Os presépios que fazemos

23-02-2001
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Os Presépios Que Fazemos

Por JOANA GORJÃO HENRIQUES

Domingo, 24 de Dezembro de 2000 É uma tradição que não tem mais de dois séculos, a de todos os anos se representar iconograficamente o nascimento de Jesus. O original, segundo a tradição cristã, existiu há dois mil anos, quando José e Maria chegaram a Belém. A Igreja Católica nunca impôs a sua representação nos lares dos fiéis, onde, de há alguns anos para cá, o presépio entrou em competição com o pinheiro e o pai Natal. Fomos saber em que lugar é colocada hoje a Sagrada Família durante as festas - entre figuras públicas e não só - e os portugueses continuam a fazer e a consumir presépios. Escolhemos também os mais belos presépios de Portugal. Pode ser de barro ou de porcelana, de plástico ou de madeira, de marfinite ou de outro material facilmente quebrável, de traços contemporâneos ou clássicos. Com um mínimo de três figuras (as da Sagrada Família) e no máximo as que se quiserem, o presépio simboliza o nascimento de Jesus Cristo. Amanhã comemora-se, segundo a tradição cristã, os 2000 anos do primeiro presépio descrito nos evangelhos. Mesmo entre os que não são católicos e celebram o Natal há quem não dispense ter em casa uma representação desta passagem bíblica. "Porque é a tradição de um festejo e portanto integramo-nos e aproveitamos para contar a história da Bíblia aos filhos", diz o pai de Pedro Ruivo, de 12 anos, que o PÚBLICO encontrou nas Amoreiras, em Lisboa, confessando que todos os anos faz questão de ter a Sagrada Família na sua sala, apesar de não ser católico. Entre as três dezenas com que o PÚBLICO falou, é um dos muitos que afirmaram ter um presépio em casa. Uma tendência confirmada pelo antropólogo Moisés Espírito Santo que diz que, "de há 20 anos para cá, há mais presépios" em casa das famílias portuguesas, fenómeno ligado à sociedade de consumo que aumentou a sua comercialização e exposição. Mas há também quem se assuma como crente e não faça questão de o ter, como Ana Paula Correia, uma mãe de 20 anos que tinha acabado de tirar uma fotografia com o filho junto ao pai Natal, no lotado Centro Comercial Colombo: "Tenho presépio mas ainda não está montado, não ligo muito. Gosto mais do pai Natal, acho que é mais simbólico", diz. Este é um costume praticado sobretudo por portugueses, espanhóis e italianos, explica o antropólogo Moisés Espírito Santo. Segundo o prior da Paróquia dos Olivais, Hélder Franco, secundado por Moisés Espírito Santo, não existem dados sobre a origem desta tradição, mas pensa-se que terá começado no século XVIII. Árvore tem signficado bíblico Na Bíblia não há qualquer referência ao facto de na época natalícia se fazer a representação iconográfica da Natividade e a Igreja Católica não considera o presépio um objecto sagrado para ser venerado ou adorado nem impõe a sua presença nos lares dos fiéis mas instituiu-se a tradição de ter em casa pelos menos as três figuras principais (Virgem Maria, S. José e Jesus Cristo). O primeiro presépio terá surgido com S. Francisco de Assis, que mandou representar dramaturgicamente a cena do nascimento de Cristo. Mas Moisés Espírito Santo defende que há mais de dois mil anos já se representava o nascimento do Messias no Médio Oriente, Norte de África e Egipto, um ritual associado ao culto de Mitra, celebrado no dia 25 de Dezembro, dia do solistício de Inverno. Mais recentemente, o presépio passou a competir com o pinheiro e o pai Natal. "Há 30 anos era raríssimo nas aldeias as pessoas terem árvores, só os ricos é que as tinham em casa", diz o antropólogo. Se a árvore de Natal tem um significado bíblico - "simboliza a árvore da vida, não é um elemento pagão como se dizia", defende o padre Hélder Franco -, já o pai Natal, "a caricatura de S. Nicolau", é um "elemento estranho" que tem, na sua opinião, um "aproveitamento ideológico: o de abafar a figura de Cristo". São duas representações tradicionais dos países do Norte da Europa (maioritariamente protestantes) e a árvore é um elemento urbano introduzido há não mais de 70 anos, afirma Moisés Espírito Santo, que diz lembrar-se da época em que as crianças participavam na elaboração dos presépios colectivos de rua. Um castelo, lagos e até a vovó Donalda Se hoje há presépios a menos de mil escudos também se podem encontrar alguns que chegam a atingir centenas de contos. O número de figuras pode variar entre as três principais e as mais de cem. Carlos Alberto, há 32 anos funcionário da loja de arte sacra Renovações, em Lisboa, conta que o forte na venda de presépios (quase todos importados, representam 70 por cento das vendas nesta época) é desde 15 de Novembro até à primeira semana de Dezembro. Foi nesta loja que Maria de Lurdes Brás comprou um castelo e um moinho para juntar ao presépio que desde há 40 anos vem oferecendo à sobrinha. É que o conjunto já vai em mais de cem peças - "umas de três quatro contos, outras bem mais baratas", conta - e a sobrinha precisa de casas porque já não tem espaço para pôr as figuras que levaram seis horas de uma tarde a distribuir numa mesa onde se desenharam caminhos de terra e que ocupa entre 10 a 15 metros quadrados da sala. É também ao longo de algumas horas que Andrea Di Genova, um italiano de 24 anos a estudar medicina em Portugal pelo programa Erasmus, costuma compor o presépio que ele próprio concebeu: "É muito rico, faço lagos, ponho rochas, musgo, anjos que penduro no alto e pintei as figuras de pedra." Gonçalo Duarte, o amigo de 22 anos que tal como Andrea não é católico, não tem nem presépio nem árvore porque vai passar o Natal com a família. Mas em casa dos pais, no ano passado, resolveu introduzir um novo elemento no presépio que montou durante mais de uma hora: a vovó Donalda carregando bolos "para dar um simbolismo pagão". A tarefa "é como uma construção, um jogo para passar o tempo". Já o Pedro - um rapaz de sete anos que estava numa loja da quase deserta Av. Guerra Junqueiro, em Lisboa - gosta de brincar com as figuras. Pedro compara os "bonecos" ao Playmobil (uma série composta por bonecos em plástico para crianças) e, tal como as cerca de dez crianças com que o PÚBLICO falou, sabe o nome de todos os elementos da Sagrada Família. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Os presépios que fazemos

