A televisão esforçou-se, mas os artistas não ajudaram

15-01-2001
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A Televisão Esforçou-se, mas Os Artistas Não Ajudaram

Por EDUARDO CINTRA TORRES

Segunda-feira, 15 de Janeiro de 2001

Abstenção? A culpa é da comunicação social. Desinteresse na campanha? A culpa é dos jornalistas. Falta de ideias? A culpa é da televisão.

Jorge Sampaio, à saída da mesa de voto, e, à noite, o ministro Ferro Rodrigues, o deputado Pacheco Pereira, o Presidente do Parlamento, Almeida Santos, o primeiro-ministro António Guterres, e o comentador Marcelo Rebelo de Sousa, todos atribuiram culpas aos órgãos de informação. Todos o disseram para as câmaras de TV e para os jornalistas das rádios e dos jornais.

Esta inesperada conjugação corporativa de políticos de diferentes tendências choca por completo com a realidade que os portugueses viveram: é que a campanha eleitoral praticamente só existiu na televisão, rádio e jornais. Só faltou aos jornalistas andarem com os candidatos ao colo, se é que não andaram.

A mobilização popular - que nada tem a ver com os órgãos de informação - foi quase nula. Se não fosse a presença da TV, rádio e imprensa a abstenção teria sido bem mais elevada.

Houve até nestas eleições mais um canal, a SIC Notícias, onde pudemos ver entrevistas a todos os candidatos com intervenção de perguntas de espectadores.

A análise dos políticos indica que nada mudará no sistema político e partidário nem no nível do debate.

A TV mostrou ontem o empenho dos órgãos de informação nas eleições coroando o trabalho e o investimento que colocaram na cobertura da campanha.

O desinteresse foi dos eleitores, não dos jornalistas. Só a SIC surpreendeu por ter baixado significativamente a fasquia da sua cobertura em noite eleitoral. Passando para a SIC Notícias a criação do seu fluxo informativo, a SIC brindou-nos com uma fita até às 20h00 e foi o primeiro canal a fechar a baiúca para passar um filme com Jackie Chan.

O estúdio da SIC não recorreu a efeitos especiais nem espaços amplos, quase deixando Rodrigo Guedes de Carvalho entregue à sua sorte, sem a presença, aliás, dos comentadores habituais António Barreto e José Miguel Júdice.

Em simultâneo com a SIC Notícias, talvez a SIC tenha feito, na própria noite das eleições, o mesmo que a maioria dos eleitores: não lhes deu demasiada importância. O contrário aconteceu na RTP1 (a dois esteve fechada às notícias, o que foi lógico) e na TVI, cuja nova direcção se estreava em noites eleitorais.

Imitando a SIC com bastantes anos de atraso, a TVI anunciou a sua projecção de resultados um minuto antes de fecharem as urnas nos Açores, enquanto a RTP deu a projecção à oito em ponto e a SIC um minuto mais tarde.

Os estúdios da TVI e da RTP mostravam o empenho das estações em brilhar, especialmente a estação do Estado, que pela primeira vez em muitíssimos anos apresentava um décor agradável, reflectido, amplo e bem iluminado.

As três emissões decorreram sem história especial, com projecções eleitorais correctas, destacando-se o facto de a RTP e a TVI insistirem em painéis e comentadores das várias candidaturas, além dos seus próprios comentadores, enquanto a SIC minimizou as candidaturas e optou por dois comentadores.

As transmissões decorreram com maior profissionalismo que noutros actos eleitorais, mas foi condenável o facto de os canais interromperem as transmissões das declarações dos políticos para dar a voz aos jornalistas que comentam essas mesmas declarações! Deveria assumir-se claramente que esta noite pertence aos políticos, havendo que dar-lhes um pouco mais de espaço às intervenções de fundo.

O mais negativo, porém foi a ausência em todos os canais de resultados em números efectivos de votos. Apenas deram percentagens. Ora, nem os portugueses votam percentagens nem os candidatos recebem percentagens: há votos, que são contados, e nenhum canal de TV nos mostrou os votos que cada candidato obteve!

Os espectadores não puderam saber se Sampaio teve mais ou menos votos do que há cinco anos, se o candidato do PSD teve mais ou menos votos que Cavaco Silva, etc. Foi uma grave falha informativa.

Quanto à análise dos resultados, os elementos mais interessantes foram apresentados não por políticos ou jornalistas mas por Pedro de Magalhães, da unidade de sondagens da Universidade Católica, na RTP1.

A RTP terminou a emissão em último lugar com uma operação que estava montada para uma grande euforia popular em torno da reeleição de Sampaio: manteve-se junto do hotel até Sampaio sair para junto de um grupinho de apoiantes como se fosse uma multidão gigantesca; mostrou o percurso de carro de Sampaio para casa (tal como a SIC fizera com Guterres em 95), recorrendo até a um helicóptero que mostrava as avenidas vazias e silenciosas; e terminou em beleza mostrando com grande entusiasmo jornalístico cinco vizinhos do presidente reeleito.

Estas imagens eram a derradeira prova, afinal, de que as televisões e os órgãos de informação em geral se empenharam mais nestas eleições do que os portugueses e a classe política em geral.

