EXPRESSO: Opinião

26-05-2001
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12/1/2001

OPINIÃO

CAMPANHA No país do «Big Brother»

A verdadeira 'bomba' das Presidenciais-2001, logo a seguir ao urânio, acabou por ser a confirmação da candidatura de António Abreu. Ora, quando o anúncio de que um concorrente vai mesmo a votos aparece como a segunda notícia mais marcante de uma disputa eleitoral fica tudo dito sobre o vazio que a envolve. A CAMPANHA presidencial que hoje termina foi a mais enfadonha e desinteressante de todas as que se realizaram desde o 25 de Abril. Não surpreenderá, por isso, que os resultados venham a espelhar a ausência de motivação para o voto que a generalidade das sondagens indica e que tem sido o receio maior de Jorge Sampaio. As quezílias sobre a inauguração do Porto-2001 não tiveram força bastante sequer para poderem ser recordadas como o pitoresco debate Soares-Basílio de há dez anos. E a polémica sobre a malfadada história do urânio empobrecido, sem a qual os candidatos dificilmente teriam aguentado uma quinzena de conversa com os eleitores e de discussão entre si, foi providencial mas estéril e inconsequente. Podia ter servido para alguma reflexão mais elaborada sobre o enquadramento externo de Portugal, sobre as potencialidades e as vulnerabilidades das grandes opções nacionais neste domínio. Mas a verdade é que, por culpas repartidas entre os candidatos, os meios de comunicação social e os próprios eleitores - basta ver as audiências do único debate televisivo - o país parece dispensar as ideias e conformar-se com a noção de que elas já contam pouco nas campanhas. Quem se interessaria realmente por discutir e ver discutidos com alguma profundidade assuntos desagradáveis como o atraso na convergência com a Europa, o predomínio da economia espanhola ou as complexas relações com a África lusófona, quando é muito mais cómodo falar de Timor? Quem se disporia a desafiar a opinião de importantíssimos sectores do eleitorado com uma discussão séria sobre o dinheiro fácil e o seu poder crescente, ou sobre a fama rápida e sem motivo, numa sociedade que se alimenta do «Big Brother» e similares? Quem iria agora enfrentar problemas de todos os dias como a insegurança e a marginalidade, a debilitação das polícias e da autoridade do Estado, a ausência de verdadeiras reformas das instituições e da administração pública, o colapso da Justiça, as misérias da educação, as injustiças fiscais, a força dos interesses ocultos, as debilidades do sistema e a fraqueza dos agentes políticos, os desequilíbrios sociais e os dramas da imigração? A maioria dos consumidores de televisão e de jornais diria que tudo isto é «uma seca» e os candidatos talvez observassem que quase tudo é matéria da competência do Governo. Mas os problemas do país não dirão respeito ao Presidente, que é eleito por sufrágio directo e universal? A verdadeira «bomba» das Presidenciais-2001, logo a seguir ao urânio, acabou por ser a confirmação da candidatura de António Abreu. Ora, quando o anúncio de que um concorrente vai mesmo a votos aparece como a segunda notícia mais marcante de uma disputa eleitoral fica tudo dito sobre o vazio que a envolve. Durante estas duas semanas, vimos um Presidente sem adversários à altura mas permanentemente à defesa - o que pareceu deveras estranho - e empenhado em apresentar como brilhantes cinco anos de um mandato sem brilho. A seu lado - e não forçosamente contra si, na maior parte dos casos - estiveram quatro concorrentes que o criticaram em graus diferenciados, quase todos de forma vaga e displicente, por ter demonstrado fraqueza ou cumplicidade no modo como se relacionou com o Governo do seu próprio partido. É pouco para uma campanha presidencial, de que sempre se espera algum olhar sobre o futuro, mais do que uma briga sobre o passado. É certo que Jorge Sampaio não enfrentou quatro verdadeiros candidatos à Presidência da República, mas pessoas que assumiram esse papel com motivações e objectivos laterais. António Abreu vai apenas cumprir uma missão partidária. Fernando Rosas limita-se a preencher o papel do Bloco. Garcia Pereira, o candidato do PCTP-MRPP para todas as estações, apresentou-se porque sim. E Ferreira do Amaral, que nunca conseguiu descolar da sua imagem de ministro competente, revelou o seu verdadeiro projecto ao anunciar um plano de destruição do guterrismo que incluía a utilização da «bomba atómica» logo às primeiras impressões. Todos eles sabem que acabarão por beneficiar, na sua vida política e/ou profissional, da exposição pública que mantiveram ao longo das últimas semanas. E a notoriedade acrescida já é um trunfo e uma gratificação bastante. A partir do momento em que se percebeu que nenhum dos pesos-pesados - Cavaco, Balsemão, Freitas - avançaria contra Sampaio, o grau de incerteza sobre o desfecho das presidenciais ficou reduzido a zero e isso desmobilizou as atenções. O que não se esperava era que a campanha em si mesma fosse tão decepcionante que até um dos concorrentes - Garcia Pereira - fizesse um apelo indirecto à abstenção, dizendo que, se não fosse candidato, também não votaria. De alguém que concorre a Presidente da República não se espera que contribua para descredibilizar a eleição. Mas, no país do «Big Brother», o seu apelo surge também como um sinal dos tempos que deve ser contrariado.