Seis tesouros históricos

Estremoz: Miniaturas dentro de uma caixa

Porto: A Adoração dos Magos

Portalegre: No espólio de José Régio

Lisboa: As 500 figuras da Estrela

Lisboa: Com Jesus ao colo

Lisboa: Uma orquestra de anjos

O primeiro presépio

Inquérito: Como é o seu presépio?

"Cumprir um desejo divino"

Os Presépios Que Fazemos

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Domingo, 24 de Dezembro de 2000 É uma tradição que não tem mais de dois séculos, a de todos os anos se representar iconograficamente o nascimento de Jesus. O original, segundo a tradição cristã, existiu há dois mil anos, quando José e Maria chegaram a Belém. A Igreja Católica nunca impôs a sua representação nos lares dos fiéis, onde, de há alguns anos para cá, o presépio entrou em competição com o pinheiro e o pai Natal. Fomos saber em que lugar é colocada hoje a Sagrada Família durante as festas - entre figuras públicas e não só - e os portugueses continuam a fazer e a consumir presépios. Escolhemos também os mais belos presépios de Portugal. Pode ser de barro ou de porcelana, de plástico ou de madeira, de marfinite ou de outro material facilmente quebrável, de traços contemporâneos ou clássicos. Com um mínimo de três figuras (as da Sagrada Família) e no máximo as que se quiserem, o presépio simboliza o nascimento de Jesus Cristo. Amanhã comemora-se, segundo a tradição cristã, os 2000 anos do primeiro presépio descrito nos evangelhos. Mesmo entre os que não são católicos e celebram o Natal há quem não dispense ter em casa uma representação desta passagem bíblica. "Porque é a tradição de um festejo e portanto integramo-nos e aproveitamos para contar a história da Bíblia aos filhos", diz o pai de Pedro Ruivo, de 12 anos, que o PÚBLICO encontrou nas Amoreiras, em Lisboa, confessando que todos os anos faz questão de ter a Sagrada Família na sua sala, apesar de não ser católico. Entre as três dezenas com que o PÚBLICO falou, é um dos muitos que afirmaram ter um presépio em casa. Uma tendência confirmada pelo antropólogo Moisés Espírito Santo que diz que, "de há 20 anos para cá, há mais presépios" em casa das famílias portuguesas, fenómeno ligado à sociedade de consumo que aumentou a sua comercialização e exposição. Mas há também quem se assuma como crente e não faça questão de o ter, como Ana Paula Correia, uma mãe de 20 anos que tinha acabado de tirar uma fotografia com o filho junto ao pai Natal, no lotado Centro Comercial Colombo: "Tenho presépio mas ainda não está montado, não ligo muito. Gosto mais do pai Natal, acho que é mais simbólico", diz. Este é um costume praticado sobretudo por portugueses, espanhóis e italianos, explica o antropólogo Moisés Espírito Santo. Segundo o prior da Paróquia dos Olivais, Hélder Franco, secundado por Moisés Espírito Santo, não existem dados sobre a origem desta tradição, mas pensa-se que terá começado no século XVIII. Árvore tem signficado bíblico Na Bíblia não há qualquer referência ao facto de na época natalícia se fazer a representação iconográfica da Natividade e a Igreja Católica não considera o presépio um objecto sagrado para ser venerado ou adorado nem impõe a sua presença nos lares dos fiéis mas instituiu-se a tradição de ter em casa pelos menos as três figuras principais (Virgem Maria, S. José e Jesus Cristo). O primeiro presépio