Afinal "eles" servem para quê?

12-01-2001
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O rasto dos candidatos na Baixa de Coimbra

Afinal "Eles" Servem para Quê?

Por GRAÇA BARBOSA RIBEIRO

Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2001

Se a Baixa de Coimbra é eleita ponto obrigatório de campanha eleitoral porque os comerciantes são "uns bons multiplicadores de mensagem", o panorama não é o mais animador... Por entre um rol de lamentações sobre o estado do país, desmontam-se os sorrisos "de plástico" dos candidatos e ridicularizam-se "os apertos de mão e os beijinhos". Até porque de política, queixam-se os comerciantes, os políticos não falam...

Já lá vai o tempo em que a Baixa de Coimbra era atravessada por um frémito de entusiasmo ao ressoar dos bombos que anunciavam o tradicional desfile dos candidatos às eleições, fossem elas autárquicas, legislativas ou presidenciais. O desfile mantém-se e os bombos também. Mas o rasto da passagem de Jorge Sampaio, na pré-campanha, e de Ferreira do Amaral e António Abreu, mais recentemente, é uma ruidosa indiferença. "Não me lembro de uma campanha assim, tão amorfa. Vão ter que trabalhar muito para provar que a gente precisa deles pr''alguma coisa!...", avisava anteontem José Pintassilgo, que há 17 anos trabalha numa loja de equipamento fotográfico.

Chove com intensidade, as lojas estão quase vazias e a disponibilidade de José Pintassilgo para trocar dois dedos de conversa só faz aumentar o rol de lamentações. O seu discurso - como o de todos os outros comerciantes - está recheado de palavras e frases como "aumento do custo de vida", "Portugal na cauda da Europa", "tachos", boys", "ordenados chorudos dos políticos" e "pensões de miséria".

A chuva não ajuda a melhorar o humor, mas o recente desfile dos candidatos também não: "Só faz com que a gente se lembre de que, se não somos nós a cuidar da nossa vida, ninguém o faz!...", protesta o comerciante. Os destinatários não são apenas o actual Presidente da República e os restantes candidatos, mas também os Governos, "todos os Governos". E é a homens como Pintassilgo que um dirigente do PSD chama "multiplicadores de mensagem", quando explica as vantagens da passagem dos candidatos pela Baixa de Coimbra...

Fazem notar os homens dos partidos que há outras vantagens, como a de ser o local da cidade "onde se concentra mais gente por quilómetro quadrado". Mas nem isso parece melhorar as expectativas dos candidatos. "Dantes havia banhos de multidão, agora eles têm de se esforçar para serem vistos. E, quanto aos pequenos comerciantes, se nalgum lugar é fácil encontrar gente desiludida, é aqui: fomos atraiçoados por todos os Governos e estamos convencidos de que votar ou não é a mesma coisa. Quem manda é o grande capital!", sentencia José da Costa, ex-dirigente da Associação Comercial e Industrial de Coimbra.

José da Costa refere-se "à volta que a vida desta gente levou" com a proliferação dos hipermercados e à vã e desesperada luta contra a abertura daqueles estabelecimentos ao domingo. Ficou a amargura, mas não só: a concorrência, a que chamam desleal, obrigou-os a esforços acrescidos. E nem os políticos imaginam o quanto isso poderá ter contribuído para a forma como estes homens vêem, hoje, as campanhas...

"É tudo plástico"...

Afinal, os desafios postos a um candidato numa campanha eleitoral não são muito diferentes dos que se colocam a um pequeno comerciante, face à ameaça das grandes superfícies. Os primeiros tentam captar o voto, os segundos procuram, a todo o custo, que os cada vez mais escassos clientes não saiam das suas lojas de mãos vazias. "Ora imagine: uma senhora vem aqui e, de entre estes óculos todos, escolhe uns que lhe ficam mesmo mal. O que é que eu vou dizer? A senhora fica horrorosa? Ora, digo-lhe o que ela quer ouvir!... Como os políticos...", exemplifica, com um sorriso, Luís Dinis, que trabalha numa óptica.

E Vítor Cardoso, que há dez anos trabalha na Casa Campião, colabora na demonstração de que, ali, o "marketing" político não funciona. "Já ninguém se deixa enganar. A pose, o sorriso dos candidatos quando aqui passam... Uns disfarçam melhor, outros pior, mas é tudo plástico, só plástico...". Vítor Cardoso define-se como "um desencantado da política". E insiste que não fala dela, da política, de tão irritado que está com eles, os políticos: "Agora, passeiam-se por aqui para provar que se preocupam com o povo... Tretas!...", desabafa, antes de voltar a embrenhar-se numa resma de papéis. Não está sozinho, neste seu desencanto. Nem na eterna questão que se lhe coloca depois da meteórica passagem dos candidatos pelo canal da Baixa.