COMENTÁRIOS AO ARTIGO

3 comentários 1 a 3

14 Janeiro 2001 às 5:43

Grande abstenção caduca legitimidade presidencial.

País de "Big Brother", "vazio",etc.

tudo está bem dito.

Seria bom acrescentar que tudo isso deriva do País do Big

Polvo incompetente.

Se houver muita abstenção, comeremos todos muito polvo cuzido.

13 Janeiro 2001 às 11:27

José Ferreira ( zeluiz@pop.agri.ch )

Garcia Pereira tem a rarísima característica de ser um advogado que se interessa pela justiça. Por isso terá o meu voto.

13 Janeiro 2001 às 11:13

Nuno Cardoso da Silva ( nunocardososilva@net.sapo.pt )

Tenho muita consideração pelo articulista, pelo que faço dois reparos:

1º Garcia Pereira não se candidatou "porque sim", mas porque tem ideias - que muitos que não são marxistas-leninistas começam a partilhar - e as quis expor ao país, e porque é um combatente coerente contra um sistema vergonhosamente oligárquico, que tenta fazer-se passar por democrático. Por isso terá o meu voto.

2º Ao anunciar que se absteria se não fosso candidato, parece-me que Garcia Pereira estava a ser coerente: se existisse outro candidato que merecese o seu voto, que estaria ele a fazer como candidato? Só se candidatou porque os outros eram inaceitáveis, logo nunca poderia votar por eles. É assim tão difícil de compreender?...

