O primeiro presépio

03-03-2001
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O Primeiro Presépio

Por ANTÓNIO MARUJO

Domingo, 24 de Dezembro de 2000

Foi São Francisco de Assis em Greccio que, no Natal de 1223, criou o primeiro presépio como forma de recriar o nascimento de Jesus. Estando ele em Greccio (na Umbria italiana), quis lembrar "o menino que nasceu em Belém", contemplar "o desconforto que então [Jesus] padeceu e o modo como foi reclinado no feno da manjedoura".

Conta a "Vida Primeira", uma biografia do santo escrita por Tomás de Celano, que Francisco "ficou radiante" quando viu a cena representada. Num relato que mistura a realidade com o maravilhoso, escreve Celano: "Lá estava a manjedoura com o feno e, junto dela, o boi e o jumento. Ali receberia honras a simplicidade, ali seria a vitória da pobreza, ali se aprenderia a lição melhor da humildade."

O ambiente criado é descrito assim: "A noite resplandecia como o dia (...). A recriação do mistério dá a todos novos motivos para se rejubilarem. Erguem-se vozes na floresta e as rochas alcantiladas repercutem os hinos festivos. Os irmãos entoam os louvores do Senhor, e entre cânticos de júbilo fremente decorre toda a noite. O santo de Deus está de pé diante do presépio, desfeito em suspiros, trespassado de piedade, submerso em gozo inefável." (in "Fontes Franciscanas", vol. I, Editorial Franciscana)

A partir de 1228, o lugar da recriação do presépio foi transformado num altar em memória de São Francisco, que morrera dois anos antes, a 4 de Outubro. A diferença do presépio de Francisco de Assis em relação aos que até hoje se vulgarizaram é que, na representação de Greccio, não estavam as figuras de Jesus, Maria e José - que depois se tornariam as imagens centrais da representação. A concepção franciscana tomava a eucaristia como o centro e, por isso, era no altar e no gesto de repartir o pão e o vinho, em memória da Ceia de Cristo, que Jesus se tornava presente.

A ideia de São Francisco, de religar o mistério da Natividade à vida e ao quotidiano, voltou a estar presente na espiritualidade cristã das últimas décadas. O acontecimento de há 2000 anos assume desta forma reactualizações permanentes. Apesar do erro do dia: o 25 de Dezembro corresponde à antiga festa romana do Solstício de Inverno, e os cristãos quiseram afirmar Jesus como o novo sol que ilumina a vida. E apesar do erro do ano: por causa da incorrecta transposição do antigo calendário romano para o cristão, feita pelo monge Dionísio, o Pequeno, no século VI, os 2000 anos do nascimento de Jesus devem ter passado em 1996 ou 1997. Mas que importam esses pormenores, quando as pessoas querem que sejam os símbolos - ou as imagens que deles falam, como no presépio - a falar do sentido?

António Marujo

O Primeiro Presépio

Por ANTÓNIO MARUJO

Domingo, 24 de Dezembro de 2000

Foi São Francisco de Assis em Greccio que, no Natal de 1223, criou o primeiro presépio como forma de recriar o nascimento de Jesus. Estando ele em Greccio (na Umbria italiana), quis lembrar "o menino que nasceu em Belém", contemplar "o desconforto que então [Jesus] padeceu e o modo como foi reclinado no feno da manjedoura".

Conta a "Vida Primeira", uma biografia do santo escrita por Tomás de Celano, que Francisco "ficou radiante" quando viu a cena representada. Num relato que mistura a realidade com o maravilhoso, escreve Celano: "Lá estava a manjedoura com o feno e, junto dela, o boi e o jumento. Ali receberia honras a simplicidade, ali seria a vitória da pobreza, ali se aprenderia a lição melhor da humildade."

O ambiente criado é descrito assim: "A noite resplandecia como o dia (...). A recriação do mistério dá a todos novos motivos para se rejubilarem. Erguem-se vozes na floresta e as rochas alcantiladas repercutem os hinos festivos. Os irmãos entoam os louvores do Senhor, e entre cânticos de júbilo fremente decorre toda a noite. O santo de Deus está de pé diante do presépio, desfeito em suspiros, trespassado de piedade, submerso em gozo inefável." (in "Fontes Franciscanas", vol. I, Editorial Franciscana)

A partir de 1228, o lugar da recriação do presépio foi transformado num altar em memória de São Francisco, que morrera dois anos antes, a 4 de Outubro. A diferença do presépio de Francisco de Assis em relação aos que até hoje se vulgarizaram é que, na representação de Greccio, não estavam as figuras de Jesus, Maria e José - que depois se tornariam as imagens centrais da representação. A concepção franciscana tomava a eucaristia como o centro e, por isso, era no altar e no gesto de repartir o pão e o vinho, em memória da Ceia de Cristo, que Jesus se tornava presente.

A ideia de São Francisco, de religar o mistério da Natividade à vida e ao quotidiano, voltou a estar presente na espiritualidade cristã das últimas décadas. O acontecimento de há 2000 anos assume desta forma reactualizações permanentes. Apesar do erro do dia: o 25 de Dezembro corresponde à antiga festa romana do Solstício de Inverno, e os cristãos quiseram afirmar Jesus como o novo sol que ilumina a vida. E apesar do erro do ano: por causa da incorrecta transposição do antigo calendário romano para o cristão, feita pelo monge Dionísio, o Pequeno, no século VI, os 2000 anos do nascimento de Jesus devem ter passado em 1996 ou 1997. Mas que importam esses pormenores, quando as pessoas querem que sejam os símbolos - ou as imagens que deles falam, como no presépio - a falar do sentido?

António Marujo

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