"Olhe lá, mas eles pensam que conseguem o quê, com este espectáculo?!", pergunta também Rui Rajado, divertido. "Meia dúzia de votos?! Isso sim! São eles a dar um aperto de mão e um beijinho e a gente a pensar: ''Olha para onde tu vens agora!... Estás cá com uma sorte!...''". Dono de uma das lojas mais antigas da Baixa de Coimbra, a Papelaria Cristal, Rui Rajado tem 59 anos e memória do tempo em que se falava de política, desde que um colega lhe soprava as notícias do mundo que captava na BBC até depois do 25 de Abril, quando se entusiasmou com Sá Carneiro. Mas, agora, vai engrossar as fileiras da abstenção, que, garante, há-de ser um "bom sinal do desprezo que as pessoas sentem pelos políticos".

E de política... não se fala

"A vida está cada vez pior e sentimos cada vez mais que não vale a pena votar para mudar, que tudo fica na mesma. Mas debates como aquele a que assistimos agora também não ajudam nada... Há lá comparação com o tempo do Mário Soares e do Freitas do Amaral, quando a gente via que estava em causa alguma coisa!?", insiste Rui Rajado. "Ah, isso sim", concorda Luís Rodrigues, enquanto espreme um sumo de laranja. É um dos sócios do Nicola, um dos poucos cafés históricos da Baixa que resistiram ao assalto das multinacionais, e recorda mais do que banhos de multidão: "Dantes, os candidatos entravam, sentavam-se, trocavam dois dedos de conversa, davam opinião...".

Alguns, agora, ainda arriscam uma conversa curta, como pode confirmar Fernando Pereira, um vendedor de castanhas de 56 anos, que anteontem foi assaltado pela comitiva de Ferreira do Amaral e teve direito a mais do que o aperto de mão do candidato: "Perguntou-me se as castanhas eram boas e se eram daqui. E eu respondi-lhe que sim e que eram da Beira. O que é que eu havia de dizer?! Ele não me perguntou o que eu penso do país!", resmunga, coçando a cabeça com a mão enfarruscada.

Por detrás do balcão de uma loja de tecidos, na Portagem, José Rasteiro está mais "triste" do que indignado: "São todos iguais. Entram aqui e dizem: ''Conto consigo''. O que não explicam é porque é que hão-de contar comigo e com o meu voto se, para isso - para falar de política -, não têm tempo...". Rasteiro até os entende: aprendeu o lema, ainda menino, quando começou a ajudar ao negócio na loja do tio: "Cá dentro, não se fala de religião, de política ou de futebol. Estamos aqui para vender". Também por isso, e para sossego dos candidatos, promete não multiplicar a mensagem

O rasto dos candidatos na Baixa de Coimbra

Afinal "Eles" Servem para Quê?

Por GRAÇA BARBOSA RIBEIRO

Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2001

Se a Baixa de Coimbra é eleita ponto obrigatório de campanha eleitoral porque os comerciantes são "uns bons multiplicadores de mensagem", o panorama não é o mais animador... Por entre um rol de lamentações sobre o estado do país, desmontam-se os sorrisos "de plástico" dos candidatos e ridicularizam-se "os apertos de mão e os beijinhos". Até porque de política, queixam-se os comerciantes, os políticos não falam...

Já lá vai o tempo em que a Baixa de Coimbra era atravessada por um frémito de entusiasmo ao ressoar dos bombos que anunciavam o tradicional desfile dos candidatos às eleições, fossem elas autárquicas, legislativas ou presidenciais. O desfile mantém-se e os bombos também. Mas o rasto da passagem de Jorge Sampaio, na pré-campanha, e de Ferreira do Amaral e António Abreu, mais recentemente, é uma ruidosa indiferença. "Não me lembro de uma campanha assim, tão amorfa. Vão ter que trabalhar muito para provar que a gente precisa deles pr''alguma coisa!...", avisava anteontem José Pintassilgo, que há 17 anos trabalha numa loja de equipamento fotográfico.

Chove com intensidade, as lojas estão quase vazias e a disponibilidade de José Pintassilgo para trocar dois dedos de conversa só faz aumentar o rol de lamentações. O seu discurso - como o de todos os outros comerciantes - está recheado de palavras e frases como "aumento do custo de vida", "Portugal na cauda da Europa", "tachos", boys", "ordenados chorudos dos políticos" e "pensões de miséria".

A chuva não ajuda a melhorar o humor, mas o recente desfile dos candidatos também não: "Só faz com que a gente se lembre de que, se não somos nós a cuidar da nossa vida, ninguém o faz!...", protesta o comerciante. Os destinatários não são apenas o actual Presidente da República e os restantes candidatos, mas também os Governos, "todos os Governos". E é a homens como Pintassilgo que um dirigente do PSD chama "multiplicadores de mensagem", quando explica as vantagens da passagem dos candidatos pela Baixa de Coimbra...

