depois, refugia-se numa oração. «Na paz da noite, elevei o meu pensamento para o Criador e preparei a minha alma para morrer». Às 4h30 de dia 19, as linhas defensivas são inspeccionadas pelo governador. «Verificou as nossas fraquíssimas posições. Mesmo assim, bateu-me amigavelmente no ombro: 'Azeredo, está tudo muito bem'». Não fala de rendição e prossegue em direcção à primeira linha. A destruição de algumas pontes estratégicas não consegue impedir o avanço imparável do inimigo. Os focos de resistência são fugazes e reduzem-se ao forte da Aguada, à ilha de Angediva, ao posto de Doromarogo, pouco mais. Ao quartel-general, instalado nos estaleiros, quase só chegam notícias desencorajadoras: derrotas, baixas, rendições, esgotamento de munições, deserções. O patriarca das Índias, D. José Vieira Alvernaz, insiste junto do governador para que impeça o massacre de militares e civis e faz um apelo desesperado à rendição. Vassalo e Silva avalia o quadro militar. Sitiado em Mormugão, está literalmente cercado por terra, mar e ar. Sem meios nem homens, uma contra-ofensiva seria absolutamente suicida. A simples resistência daria azo a uma carnificina inútil. A rendição surge como inevitável. O coronel Carlos Morais, no seu livro, regista o momento histórico: 12h15 de 19 de Dezembro. As chefias presentes são informadas da decisão, que às 14 horas é transmitida, por escrito, ao comandante indiano: «Solicito a V. Exª a suspensão de fogo entre as nossas Forças, a partir deste momento». Às 15 horas Azeredo é chamado ao comando. «Profundamente abatido, o governador mandou-me recolher as tropas ao quartel de Alparqueiros», à entrada da cidade de Vasco do Gama, «porque tinha havido uma trégua para conversações». De regresso à sua posição, «entreguei o comando do sector de S. Jacinto ao tenente Máximo e meti-me no meu Volkswagen para ir até Issorsim avisar o tenente Melo Gomes da ordem de retirada». Ao voltar a S. Jacinto, é surpreendido na estrada por um patrulha inimiga, comandada por um oficial, que o manda parar. Sozinho e sem qualquer capacidade de resistir, entrega-se. «Um sargento tomou conta da minha pistola, uma Parabello de 9mm, e o oficial meteu-se no carro, comigo a guiar e dois soldados atrás, armados». Chegado a Alparqueiros, já controlado por tropas indianas, Azeredo sai do carro em que o seu captor desaparece. «A primeira coisa que vi ao entrar no quartel foi um monte de armas, no chão, que os portugueses iam depositando à medida em que eram feitos prisioneiros». A rendição formal de Vassalo e Silva é recebida às 18 horas pelo brigadeiro K.S.Dhillon, da 6º Brigada de Infantaria Sick. Ao todo, são feitos 4668 prisioneiros, entre militares e civis, metropolitanos, africanos e indianos - números do relatório da «Operação Vijay»; 3412 em Goa, 853 em Damão, 403 em Diu. Concentrados em Goa, são divididos em quatro campos: Navelim (posteriormente encerrado, de tão mau que era), Praça da Aguada, Pondá e Alparqueiros. Este é o maior, com quase dois mil detidos, entre os quais Vassalo e Silva. É aqui que o já ex-governador recebe, logo no dia 20, a visita do comandante inimigo, general Chaudhury. «Chegou num helicóptero - foi, aliás, a primeira vez que vi um aparelho daqueles, creio que um Alouette 1». Azeredo está no quarto do general. «Ele tinha-me pedido emprestada uma camisa lavada - a única que eu tinha enfiado no bornal. Queria apresentar-se devidamente. Como era mais encorpado que eu, a camisa ficou-lhe um bocado apertada». O general não fala inglês e pede ao capitão para servir de interprete. Chaudhury faz questão de entrar sozinho no quarto-cela. «O Vassalo quis levantar-se, para cumprimentar o indiano, mas este pousou-lhe a mão no ombro e não deixou. Puxou uma cadeira e sentou-se». O português recusa o tratamento preferencial que lhe é oferecido e agradece as atenções reveladas com o bem-estar da mulher. «Depois, o Chaudhury felicitou o ex-governador pela actuação das tropas portuguesas nos 'valentes combates' travados em Mapuçá, Bicholim, Damão e Diu, onde reagiram muito bem». No final, o vencedor coloca-se à disposição do vencido «para o que for necessário. Apertou-lhe cordialmente a mão e retirou-se». Azeredo mantém-se em Alparqueiros e Vassalo é posteriormente transferido para Pondá. Enquanto estão no mesmo campo, conversam longamente. «O general, de vez em quando, chamava-me. Era um homem profundamente prostrado. Costumava dizer que um oficial não é senhor da vida dos seus homens, a ponto de os mandar morrer inutilmente. Que jamais poderia