Eduardo Cintra Torres

A Televisão Esforçou-se, mas Os Artistas Não Ajudaram

Por EDUARDO CINTRA TORRES

Segunda-feira, 15 de Janeiro de 2001

Abstenção? A culpa é da comunicação social. Desinteresse na campanha? A culpa é dos jornalistas. Falta de ideias? A culpa é da televisão.

Jorge Sampaio, à saída da mesa de voto, e, à noite, o ministro Ferro Rodrigues, o deputado Pacheco Pereira, o Presidente do Parlamento, Almeida Santos, o primeiro-ministro António Guterres, e o comentador Marcelo Rebelo de Sousa, todos atribuiram culpas aos órgãos de informação. Todos o disseram para as câmaras de TV e para os jornalistas das rádios e dos jornais.

Esta inesperada conjugação corporativa de políticos de diferentes tendências choca por completo com a realidade que os portugueses viveram: é que a campanha eleitoral praticamente só existiu na televisão, rádio e jornais. Só faltou aos jornalistas andarem com os candidatos ao colo, se é que não andaram.

A mobilização popular - que nada tem a ver com os órgãos de informação - foi quase nula. Se não fosse a presença da TV, rádio e imprensa a abstenção teria sido bem mais elevada.

Houve até nestas eleições mais um canal, a SIC Notícias, onde pudemos ver entrevistas a todos os candidatos com intervenção de perguntas de espectadores.

A análise dos políticos indica que nada mudará no sistema político e partidário nem no nível do debate.

A TV mostrou ontem o empenho dos órgãos de informação nas eleições coroando o trabalho e o investimento que colocaram na cobertura da campanha.

O desinteresse foi dos eleitores, não dos jornalistas. Só a SIC surpreendeu por ter baixado significativamente a fasquia da sua cobertura em noite eleitoral. Passando para a SIC Notícias a criação do seu fluxo informativo, a SIC brindou-nos com uma fita até às 20h00 e foi o primeiro canal a fechar a baiúca para passar um filme com Jackie Chan.

O estúdio da SIC não recorreu a efeitos especiais nem espaços amplos, quase deixando Rodrigo Guedes de Carvalho entregue à sua sorte, sem a presença, aliás, dos comentadores habituais António Barreto e José Miguel Júdice.

Em simultâneo com a SIC Notícias, talvez a SIC tenha feito, na própria noite das eleições, o mesmo que a maioria dos eleitores: não lhes deu demasiada importância. O contrário aconteceu na RTP1 (a dois esteve fechada às notícias, o que foi lógico) e na TVI, cuja nova direcção se estreava em noites eleitorais.

Imitando a SIC com bastantes anos de atraso, a TVI anunciou a sua projecção de resultados um minuto antes de fecharem as urnas nos Açores, enquanto a RTP deu a projecção à oito em ponto e a SIC um minuto mais tarde.

Os estúdios da TVI e da RTP mostravam o empenho das estações em brilhar, especialmente a estação do Estado, que pela primeira vez em muitíssimos anos apresentava um décor agradável, reflectido, amplo e bem iluminado.

As três emissões decorreram sem história especial, com projecções eleitorais correctas, destacando-se o facto de a RTP e a TVI insistirem em painéis e comentadores das várias candidaturas, além dos seus próprios comentadores, enquanto a SIC minimizou as candidaturas e optou por dois comentadores.

As transmissões decorreram com maior profissionalismo que noutros actos eleitorais, mas foi condenável o facto de os canais interromperem as transmissões das declarações dos políticos para dar a voz aos jornalistas que comentam essas mesmas declarações! Deveria assumir-se claramente que esta noite pertence aos políticos, havendo que dar-lhes um pouco mais de espaço às intervenções de fundo.

O mais negativo, porém foi a ausência em todos os canais de resultados em números efectivos de votos. Apenas deram percentagens. Ora, nem os portugueses votam percentagens nem os candidatos recebem percentagens: há votos, que são contados, e nenhum canal de TV nos mostrou os votos que cada candidato obteve!

Os espectadores não puderam saber se Sampaio teve mais ou menos votos do que há cinco anos, se o candidato do PSD teve mais ou menos votos que Cavaco Silva, etc. Foi uma grave falha informativa.

Quanto à análise dos resultados, os elementos mais interessantes foram apresentados não por políticos ou jornalistas mas por Pedro de Magalhães, da unidade de sondagens da Universidade Católica, na RTP1.

A RTP terminou a emissão em último lugar com uma operação que estava montada para uma grande euforia popular em torno da reeleição de Sampaio: manteve-se junto do hotel até Sampaio sair para junto de um grupinho de apoiantes como se fosse uma multidão gigantesca; mostrou o percurso de carro de Sampaio para casa (tal como a SIC fizera com Guterres em 95), recorrendo até a um helicóptero que mostrava as avenidas vazias e silenciosas; e terminou em beleza mostrando com grande entusiasmo jornalístico cinco vizinhos do presidente reeleito.

Estas imagens eram a derradeira prova, afinal, de que as televisões e os órgãos de informação em geral se empenharam mais nestas eleições do que os portugueses e a classe política em geral.

Eduardo Cintra Torres

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