Fazem notar os homens dos partidos que há outras vantagens, como a de ser o local da cidade "onde se concentra mais gente por quilómetro quadrado". Mas nem isso parece melhorar as expectativas dos candidatos. "Dantes havia banhos de multidão, agora eles têm de se esforçar para serem vistos. E, quanto aos pequenos comerciantes, se nalgum lugar é fácil encontrar gente desiludida, é aqui: fomos atraiçoados por todos os Governos e estamos convencidos de que votar ou não é a mesma coisa. Quem manda é o grande capital!", sentencia José da Costa, ex-dirigente da Associação Comercial e Industrial de Coimbra.

José da Costa refere-se "à volta que a vida desta gente levou" com a proliferação dos hipermercados e à vã e desesperada luta contra a abertura daqueles estabelecimentos ao domingo. Ficou a amargura, mas não só: a concorrência, a que chamam desleal, obrigou-os a esforços acrescidos. E nem os políticos imaginam o quanto isso poderá ter contribuído para a forma como estes homens vêem, hoje, as campanhas...

"É tudo plástico"...

Afinal, os desafios postos a um candidato numa campanha eleitoral não são muito diferentes dos que se colocam a um pequeno comerciante, face à ameaça das grandes superfícies. Os primeiros tentam captar o voto, os segundos procuram, a todo o custo, que os cada vez mais escassos clientes não saiam das suas lojas de mãos vazias. "Ora imagine: uma senhora vem aqui e, de entre estes óculos todos, escolhe uns que lhe ficam mesmo mal. O que é que eu vou dizer? A senhora fica horrorosa? Ora, digo-lhe o que ela quer ouvir!... Como os políticos...", exemplifica, com um sorriso, Luís Dinis, que trabalha numa óptica.

E Vítor Cardoso, que há dez anos trabalha na Casa Campião, colabora na demonstração de que, ali, o "marketing" político não funciona. "Já ninguém se deixa enganar. A pose, o sorriso dos candidatos quando aqui passam... Uns disfarçam melhor, outros pior, mas é tudo plástico, só plástico...". Vítor Cardoso define-se como "um desencantado da política". E insiste que não fala dela, da política, de tão irritado que está com eles, os políticos: "Agora, passeiam-se por aqui para provar que se preocupam com o povo... Tretas!...", desabafa, antes de voltar a embrenhar-se numa resma de papéis. Não está sozinho, neste seu desencanto. Nem na eterna questão que se lhe coloca depois da meteórica passagem dos candidatos pelo canal da Baixa.

"Olhe lá, mas eles pensam que conseguem o quê, com este espectáculo?!", pergunta também Rui Rajado, divertido. "Meia dúzia de votos?! Isso sim! São eles a dar um aperto de mão e um beijinho e a gente a pensar: ''Olha para onde tu vens agora!... Estás cá com uma sorte!...''". Dono de uma das lojas mais antigas da Baixa de Coimbra, a Papelaria Cristal, Rui Rajado tem 59 anos e memória do tempo em que se falava de política, desde que um colega lhe soprava as notícias do mundo que captava na BBC até depois do 25 de Abril, quando se entusiasmou com Sá Carneiro. Mas, agora, vai engrossar as fileiras da abstenção, que, garante, há-de ser um "bom sinal do desprezo que as pessoas sentem pelos políticos".

E de política... não se fala

"A vida está cada vez pior e sentimos cada vez mais que não vale a pena votar para mudar, que tudo fica na mesma. Mas debates como aquele a que assistimos agora também não ajudam nada... Há lá comparação com o tempo do Mário Soares e do Freitas do Amaral, quando a gente via que estava em causa alguma coisa!?", insiste Rui Rajado. "Ah, isso sim", concorda Luís Rodrigues, enquanto espreme um sumo de laranja. É um dos sócios do Nicola, um dos poucos cafés históricos da Baixa que resistiram ao assalto das multinacionais, e recorda mais do que banhos de multidão: "Dantes, os candidatos entravam, sentavam-se, trocavam dois dedos de conversa, davam opinião...".

Alguns, agora, ainda arriscam uma conversa curta, como pode confirmar Fernando Pereira, um vendedor de castanhas de 56 anos, que anteontem foi assaltado pela comitiva de Ferreira do Amaral e teve direito a mais do que o aperto de mão do candidato: "Perguntou-me se as castanhas eram boas e se eram daqui. E eu respondi-lhe que sim e que eram da Beira. O que é que eu havia de dizer?! Ele não me perguntou o que eu penso do país!", resmunga, coçando a cabeça com a mão enfarruscada.

Por detrás do balcão de uma loja de tecidos, na Portagem, José Rasteiro está mais "triste" do que indignado: "São todos iguais. Entram aqui e dizem: ''Conto consigo''. O que não explicam é porque é que hão-de contar comigo e com o meu voto se, para isso - para falar de política -, não têm tempo...". Rasteiro até os entende: aprendeu o lema, ainda menino, quando começou a ajudar ao negócio na loja do tio: "Cá dentro, não se fala de religião, de política ou de futebol. Estamos aqui para vender". Também por isso, e para sossego dos candidatos, promete não multiplicar a mensagem

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