"Jorge Sampaio? Ferreira do Amaral? No los conozco!"

10-03-2001
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Eleições presidenciais não entusiasmam portugueses radicados na Venezuela

"Jorge Sampaio? Ferreira do Amaral? No Los Conozco!"

Por ANA CRISTINA PEREIRA, em Caracas

Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2001

Os portugueses radicados na Venezuela parecem alheados das eleições presidenciais, apesar de esta ser a primeira vez que têm direito a participar. Vence a falta de informação, o desinteresse e alguma desilusão.

Imagine que um candidato presidencial - Jorge Sampaio, Ferreira do Amaral, António Abreu, Fernando Rosas, Garcia Pereira, um deles - se metia num avião e viajava até à Venezuela, onde se estima existir entre 300 mil e 400 mil portugueses. Aventurava-se a calcorrear as perigosas ruas de Caracas para distribuir beijinhos e apertar mãos, assim como se faz na pátria. Esta é a primeira vez que os emigrantes podem participar nas presidenciais, o candidato encontraria então o entusiasmo próprio de quem conquistou um direito, certo? Não. Constataria que, na capital da república de Simon Bolívar, descobrir alguém com vontade de ir às urnas é quase tão difícil como acertar no totoloto.

A Candelária, no centro da Caracas, seria uma boa opção de campanha, já que está "llena de portugueses". A "caça ao voto" poderia começar na Esquina Chimborozo, onde há um bar que se chama Camões. Se se animasse perante tal exaltação das letras lusas, o candidato ficaria desiludido, já que a "tasca" pertence a um espanhol. Iria então bater a outra porta.

"Jorge Sampaio? Ferreira do Amaral? No los conozco! Eu quase já no me acuerdo de Portugal. Vim em 1973 e nunca mais lá fui!" José Gouveia, da Madeira, mete mais umas notas velhas na caixa registadora da padaria. Nunca votou, nem sequer está recenseado. Suponhamos que, depois de conversar com este homem, o tal candidato presidencial segue pela estreita rua baptizada de Chimborozo. Ouve falar português, mas não ganha eleitores.

Na loja de móveis, por exemplo, o senhor Manuel Rodrigues, de Moimenta da Beira, contar-lhe-ia que não está recenseado nem pensa estar: "Nunca me interessei por isso; bueno, no es que não me interesse, nunca estive a par". E, no talho, o senhor José Macedo, da Madeira, revelar-lhe-ia que, "mesmo que quisesse, votar não podia". Quando se naturalizou, há 36 anos, perdeu a nacionalidade portuguesa. Recuperá-la é coisa que "dá muito trabalho". "Quando uma pessoa precisa de um papel do consulado, tem de se levantar de madrugada, tem de ir para lá às três, quatro da manhã, para conseguir um número e ser atendido às 11, 12 horas. Não tenho tempo para isso". História que o tal candidato ouviria novamente na mercearia, no parque de estacionamento, no centro hípico...

Só depois de virar o quarteirão, o tal que deseja ser o presidente de todos os portugueses (aquém e além-mar, supõe-se) encontraria alguém que, "no fundo de uma gaveta qualquer", tem um cartão de eleitor - a senhora Rosa Andrade, de 53 anos.

A comerciante madeirense, que vive na Venezuela há 33 anos, ainda tentou um dia votar, mas foi só um... "Se me quitou la gana." Como? "Foi quando o António Guterres ganhou as eleições pela primeira vez. Vi na televisão que havia eleições em Portugal, então fui ao consulado votar. Cheguei lá e encontrei a porta cerrada", relata. Ao seu lado, no balcão da loja de material escolar, a cunhada, Teresa Dias, solta: "Falta informação, deviam mandar cartas às pessoas". E acrescenta: "Eles, no consulado, tratam mal as pessoas. Se já é um custo ir lá quando é preciso, quem é que vai só para votar?".

Percorridas umas quantas ruas, o candidato poderia entrar num centro comercial. Encheria os olhos com o grande sorriso de Maria Celeste Sousa, filha, e de Maria Celeste Sousa, mãe. Estão no interior de uma loja de cosméticos estas duas madeirenses radicadas na Venezuela há 21 anos. "Quem vota é o meu marido, mas nem sei em quem. A gente não fala sobre isso", diz a mais jovem. Nenhuma delas foi alguma vez a uma mesa de voto meter um papel dobrado. "Esses assuntos nunca me chamaram a atenção. A minha tia, que tem RTPi, conta que quem vai ganhar é o que já lá está - o Sampaio, não é?", atira Maria filha.

Depois de muito andar pelas ruas sujas da Candelária, depois de ouvir para cima de 20 portugueses inaptos para votar, depois de levar o lenço ao rosto um par de vezes para limpar o suor alimentado pelo calor, talvez o tal candidato presidencial tivesse a sorte de, ao parar num sítio para tomar uma água, encontrar Manuel Vieira, de 51 anos, natural de Aveiro. Este representante de vendas renovou o cartão de eleitor em 1996 e até sabe em quem vai votar - "quando estava em Portugal, era militante do Partido Socialista". Para Vieira, não tem muito sentido os emigrantes votarem nas autárquicas, porque "não conhecem os candidatos". Para a Presidência da República "já é diferente". "Estava mal não termos direito ao voto. Afinal, nós não somos menos portugueses do que os outros. E o presidente é isso mesmo: a pessoa que representa os portugueses."