aceitar a destruição de Goa, que também fora construída pelos goeses.» Na prisão, Azeredo fica no mesmo quarto com mais quatro capitães. Por colchão, tem «um bocado de cartão canelado, sobre o cimento». Com uma só farda, «tinha-a sempre lavada e esticadinha. Fazia questão de me apresentar todos os dias, na formatura, aprumado e a rigor. E com os sapatos engraxados - mesmo se, no final, já nem tinham sola...» No resto do dia «andava sempre de cuecas». A alimentação é insuficiente - «ainda perdi uns bons quilos». Dos carcereiros, não tem especiais razões de queixa. «Salvo nos primeiros dias, foram sempre absolutamente correctos comigo». O dia-a-dia é sempre igual: leitura, xadrez, o correio («apesar de censurado»), ginástica, jogos de vólei ou basquete. A seu cargo tem menos de uma centena de homens - «o que restava de três esquadrões de Cavalaria». Todos os dias cumprem uma sessão de «ordem unida», mesmo sem arma, de cinco a dez minutos, «para manter a disciplina e o aprumo». Inesperada é a companhia de um macaco de raça langur. «Fora capturado em Bicholim por um alferes, que mo ofereceu. Era prateado e tinha o peito branco. Chamava-se Crishna, um deus hindu. Levei-o para a metrópole e mais tarde para Cabinda». Uma das ocupações consiste na redacção dos relatórios das derradeiras operações. A ordem é de Vassalo e Silva, transmitida pelo padre jesuíta Joaquim Ferreira da Silva. Alparqueiros está numa pequena península na foz do Zuari, entalada entre os estaleiros navais, a cidade de Vasco da Gama e o cais de Mormugão, de onde é exportado o rico minério de ferro - a principal matéria-prima de Goa. Pertencente à Marinha, o quartel ganhou dimensão e importância estratégica. A entrada é uma só e está liminarmente vedada a estranhos - como faz notar, com maus modos, uma sentinela. Só da suja praia de pescadores, a Oeste, é possível ter uma visão, e muito parcelar, do antigo Quartel do Batalhão de Infantaria de Vasco da Gama. Como aconteceu em todas as instalações de carácter militar, a autorização para visitar o antigo campo de prisioneiros não foi deferida em tempo útil. A dura rotina do campo é amenizada pelas visitas - goeses amigos, conhecidos, simples anónimos. «Nos primeiros dias, apareceram centenas, mesmo milhares, que nos manifestavam toda a sua simpatia e carinho». Surpreendidas, as autoridades militares limitam as visitas a duas vezes por semana e confinadas à Cruz Vermelha. Adélia Costa é uma das raras pessoas autorizadas a visitar Alparqueiros. Dirige o Hospital Psiquiátrico Abade de Faria. Formada em Lisboa, fora a primeira mulher a especializar-se em Portugal em Neurologia. «Quando comecei a trabalhar, ainda se chamava Hospital Mental. Era uma coisa horrorosa, davam-se sovas aos doentes e tudo. Deparei com vários presos políticos goeses, com guias da polícia para serem internados! Acabei com isso tudo, com total apoio do Vassalo e Silva». Vizinha dos Azeredo, fora com apreensão que se despedira da família do capitão quando foi evacuada. Era uma altura em que ainda tinha ilusões - «não me posso esquecer de meu pai, um optimista que nunca acreditou que a Índia invadisse Goa». Na madrugada de 18, Adélia acordou com os primeiros rebentamentos e uma visita inesperada. «Eram quatro ou cinco da manhã quando o Carlos bateu à porta. Fardado, vinha despedir-se. 'Se eu morrer, quero que entregues isto à minha mulher', disse, enquanto me passava para as mãos dois volumes - um livro e um transístor, creio». Foi um momento de enorme emoção. A médica lembra-se apenas do militar observar que «o nosso trabalho é este - só trabalhamos verdadeiramente quando há guerra». E a guerra tinha começado. Sem perda de tempo, a directora correu ao hospital, para proteger os seus doentes. Só sossegou depois de ter coberto os telhados com lençóis brancos, pintados com grandes cruzes encarnadas. Médica e capitão reencontram-se no dia de Natal. «Foi a primeira vez que pude ir a Alparqueiros. Era um magote! O povo de Goa, gente pobre, oferecia o que podia: cigarros, bolachas, chá, medicamentos, dinheiro...» A tamanha solidariedade segue-se a proibição das visitas. «Como só a Cruz Vermelha é que podia ir aos campos, inscrevi-me imediatamente». Adélia Costa continua a viver em Goa. Em Panaji, mas do que mais gosta é de passar o fim-de-semana com os irmãos e sobrinhos no enorme solar dos «Quadros e Costa». É lá que nos fala desses dias inesquecíveis, sentada numa confortável cadeira de madeira, entre um aromático café e um saboroso bolo de coco feito pela irmã. O tempo parece