Virar de página no Porto

30-12-2001
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EDITORIAL

Virar de Página no Porto

Por MANUEL CARVALHO

Segunda-feira, 17 de Dezembro de 2001

A surpreendente vitória de Rui Rio no Porto não aconteceu apenas porque as suas propostas para a cidade foram consideradas mais oportunas e válidas pela maioria dos eleitores; a surpreendente derrota de Fernando Gomes não aconteceu também porque as suas propostas para solucionar os problemas do trânsito ou do urbanismo foram mais desinteressantes. O que ditou o desfecho das autárquicas no Porto foi, acima de tudo, uma avaliação de comportamentos, de personalidades e de afectos, que colocou Gomes, outrora amado na cidade, num plano inclinado de fragilidade política e de contestação cívica.

Gomes perdeu porque, ao contrário do que prometera aos cidadãos, não cumpriu até ao fim o seu terceiro mandato na câmara, perdeu porque, sem mágoa e com frieza, tirou de cena o seu ex-delfim, Nuno Cardoso, no seu caminho de regresso ao Porto, perdeu também porque, para poder ser o candidato do PS, se entregou sem cedências aos jogos de bastidores e às contabilidades pessoais do aparelho socialista da cidade. Na sua estratégia, esqueceu com a mesma facilidade fidelidades antigas e adversários recentes, e, com este jogo de cintura, surgiu perante os cidadãos como um homem frio, dominado apenas pela vontade do poder, sem memória nem afectos.

Como adversário, Gomes encontrou Rio, um quase desconhecido, rejeitado pela lógica conservadora e clientelar do aparelho do PSD, desdenhado pela maioria das figuras públicas da cidade. Rio insistiu na necessidade de construir uma cidade diferente, indo de encontro à sensação, cada vez mais generalizada entre os portuenses, de que o urbanismo está nas mãos de interesses imobiliários instalados. Mas, se esta mensagem calou fundo na sensibilidade dos eleitores, o que o destacou foi a sua frontalidade, a sua independência, a sua irreverência de estreante, a sua aura de lutador descomprometido, a sua abertura para a mudança.

Embora empurrado pela tendência nacional, Rio ganhou também porque elevou para o primeiro plano do seu discurso uma nova forma de projectar a cidade no plano nacional, falando mais para o Porto burguês e liberal, cioso dos seus pergaminhos, dos seus valores e do seu amor próprio, remetendo Gomes para um passado reivindicativo que, após a derrota na regionalização, parecia já um fóssil da História. Com a surpreendente vitória de Rui Rio, não é só uma figura e um partido que saem de cena: são também os fundamentos de uma elite política que projectou e desenvolveu um conceito de cidade e de cidadania que ficam profundamente abalados. Depois de uma década dominada por Gomes, o Porto virou uma página. Pinto da Costa que se cuide...

EDITORIAL

Virar de Página no Porto

Por MANUEL CARVALHO

Segunda-feira, 17 de Dezembro de 2001

A surpreendente vitória de Rui Rio no Porto não aconteceu apenas porque as suas propostas para a cidade foram consideradas mais oportunas e válidas pela maioria dos eleitores; a surpreendente derrota de Fernando Gomes não aconteceu também porque as suas propostas para solucionar os problemas do trânsito ou do urbanismo foram mais desinteressantes. O que ditou o desfecho das autárquicas no Porto foi, acima de tudo, uma avaliação de comportamentos, de personalidades e de afectos, que colocou Gomes, outrora amado na cidade, num plano inclinado de fragilidade política e de contestação cívica.

Gomes perdeu porque, ao contrário do que prometera aos cidadãos, não cumpriu até ao fim o seu terceiro mandato na câmara, perdeu porque, sem mágoa e com frieza, tirou de cena o seu ex-delfim, Nuno Cardoso, no seu caminho de regresso ao Porto, perdeu também porque, para poder ser o candidato do PS, se entregou sem cedências aos jogos de bastidores e às contabilidades pessoais do aparelho socialista da cidade. Na sua estratégia, esqueceu com a mesma facilidade fidelidades antigas e adversários recentes, e, com este jogo de cintura, surgiu perante os cidadãos como um homem frio, dominado apenas pela vontade do poder, sem memória nem afectos.

Como adversário, Gomes encontrou Rio, um quase desconhecido, rejeitado pela lógica conservadora e clientelar do aparelho do PSD, desdenhado pela maioria das figuras públicas da cidade. Rio insistiu na necessidade de construir uma cidade diferente, indo de encontro à sensação, cada vez mais generalizada entre os portuenses, de que o urbanismo está nas mãos de interesses imobiliários instalados. Mas, se esta mensagem calou fundo na sensibilidade dos eleitores, o que o destacou foi a sua frontalidade, a sua independência, a sua irreverência de estreante, a sua aura de lutador descomprometido, a sua abertura para a mudança.

Embora empurrado pela tendência nacional, Rio ganhou também porque elevou para o primeiro plano do seu discurso uma nova forma de projectar a cidade no plano nacional, falando mais para o Porto burguês e liberal, cioso dos seus pergaminhos, dos seus valores e do seu amor próprio, remetendo Gomes para um passado reivindicativo que, após a derrota na regionalização, parecia já um fóssil da História. Com a surpreendente vitória de Rui Rio, não é só uma figura e um partido que saem de cena: são também os fundamentos de uma elite política que projectou e desenvolveu um conceito de cidade e de cidadania que ficam profundamente abalados. Depois de uma década dominada por Gomes, o Porto virou uma página. Pinto da Costa que se cuide...

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