Linha do Norte sobrevive ao TGV

19-02-2001
marcar artigo

Atrasos na remodelação tiveram causas múltiplas

Linha do Norte Sobrevive ao TGV

Por CARLOS CIPRIANO

Segunda-feira, 19 de Fevereiro de 2001

A alta velocidade em Portugal não põe em causa a modernização da linha do Norte, disse ao PÚBLICO o presidente da Refer. É que esta linha é a "coluna vertebral" da rede ferroviária portuguesa, ou seja, do caminho-de-ferro que ainda existe...

No fracasso da modernização da linha do Norte as culpas morreram solteiras, mas a continuação da obra é imprescindível porque este eixo é a "coluna vertebral" do caminho-de-ferro português.

Conduzir um comboio pendular entre Lisboa e o Porto é um autêntico rali. Quem o diz são os próprios maquinistas, que ora aceleram as composições a 160 km/hora, ora as reduzem para os 80 para depois as subirem a 120 e a seguir baixar aos 30 km. Isto porque a linha é uma manta de retalhos com troços já modernizadas, outros antigos e outros em obras que ameaçam eternizar-se. Só em Alverca e perto de Aveiro os pendulares dão, enfim, um ar da sua graça, deslizando a 220 km/hora durante breves quilómetros.

As viagens mais rápidas demoram 3h15 e só dentro de três anos o Tejo e o Douro estarão ligados em menos de 2h45. No entanto, o projecto inicial, apresentado no início dos anos 80, apontava para que em 2001 a Linha do Norte já estaria modernizada e que entre Lisboa e Porto se demoraria apenas 2h15. O que aconteceu, afinal? De quem foi culpa? De vários governos, ministros, administrações e empresas de consultoria que foram alegremente somando "erros", "desajustes" e "insuficiências", um pouco ao estilo de que "a culpa é de todos em geral e de ninguém em particular". É esta, pelo menos, a conclusão de uma auditoria instaurada pelo então ministro João Cravinho há dois anos (ver PÚBLICO de 29/11/1999).

O mau estado da plataforma da Linha do Norte, sobretudo no Ribatejo e nas bacias do Mondego e do Vouga, resultante de 150 anos de proximidade dos rios, não foi tido em conta no projecto de modernização e isso viria a revelar-se fatal. Depois, a Expo-98 quase paralizou os trabalhos durante os meses em que durou, para não perturbar a circulação ferroviária numa altura em que fazia muita falta, além de que a colocação da gare do Oriente nunca esteve contemplada no projecto de modernização.

A execução dos trabalhos revelou-se desastrosa devido à dificuldade em conciliar as obras com a passagem dos comboios. A Refer, criada em 1996 em resultado do cisão da CP, herda um projecto falhado, mas não assume a ruptura e fala em "reprogramação" numa altura em que, a continuar-se àquele ritmo de modernização, só em 2014 as obras estariam prontas.

É então que, em jeito de fuga para a frente, João Cravinho avança com o projecto da alta velocidade. Anos antes, o ministro social-democrata Oliveira Martins tinha criado uma comissão para estudar o assunto, mas o seu sucessor Ferreira do Amaral, mais preocupado com as rodovias, encarregou-se de a extinguir.

No relatório da auditoria que então foi feita considera-se que, com ou sem TGV, a conclusão da modernização da Linha do Norte é imprescindível pois constitui o eixo central da rede ferroviária de onde irradiam, em esquema arbóreo, os demais itinerários para o interior, Norte e Sul do país, bem como o acesso a Espanha e à Europa. E diz-se que o sobrecusto da continuação das obras "é insignificante face aos reais prejuízos macro-económicos, sociais e também ambientais derivados da não concretização do projecto".

O actual presidente da Refer, Cardoso dos Reis, também disse ao PÚBLICO que a alta velocidade em Portugal não põe em causa a modernização da linha do Norte. É que esta linha é a "coluna vertebral" do caminho de ferro português e o que nela se está a fazer destina-se a muito mais do que a aumentar a velocidade dos comboios pendulares.

É que os investimentos em curso neste eixo não se destinam tanto ao aumento de velocidade dos Alfas pendulares, mas sim a permitir a circulação fiável da imensa panóplia de comboios que lá circulam - suburbanos, regionais, inter-regionais, intercidades e mercadorias. Com ou sem TGV no país, a sua modernização é necessária para a sua sobrevivência. Sem a Linha do Norte, praticamente não haveria caminho-de-ferro em Portugal.

