A dupla identidade do Bloco Central

12-01-2001
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Presidenciais dominadas pela "síndrome dos Balcãs"

A Dupla Identidade do Bloco Central

Por ANA SÁ LOPES

Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2001

Não fora o escândalo do urânio e a campanha eleitoral para a Presidência da República teria sobrevoado, mansa e banal, a vida dos portugueses. Foi com o Kosovo às costas que os dois candidatos dos partidos maioritários assumiram a dupla identidade, uma falsa (a política), outra que se revelou verdadeira (a institucional). Sob a ameaça do Bloco de Esquerda, o comunista Abreu acaba por ir a votos. Enquanto Rosas lutou por fidelizar o eleitorado bloquista, Garcia Pereira ameaça ter mais sucesso do que o costume.

Jorge Sampaio perdeu uma grande oportunidade para fazer um combate cívico em prol da credibilização da política, já que os cinco anos globalmente positivos da sua passagem por Belém culminaram na campanha mais desastrada que o ex-líder do PS deverá guardar memória.

Não são as campanhas eleitorais (e a pressão comunicacional a que obrigam) um meio físico muito compatível com a idiossincracia do actual Presidente da República, mas os atropelos, a ausência do discurso substituída por uma mão-cheia de intenções mais ou menos comungadas por toda a gente, marcaram as últimas duas semanas.

Reduzidas drasticamente as hipóteses de discussão política por falta de comparência da direita - o PSD teve que se contentar com o "berbequim" Ferreira do Amaral - Jorge Sampaio erigiu como seus opositores principais os defensores da abstenção e falou para o máximo denominador do comum dos portugueses. Afinal, o grande sonho sampaísta seria chegar aos 70 por cento de Mário Soares.

Mas a brancura imaculada com que Jorge Sampaio se dirigiu aos "portugueses de todas as cores políticas" (um slogan de comício) esbarrou, necessariamente, num assomo de populismo. O candidato quereria aparentemente demitir Martins Barrento - o chefe de Estado-Maior do Exército que chamou ao pai do soldado Paulino agente da "conspiração sérvia" - mas o Presidente da República não. Um psicodrama que levou a avanços e recuos nesta matéria do candidato-Presidente, que obviamente gostaria de dar um sinal de simpatia à opinião pública atordoada com o caso do urânio, mas que foi "aprisionado" pelo Governo que se recusou a demitir a chefia militar.

Ao assumir a dupla personalidade, também Jorge Sampaio não contribuiu muito para o crédito dos políticos. Não que, em matéria de Kosovo, a "loucura" não tenha tomado conta de outros agentes do sistema, a começar pelo líder da oposição e do candidato por si patrocinado: Durão Barroso anunciou não querer nem mais um soldado para o Kosovo, sem defender a retirada dos que lá permanecem. Um golpe de prestidigitação populista, mas inconsequente. Afinal, o que se faz ao que lá estão? Quanto a Ferreira do Amaral, começou por subscrever a posição do líder, quando interrogado sobre o assunto, e terminou a concordar com o Conselho Superior de Defesa, que mantém tudo como antes. Eram, segundo terá explicado o próprio, a divergência natural entre o pensamento político e o pensamento militar, duas categorias que coexistem no "fazedor" Ferreira do Amaral.

A grande surpresa, afinal, acabaria por vir de onde menos se esperava. Tendo-se arrastado penosamente numa tarefa que tudo indicava ter apenas como objectivo ocupar tempo de antena e espaço nos órgãos de comunicação social, o destino (ou seja, o sentimento de orfandade no PCP provocado pela ameaça do Bloco de Esquerda) conduziria a uma reviravolta surreal. António Abreu andou o tempo todo a preparar a desistência... para anunciar a real ida às urnas a dois dias do fim da campanha. Resta saber quanto é que vai valer o partido personificado em Abreu, num momento em que é inexistente a ameaça da direita, o Bloco de Esquerda levou a campanha a sério e Sampaio foi demasiado abrangente para satisfazer os eleitores comunistas.

Fernando Rosas foi um dos principais motores da centralização da campanha no eixo urânio/Kosovo e percorreu o país, em tom mais cordato do que o habitual, a mostrar que é possível outra coisa à esquerda de Sampaio e do PCP. Garcia Pereira, que também não parou um minuto, pode tornar-se uma surpresa se, contrariando as sondagens iniciais e o habitual universo de votantes do MRPP, conseguir descolar dos zero vírgula tal por cento.