terá surgido com S. Francisco de Assis, que mandou representar dramaturgicamente a cena do nascimento de Cristo. Mas Moisés Espírito Santo defende que há mais de dois mil anos já se representava o nascimento do Messias no Médio Oriente, Norte de África e Egipto, um ritual associado ao culto de Mitra, celebrado no dia 25 de Dezembro, dia do solistício de Inverno. Mais recentemente, o presépio passou a competir com o pinheiro e o pai Natal. "Há 30 anos era raríssimo nas aldeias as pessoas terem árvores, só os ricos é que as tinham em casa", diz o antropólogo. Se a árvore de Natal tem um significado bíblico - "simboliza a árvore da vida, não é um elemento pagão como se dizia", defende o padre Hélder Franco -, já o pai Natal, "a caricatura de S. Nicolau", é um "elemento estranho" que tem, na sua opinião, um "aproveitamento ideológico: o de abafar a figura de Cristo". São duas representações tradicionais dos países do Norte da Europa (maioritariamente protestantes) e a árvore é um elemento urbano introduzido há não mais de 70 anos, afirma Moisés Espírito Santo, que diz lembrar-se da época em que as crianças participavam na elaboração dos presépios colectivos de rua. Um castelo, lagos e até a vovó Donalda Se hoje há presépios a menos de mil escudos também se podem encontrar alguns que chegam a atingir centenas de contos. O número de figuras pode variar entre as três principais e as mais de cem. Carlos Alberto, há 32 anos funcionário da loja de arte sacra Renovações, em Lisboa, conta que o forte na venda de presépios (quase todos importados, representam 70 por cento das vendas nesta época) é desde 15 de Novembro até à primeira semana de Dezembro. Foi nesta loja que Maria de Lurdes Brás comprou um castelo e um moinho para juntar ao presépio que desde há 40 anos vem oferecendo à sobrinha. É que o conjunto já vai em mais de cem peças - "umas de três quatro contos, outras bem mais baratas", conta - e a sobrinha precisa de casas porque já não tem espaço para pôr as figuras que levaram seis horas de uma tarde a distribuir numa mesa onde se desenharam caminhos de terra e que ocupa entre 10 a 15 metros quadrados da sala. É também ao longo de algumas horas que Andrea Di Genova, um italiano de 24 anos a estudar medicina em Portugal pelo programa Erasmus, costuma compor o presépio que ele próprio concebeu: "É muito rico, faço lagos, ponho rochas, musgo, anjos que penduro no alto e pintei as figuras de pedra." Gonçalo Duarte, o amigo de 22 anos que tal como Andrea não é católico, não tem nem presépio nem árvore porque vai passar o Natal com a família. Mas em casa dos pais, no ano passado, resolveu introduzir um novo elemento no presépio que montou durante mais de uma hora: a vovó Donalda carregando bolos "para dar um simbolismo pagão". A tarefa "é como uma construção, um jogo para passar o tempo". Já o Pedro - um rapaz de sete anos que estava numa loja da quase deserta Av. Guerra Junqueiro, em Lisboa - gosta de brincar com as figuras. Pedro compara os "bonecos" ao Playmobil (uma série composta por bonecos em plástico para crianças) e, tal como as cerca de dez crianças com que o PÚBLICO falou, sabe o nome de todos os elementos da Sagrada Família. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Os presépios que fazemos

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