Atrasos na remodelação tiveram causas múltiplas

Linha do Norte Sobrevive ao TGV

Por CARLOS CIPRIANO

Segunda-feira, 19 de Fevereiro de 2001

A alta velocidade em Portugal não põe em causa a modernização da linha do Norte, disse ao PÚBLICO o presidente da Refer. É que esta linha é a "coluna vertebral" da rede ferroviária portuguesa, ou seja, do caminho-de-ferro que ainda existe...

No fracasso da modernização da linha do Norte as culpas morreram solteiras, mas a continuação da obra é imprescindível porque este eixo é a "coluna vertebral" do caminho-de-ferro português.

Conduzir um comboio pendular entre Lisboa e o Porto é um autêntico rali. Quem o diz são os próprios maquinistas, que ora aceleram as composições a 160 km/hora, ora as reduzem para os 80 para depois as subirem a 120 e a seguir baixar aos 30 km. Isto porque a linha é uma manta de retalhos com troços já modernizadas, outros antigos e outros em obras que ameaçam eternizar-se. Só em Alverca e perto de Aveiro os pendulares dão, enfim, um ar da sua graça, deslizando a 220 km/hora durante breves quilómetros.

As viagens mais rápidas demoram 3h15 e só dentro de três anos o Tejo e o Douro estarão ligados em menos de 2h45. No entanto, o projecto inicial, apresentado no início dos anos 80, apontava para que em 2001 a Linha do Norte já estaria modernizada e que entre Lisboa e Porto se demoraria apenas 2h15. O que aconteceu, afinal? De quem foi culpa? De vários governos, ministros, administrações e empresas de consultoria que foram alegremente somando "erros", "desajustes" e "insuficiências", um pouco ao estilo de que "a culpa é de todos em geral e de ninguém em particular". É esta, pelo menos, a conclusão de uma auditoria instaurada pelo então ministro João Cravinho há dois anos (ver PÚBLICO de 29/11/1999).

O mau estado da plataforma da Linha do Norte, sobretudo no Ribatejo e nas bacias do Mondego e do Vouga, resultante de 150 anos de proximidade dos rios, não foi tido em conta no projecto de modernização e isso viria a revelar-se fatal. Depois, a Expo-98 quase paralizou os trabalhos durante os meses em que durou, para não perturbar a circulação ferroviária numa altura em que fazia muita falta, além de que a colocação da gare do Oriente nunca esteve contemplada no projecto de modernização.

A execução dos trabalhos revelou-se desastrosa devido à dificuldade em conciliar as obras com a passagem dos comboios. A Refer, criada em 1996 em resultado do cisão da CP, herda um projecto falhado, mas não assume a ruptura e fala em "reprogramação" numa altura em que, a continuar-se àquele ritmo de modernização, só em 2014 as obras estariam prontas.

É então que, em jeito de fuga para a frente, João Cravinho avança com o projecto da alta velocidade. Anos antes, o ministro social-democrata Oliveira Martins tinha criado uma comissão para estudar o assunto, mas o seu sucessor Ferreira do Amaral, mais preocupado com as rodovias, encarregou-se de a extinguir.

No relatório da auditoria que então foi feita considera-se que, com ou sem TGV, a conclusão da modernização da Linha do Norte é imprescindível pois constitui o eixo central da rede ferroviária de onde irradiam, em esquema arbóreo, os demais itinerários para o interior, Norte e Sul do país, bem como o acesso a Espanha e à Europa. E diz-se que o sobrecusto da continuação das obras "é insignificante face aos reais prejuízos macro-económicos, sociais e também ambientais derivados da não concretização do projecto".

O actual presidente da Refer, Cardoso dos Reis, também disse ao PÚBLICO que a alta velocidade em Portugal não põe em causa a modernização da linha do Norte. É que esta linha é a "coluna vertebral" do caminho de ferro português e o que nela se está a fazer destina-se a muito mais do que a aumentar a velocidade dos comboios pendulares.

É que os investimentos em curso neste eixo não se destinam tanto ao aumento de velocidade dos Alfas pendulares, mas sim a permitir a circulação fiável da imensa panóplia de comboios que lá circulam - suburbanos, regionais, inter-regionais, intercidades e mercadorias. Com ou sem TGV no país, a sua modernização é necessária para a sua sobrevivência. Sem a Linha do Norte, praticamente não haveria caminho-de-ferro em Portugal.

marcar artigo