ter parado no velho solar de Loutulim. Desde a vasta colunata até ao magnífico canapé, passando pelo espantoso oratório indoportuguês, tudo evoca um passado que foi rico mas é distante. Aquando da repatriação, os pais de Adélia convenceram-na a ir para Lisboa. «Aproveitei e em cinco meses fiz a especialidade de Psiquiatria». A médica não descansou enquanto não voltou para o lado dos pais, que haviam ficado sozinhos. «Regressei a 22 de Fevereiro de 1963». Retomar o hospital estava fora de causa. «Abri um consultório, onde ainda hoje exerço». Também deixou de pertencer à Cruz Vermelha. E em vez do passaporte português, passou a ter o indiano. «É esta a minha terra, é aqui que quero viver» - explica. «O que não me impede de ir até Lisboa». A 17 de Janeiro, um grupo de prisioneiros ensaia uma fuga, abortada por uma inqualificável delação. Furioso, o segundo comandante do campo, capitão Naique, manda o clarim convocar uma formatura de emergência para uma contagem especial dos presos, não tivesse havido mais fugas. «Quando eu passei, devagar, pelo Naique, a caminho da formatura, ele ordenou-me: 'corre, corre!' Resmunguei e mandei-o àquela parte». Em português ou em inglês, já não sabe ao certo - a verdade é que o oficial sick não gostou. «Ordenou a cinco praças que me espancassem. Enquanto um me apontava a arma, os outros desataram a bater-me, incluindo à coronhada». Caído no chão, só se lembra de ter acordado no dia seguinte, cheio de contusões. «Reconheço que, se calhar, a tareia até foi merecida, mas ao menos tive o raro prazer de o mandar àquela parte!» A cena ficou nos anais do campo. Muitos saúdam a coragem do bravo capitão Azeredo, que não hesita em fazer uma participação. «E a verdade é que o Naique foi mesmo punido - o que só abona em favor do Exército indiano, que respeitou sempre os artigos da Convenção de Genebra». O cativeiro prolonga-se durante seis meses, «graças à estúpida teimosia de Lisboa». As negociações arrastam-se, até porque Salazar manda deter 12 mil indianos de Moçambique, que passam a constituir moeda de troca. Finalmente, a 6 de Maio, começa a repatriação: uma ponte aérea até Carachi, e depois um dos três navios enviados pelo governo. «Saí do campo a 12 de Maio, num avião francês, com o meu bornal e o macaco». Chegado ao Paquistão, embarca no «Pátria», onde recebe uma camisa, uma camisola e umas calças, «que mais tarde pediram para pagar ou devolver». A ditadura, que não tinha mostrado qualquer pressa em libertar os prisioneiros, também não mostra satisfação em os acolher. «Chegámos à barra do Tejo às 16 horas. Fundeámos e só nos mandaram entrar às 2 horas da manhã. Entretanto, encheram o barco com a Polícia Militar de pistolas-metralhadoras apontadas para nós». Estupefactos, os ex-prisioneiros nem querem acreditar na justificação. «Diziam que era para nos defender da ira da população, que nos queria linchar pela nossa covardia...» Na Rocha do Conde de Óbidos, porém, não há violências nem recriminações. Só abraços e lágrimas, de familiares e amigos, que enchem o cais para acolher os ex-presos. Os mesmos que a imprensa do regime lamentara não serem heróis mortos em combate. O ajuste de contas é inevitável. Bode expiatório da perda da jóia imperial, o comportamento da guarnição militar é analisado à luz de um mero Regulamento de Disciplina. Em vez de tribunais, advogados e juízes, o processo é entregue a generais e burocratas, sem que haja direito de defesa. O veredicto é conhecido em Março de 1963. As sanções são severas: expulsão das Forças Armadas de 10 oficiais, a começar por Vassalo e Silva; reforma compulsiva para 5; meio ano de inactividade para 9. Sem recurso. A mão pesada dos castigos quase faz esquecer as condecorações e promoções de outros militares, algumas a título póstumo. Azeredo nunca mais esqueceu o vexame e a arbitrariedade. «Tudo isto fez crescer em mim uma profunda revolta contra Salazar e contra a sua política estreita e antinacional» - e que o leva a participar no golpe de 25 de Abril. Em Setembro de 1974, Carlos Azeredo volta a cruzar-se com Goa, desta feita para presidir à comissão de revisão do «processo da Índia». No seu estilo directo e desassombrado propõe a anulação, pura e simples, de todas as penas e a reintegração dos militares. «Era a única forma de fazer justiça e rapidamente». A proposta é aprovada pelos órgãos do poder democrático. O decreto-lei é publicado a 19 de Dezembro de 1974 - exactamente 13 anos depois do fim do Estado Português da Índia. *Com pesquisa documental de Luísa Amaral 79

