A co-incineração da democracia

15-01-2001
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Souselas, Coimbra

A Co-incineração da Democracia

Por NELSON MORAIS

Segunda-feira, 15 de Janeiro de 2001

Apenas oito dos 2863 eleitores inscritos na freguesia de Souselas conseguiram ontem votar. O boicote foi provocado por um grupo de quatro ou cinco dezenas de pessoas, entre as quais não foi possível identificar nunhum representante da Comissão de Luta contra a Co--Incineração, o movimento de associações que tem corporizado as razões do protesto de ontem. Quem esteve em Souselas, momentos depois da destruição dos primeiros boletins de voto, foi o governador civil de Coimbra. Horácio Antunes condenou o "acto antidemocrático", mas até foi elogiado por alguns boicotantes, que ficaram espantados com a "coragem" e "palavra fácil" evidenciada pela sua presença.

As duas mesas de voto da vila de Souselas não chegaram a abrir, devido aos eleitores que, minutos depois das 7h00, se apoderaram e destruíram os boletins de voto. Quando passavam dez minutos da hora de abertura das urnas em todo o país (8h00), uma das pessoas que estavam concentradas à porta do Centro Cívico de Souselas subiu a parada, lançando um grito de desafio: "Vamos à Marmeleira". E lá foi, com grande aparato, um comitiva de automibilistas e motociclistas, que invadiu o local onde oito eleitores já tinham dado a sua sentença em relação aos candidatos presidenciais.

Depois de, aqui, rasgarem os 711 boletins de voto que restavam intactos, os souselenses dirgiram-se à localidade de Sargento Mor, para provocar o encerramento da quarta e última mesa de voto da freguesia. À entrada do respectivo edifício até havia cartazes que apelavam à abstenção - "Votar para quê???", questionavam -, mas as pessoas estavam sem tempo para leituras. Depois de uma abrupta entrada na sala, danificaram os boletins e fizeram desaparecer os cadernos eleitorais, impedindo, desta vez, a captação de imagens pelos repórteres presentes.

Dez minutos depois chegava o governador civil de Coimbra a mais um dos locais invadidos. Bem humorado, Horácio Antunes disse aos jornalistas presentes que "quem instigou o boicote deve ser chamado à responsabilidade e pagar pelos seu actos". Referindo-se em particular e de forma enigmática aos motociclistas que integravam o grupo de boicotantes - "toda a gente sabe de quem são as três motos" -, lembrou que "a lei eleitoral não permite às forças de segurança defenderem as mesas de voto". Uma condição do regulamento eleitoral que, avisou, não está prevista para o dia da repetição das eleições: amanhã ou no próximo domingo, caso haja, ou não, necessidade de realizar uma segunda volta.

O presidente da junta de freguesia, o comunista José Figueiredo, manifestou "solidariedade" para com os boicotantes, mas distanciou-se dos seus actos: "Eu não vi nada", assegurou.

Nelson Morais

Souselas, Coimbra

A Co-incineração da Democracia

Por NELSON MORAIS

Segunda-feira, 15 de Janeiro de 2001

Apenas oito dos 2863 eleitores inscritos na freguesia de Souselas conseguiram ontem votar. O boicote foi provocado por um grupo de quatro ou cinco dezenas de pessoas, entre as quais não foi possível identificar nunhum representante da Comissão de Luta contra a Co--Incineração, o movimento de associações que tem corporizado as razões do protesto de ontem. Quem esteve em Souselas, momentos depois da destruição dos primeiros boletins de voto, foi o governador civil de Coimbra. Horácio Antunes condenou o "acto antidemocrático", mas até foi elogiado por alguns boicotantes, que ficaram espantados com a "coragem" e "palavra fácil" evidenciada pela sua presença.

As duas mesas de voto da vila de Souselas não chegaram a abrir, devido aos eleitores que, minutos depois das 7h00, se apoderaram e destruíram os boletins de voto. Quando passavam dez minutos da hora de abertura das urnas em todo o país (8h00), uma das pessoas que estavam concentradas à porta do Centro Cívico de Souselas subiu a parada, lançando um grito de desafio: "Vamos à Marmeleira". E lá foi, com grande aparato, um comitiva de automibilistas e motociclistas, que invadiu o local onde oito eleitores já tinham dado a sua sentença em relação aos candidatos presidenciais.

Depois de, aqui, rasgarem os 711 boletins de voto que restavam intactos, os souselenses dirgiram-se à localidade de Sargento Mor, para provocar o encerramento da quarta e última mesa de voto da freguesia. À entrada do respectivo edifício até havia cartazes que apelavam à abstenção - "Votar para quê???", questionavam -, mas as pessoas estavam sem tempo para leituras. Depois de uma abrupta entrada na sala, danificaram os boletins e fizeram desaparecer os cadernos eleitorais, impedindo, desta vez, a captação de imagens pelos repórteres presentes.

Dez minutos depois chegava o governador civil de Coimbra a mais um dos locais invadidos. Bem humorado, Horácio Antunes disse aos jornalistas presentes que "quem instigou o boicote deve ser chamado à responsabilidade e pagar pelos seu actos". Referindo-se em particular e de forma enigmática aos motociclistas que integravam o grupo de boicotantes - "toda a gente sabe de quem são as três motos" -, lembrou que "a lei eleitoral não permite às forças de segurança defenderem as mesas de voto". Uma condição do regulamento eleitoral que, avisou, não está prevista para o dia da repetição das eleições: amanhã ou no próximo domingo, caso haja, ou não, necessidade de realizar uma segunda volta.

O presidente da junta de freguesia, o comunista José Figueiredo, manifestou "solidariedade" para com os boicotantes, mas distanciou-se dos seus actos: "Eu não vi nada", assegurou.

Nelson Morais

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