Presidenciais dominadas pela "síndrome dos Balcãs"

A Dupla Identidade do Bloco Central

Por ANA SÁ LOPES

Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2001

Não fora o escândalo do urânio e a campanha eleitoral para a Presidência da República teria sobrevoado, mansa e banal, a vida dos portugueses. Foi com o Kosovo às costas que os dois candidatos dos partidos maioritários assumiram a dupla identidade, uma falsa (a política), outra que se revelou verdadeira (a institucional). Sob a ameaça do Bloco de Esquerda, o comunista Abreu acaba por ir a votos. Enquanto Rosas lutou por fidelizar o eleitorado bloquista, Garcia Pereira ameaça ter mais sucesso do que o costume.

Jorge Sampaio perdeu uma grande oportunidade para fazer um combate cívico em prol da credibilização da política, já que os cinco anos globalmente positivos da sua passagem por Belém culminaram na campanha mais desastrada que o ex-líder do PS deverá guardar memória.

Não são as campanhas eleitorais (e a pressão comunicacional a que obrigam) um meio físico muito compatível com a idiossincracia do actual Presidente da República, mas os atropelos, a ausência do discurso substituída por uma mão-cheia de intenções mais ou menos comungadas por toda a gente, marcaram as últimas duas semanas.

Reduzidas drasticamente as hipóteses de discussão política por falta de comparência da direita - o PSD teve que se contentar com o "berbequim" Ferreira do Amaral - Jorge Sampaio erigiu como seus opositores principais os defensores da abstenção e falou para o máximo denominador do comum dos portugueses. Afinal, o grande sonho sampaísta seria chegar aos 70 por cento de Mário Soares.

Mas a brancura imaculada com que Jorge Sampaio se dirigiu aos "portugueses de todas as cores políticas" (um slogan de comício) esbarrou, necessariamente, num assomo de populismo. O candidato quereria aparentemente demitir Martins Barrento - o chefe de Estado-Maior do Exército que chamou ao pai do soldado Paulino agente da "conspiração sérvia" - mas o Presidente da República não. Um psicodrama que levou a avanços e recuos nesta matéria do candidato-Presidente, que obviamente gostaria de dar um sinal de simpatia à opinião pública atordoada com o caso do urânio, mas que foi "aprisionado" pelo Governo que se recusou a demitir a chefia militar.

Ao assumir a dupla personalidade, também Jorge Sampaio não contribuiu muito para o crédito dos políticos. Não que, em matéria de Kosovo, a "loucura" não tenha tomado conta de outros agentes do sistema, a começar pelo líder da oposição e do candidato por si patrocinado: Durão Barroso anunciou não querer nem mais um soldado para o Kosovo, sem defender a retirada dos que lá permanecem. Um golpe de prestidigitação populista, mas inconsequente. Afinal, o que se faz ao que lá estão? Quanto a Ferreira do Amaral, começou por subscrever a posição do líder, quando interrogado sobre o assunto, e terminou a concordar com o Conselho Superior de Defesa, que mantém tudo como antes. Eram, segundo terá explicado o próprio, a divergência natural entre o pensamento político e o pensamento militar, duas categorias que coexistem no "fazedor" Ferreira do Amaral.

A grande surpresa, afinal, acabaria por vir de onde menos se esperava. Tendo-se arrastado penosamente numa tarefa que tudo indicava ter apenas como objectivo ocupar tempo de antena e espaço nos órgãos de comunicação social, o destino (ou seja, o sentimento de orfandade no PCP provocado pela ameaça do Bloco de Esquerda) conduziria a uma reviravolta surreal. António Abreu andou o tempo todo a preparar a desistência... para anunciar a real ida às urnas a dois dias do fim da campanha. Resta saber quanto é que vai valer o partido personificado em Abreu, num momento em que é inexistente a ameaça da direita, o Bloco de Esquerda levou a campanha a sério e Sampaio foi demasiado abrangente para satisfazer os eleitores comunistas.

Fernando Rosas foi um dos principais motores da centralização da campanha no eixo urânio/Kosovo e percorreu o país, em tom mais cordato do que o habitual, a mostrar que é possível outra coisa à esquerda de Sampaio e do PCP. Garcia Pereira, que também não parou um minuto, pode tornar-se uma surpresa se, contrariando as sondagens iniciais e o habitual universo de votantes do MRPP, conseguir descolar dos zero vírgula tal por cento.

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