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A verdadeira 'bomba' das Presidenciais-2001, logo a seguir ao urânio, acabou por ser a confirmação da candidatura de António Abreu. Ora, quando o anúncio de que um concorrente vai mesmo a votos aparece como a segunda notícia mais marcante de uma disputa eleitoral fica tudo dito sobre o vazio que a envolve. A CAMPANHA presidencial que hoje termina foi a mais enfadonha e desinteressante de todas as que se realizaram desde o 25 de Abril. Não surpreenderá, por isso, que os resultados venham a espelhar a ausência de motivação para o voto que a generalidade das sondagens indica e que tem sido o receio maior de Jorge Sampaio. As quezílias sobre a inauguração do Porto-2001 não tiveram força bastante sequer para poderem ser recordadas como o pitoresco debate Soares-Basílio de há dez anos. E a polémica sobre a malfadada história do urânio empobrecido, sem a qual os candidatos dificilmente teriam aguentado uma quinzena de conversa com os eleitores e de discussão entre si, foi providencial mas estéril e inconsequente. Podia ter servido para alguma reflexão mais elaborada sobre o enquadramento externo de Portugal, sobre as potencialidades e as vulnerabilidades das grandes opções nacionais neste domínio. Mas a verdade é que, por culpas repartidas entre os candidatos, os meios de comunicação social e os próprios eleitores - basta ver as audiências do único debate televisivo - o país parece dispensar as ideias e conformar-se com a noção de que elas já contam pouco nas campanhas. Quem se interessaria realmente por discutir e ver discutidos com alguma profundidade assuntos desagradáveis como o atraso na convergência com a Europa, o predomínio da economia espanhola ou as complexas relações com a África lusófona, quando é muito mais cómodo falar de Timor? Quem se disporia a desafiar a opinião de importantíssimos sectores do eleitorado com uma discussão séria sobre o dinheiro fácil e o seu poder crescente, ou sobre a fama rápida e sem motivo, numa sociedade que se alimenta do «Big Brother» e similares? Quem iria agora enfrentar problemas de todos os dias como a insegurança e a marginalidade, a debilitação das polícias e da autoridade do Estado, a ausência de verdadeiras reformas das instituições e da administração pública, o colapso da Justiça, as misérias da educação, as injustiças fiscais, a força dos interesses ocultos, as debilidades do sistema e a fraqueza dos agentes políticos, os desequilíbrios sociais e os dramas da imigração? A maioria dos consumidores de televisão e de jornais diria que tudo isto é «uma seca» e os candidatos talvez observassem que quase tudo é matéria da competência do Governo. Mas os problemas do país não dirão respeito ao Presidente, que é eleito por sufrágio directo e universal? A verdadeira «bomba» das Presidenciais-2001, logo a seguir ao urânio, acabou por ser a confirmação da candidatura de António Abreu. Ora, quando o anúncio de que um concorrente vai mesmo a votos aparece como a segunda notícia mais marcante de uma disputa eleitoral fica tudo dito sobre o vazio que a envolve. Durante estas duas semanas, vimos um Presidente sem adversários à altura mas permanentemente à defesa - o que pareceu deveras estranho - e empenhado em apresentar como brilhantes cinco anos de um mandato sem brilho. A seu lado - e não forçosamente contra si, na maior parte dos casos - estiveram quatro concorrentes que o criticaram em graus diferenciados, quase todos de forma vaga e displicente, por ter demonstrado fraqueza ou cumplicidade no modo como se relacionou com o Governo do seu próprio partido. É pouco para uma campanha presidencial, de que sempre se espera algum olhar sobre o futuro, mais do que uma briga sobre o passado. É certo que Jorge Sampaio não enfrentou quatro verdadeiros candidatos à Presidência da República, mas pessoas que assumiram esse papel com motivações e objectivos laterais. António Abreu vai apenas cumprir uma missão partidária. Fernando Rosas limita-se a preencher o papel do Bloco. Garcia Pereira, o candidato do PCTP-MRPP para todas as estações, apresentou-se porque sim. E Ferreira do Amaral, que nunca conseguiu descolar da sua imagem de ministro competente, revelou o seu verdadeiro projecto ao anunciar um plano de destruição do guterrismo que incluía a utilização da «bomba atómica» logo às primeiras impressões. Todos eles sabem que acabarão por beneficiar, na sua vida política e/ou profissional, da exposição pública que mantiveram ao longo das últimas semanas. E a notoriedade acrescida já é um trunfo e uma gratificação bastante. A partir do momento em que se percebeu que nenhum dos pesos-pesados - Cavaco, Balsemão, Freitas - avançaria contra Sampaio, o grau de incerteza sobre o desfecho das presidenciais ficou reduzido a zero e isso desmobilizou as atenções. O que não se esperava era que a campanha em si mesma fosse tão decepcionante que até um dos concorrentes - Garcia Pereira - fizesse um apelo indirecto à abstenção, dizendo que, se não fosse candidato, também não votaria. De alguém que concorre a Presidente da República não se espera que contribua para descredibilizar a eleição. Mas, no país do «Big Brother», o seu apelo surge também como um sinal dos tempos que deve ser contrariado.

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14 Janeiro 2001 às 5:43

Grande abstenção caduca legitimidade presidencial.

País de "Big Brother", "vazio",etc.

tudo está bem dito.

Seria bom acrescentar que tudo isso deriva do País do Big

Polvo incompetente.

Se houver muita abstenção, comeremos todos muito polvo cuzido.

13 Janeiro 2001 às 11:27

José Ferreira ( zeluiz@pop.agri.ch )

Garcia Pereira tem a rarísima característica de ser um advogado que se interessa pela justiça. Por isso terá o meu voto.

13 Janeiro 2001 às 11:13

Nuno Cardoso da Silva ( nunocardososilva@net.sapo.pt )

Tenho muita consideração pelo articulista, pelo que faço dois reparos:

1º Garcia Pereira não se candidatou "porque sim", mas porque tem ideias - que muitos que não são marxistas-leninistas começam a partilhar - e as quis expor ao país, e porque é um combatente coerente contra um sistema vergonhosamente oligárquico, que tenta fazer-se passar por democrático. Por isso terá o meu voto.

2º Ao anunciar que se absteria se não fosso candidato, parece-me que Garcia Pereira estava a ser coerente: se existisse outro candidato que merecese o seu voto, que estaria ele a fazer como candidato? Só se candidatou porque os outros eram inaceitáveis, logo nunca poderia votar por eles. É assim tão difícil de compreender?...

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