O roteiro do general em Goa 40 anos depois da queda da Índia Portuguesa, o EXPRESSO levou Carlos Azeredo aos locais onde viveu, trabalhou, fez a guerra e esteve preso

1. Forte de Tiracol, na fronteira com a Índia 2. Antigo quartel do esquadrão da Polícia

3. General goês Francis Rodrigues, ex-chefe do Estado Maior do Exército da Índia 4. Monumento de homenagem aos mártires da luta pela liberdade

5. D. Augusto de Noronha e Távora, o último dos Távoras de Goa, no hospital 6. Campo de prisioneiros, onde esteve detido quase seis meses

7. Ravindra Kelecar, um dos ‘Freedom Fighters’ 8. Adélia Costa, médica, que pertencia à Cruz Vermelha

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Uma cápsula de cianeto para Vassalo e Silva

O corpo do último herói português da Índia

COMENTÁRIOS AO ARTIGO

5 comentários 1 a 5

11 de Dezembro de 2001 às 00:47

Muxinho ( joaomagar@hotmail.com )

Não provocou mortes? deve estar a brincar caro amigo, fique sabendo: 1º)Desde o 26 de Abril até á sua saída de Àfrica o E.P. sofreu porporcionalmente o dobro das baixas que antes da revolução.

2º)O senhor já contou (ninguém dá-me ideia) o nº de mortos em consequência da descolonização "exemplar"?

3º) Sabe quantos Portuguêses de raça negra, que comatiam do nosso lado foram abandonados e fuzilados na Guiné e em Angola? depois da entrega exemplar?!

È tudo gente boa no novo regime só que no Prec Caxias teve mais "hóspedes", por motivos políticos,que no período anterior.

Não foram só a si que morreram amigos, nem que ficaram estropiados Há mais gente por aí que ficou sem pai ou sem filho mas que pensam bem difrente do Sr. .

11 de Dezembro de 2001 às 00:15

L Ami de l Onça ( algarviomarefado@hotmail.com )

Creio que nos desviamos do assunto, pois o grupo actual pode ser ladrao, mas até ver, nao provocou mortes desnecessárias. Salazar com a sua política de "Orgulhosamente sós" fez com que vários dos meus amigos tenham morrido ou ficado estropiados. Estoirou muitos casamentos. Para quê?

Se o caro cibernauta achar que deve responder a isto, ... Bom Natal. Fecho a caneta neste capítulo.

10 de Dezembro de 2001 às 09:13

Muxinho ( joaomagar@hotmail.com )

Saudosismos nunca, história de Portugal e da mais pura ainda mais pelo relato de um excelente oficial,bravíssimo combatente e homem de honra.

Quanto ao "bode" de S.Bento, mais respeito por um homem que apesar de ter metido os pés pelas mãos em termos de polítca colonial, tornou este país na 4ª reseva de ouro do mundo e na 7ª economia Mais forte. Apesar dos profundos erros que cometeu, só os pequenos homens cometem pequenos erros, Salazar foi governante honestíssimo e serviu este país com uma dedicação e trabalho árduo como ninguem serviu e duvido que venha a servir.A presente classe política tem muito que aprender em termos de competência,honestidade e capacidade de trabalho metódico e árduo com Salazar e não só, falta-lhes o orgulho de ser Portuguêses e a profunda inteligência e argucia que Salazar possuia.

Apesar de não ser Salazarista (parece mas não sou), "salte a terreiro alguém melhor do que ele na presente "paisagem" política nacional.Não se percebia o que ele dizia mas sempre se sabia para onde se ia; com Caetano e a demais maltósa saída do 25 A., fala-se bem e caro mas ninguém sabe aonde é que isto vai parar.

AO contràrio de SAlazar este regime arruinou o país e depois de tanta cr´tica á política colonial do senhor fêz emenda pior que o soneto conduzindo ao desastre que se sabe.

9 de Dezembro de 2001 às 08:15

Akira ( paula@shako.sk.tsukuba.ac.jp )

saudosismos nacionalistas para que vos quero!

8 de Dezembro de 2001 às 16:39

L Ami de l Onça ( algarviomarefado@hotmail.com )

Excelente artigo.

Nesse Natal de 1961, o Bode da Calçada da Estrela decidiu que a baixa lisboeta nao teria iluminaçao, porque o País estava de luto. Foi o início de um período negro, que sacrificou futilmente uma geraçao. Se a abençoada cadeira do Forte de S Juliao tivesse rebentado dez anos mais cedo, como teria sido o nosso futuro ?

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