Contente por ter encontrado alguém que vai num dos próximos dias 12, 13 ou 14 ao Consulado-Geral de Caracas exercer o seu direito ao voto, o candidato poderia ir até ao hotel descansar um pouco e refrescar-se. Para, já de noite, retomar a campanha no Centro Português de Caracas. É lá que se reúnem os mais ricos, alegadamente mais informados...

Quem vai ao Centro tem TV Cabo, sabe que em Portugal haverá eleições no dia 14. Mas também aqui a vontade de votar é pouca. Humberto Ferreira, membro do Congresso das Comunidades Madeirenses, por exemplo, diz que não vai às urnas porque não tem informação suficiente. Levanta o braço em direcção à parede: "Não há informação nenhuma. Isto é culpa dos nossos representantes [consulado e embaixada]. Custava alguma coisa mandar unas folhas para afixar no Centro? E não é só aqui, também no Centro Luso-Venezuelano de Caracas, no Centro Luso-Venezuelano de Cátia La Mar e nos outros sítios de portugueses".

Se o candidato passar, como é já da praxe dos políticos que vêm à Venezuela, pela Missão Católica Portuguesa, ouve queixas semelhantes. Também o padre Alexandre Mendonça refere que não vai votar por estar "mal informado". "Eles pensam que toda a gente tem TV Cabo? Isso aqui é muito caro, muito poucas pessoas têm acesso à RTP Internacional." E sustenta que alguma informação deveria ter chegado à igreja para ser afixada.

Eleições presidenciais não entusiasmam portugueses radicados na Venezuela

"Jorge Sampaio? Ferreira do Amaral? No Los Conozco!"

Por ANA CRISTINA PEREIRA, em Caracas

Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2001

Os portugueses radicados na Venezuela parecem alheados das eleições presidenciais, apesar de esta ser a primeira vez que têm direito a participar. Vence a falta de informação, o desinteresse e alguma desilusão.

Imagine que um candidato presidencial - Jorge Sampaio, Ferreira do Amaral, António Abreu, Fernando Rosas, Garcia Pereira, um deles - se metia num avião e viajava até à Venezuela, onde se estima existir entre 300 mil e 400 mil portugueses. Aventurava-se a calcorrear as perigosas ruas de Caracas para distribuir beijinhos e apertar mãos, assim como se faz na pátria. Esta é a primeira vez que os emigrantes podem participar nas presidenciais, o candidato encontraria então o entusiasmo próprio de quem conquistou um direito, certo? Não. Constataria que, na capital da república de Simon Bolívar, descobrir alguém com vontade de ir às urnas é quase tão difícil como acertar no totoloto.

A Candelária, no centro da Caracas, seria uma boa opção de campanha, já que está "llena de portugueses". A "caça ao voto" poderia começar na Esquina Chimborozo, onde há um bar que se chama Camões. Se se animasse perante tal exaltação das letras lusas, o candidato ficaria desiludido, já que a "tasca" pertence a um espanhol. Iria então bater a outra porta.

"Jorge Sampaio? Ferreira do Amaral? No los conozco! Eu quase já no me acuerdo de Portugal. Vim em 1973 e nunca mais lá fui!" José Gouveia, da Madeira, mete mais umas notas velhas na caixa registadora da padaria. Nunca votou, nem sequer está recenseado. Suponhamos que, depois de conversar com este homem, o tal candidato presidencial segue pela estreita rua baptizada de Chimborozo. Ouve falar português, mas não ganha eleitores.

Na loja de móveis, por exemplo, o senhor Manuel Rodrigues, de Moimenta da Beira, contar-lhe-ia que não está recenseado nem pensa estar: "Nunca me interessei por isso; bueno, no es que não me interesse, nunca estive a par". E, no talho, o senhor José Macedo, da Madeira, revelar-lhe-ia que, "mesmo que quisesse, votar não podia". Quando se naturalizou, há 36 anos, perdeu a nacionalidade portuguesa. Recuperá-la é coisa que "dá muito trabalho". "Quando uma pessoa precisa de um papel do consulado, tem de se levantar de madrugada, tem de ir para lá às três, quatro da manhã, para conseguir um número e ser atendido às 11, 12 horas. Não tenho tempo para isso". História que o tal candidato ouviria novamente na mercearia, no parque de estacionamento, no centro hípico...

Só depois de virar o quarteirão, o tal que deseja ser o presidente de todos os portugueses (aquém e além-mar, supõe-se) encontraria alguém que, "no fundo de uma gaveta qualquer", tem um cartão de eleitor - a senhora Rosa Andrade, de 53 anos.

A comerciante madeirense, que vive na Venezuela há 33 anos, ainda tentou um dia votar, mas foi só um... "Se me quitou la gana." Como? "Foi quando o António Guterres ganhou as eleições pela primeira vez. Vi na televisão que havia eleições em Portugal, então fui ao consulado votar. Cheguei lá e encontrei a porta cerrada", relata. Ao seu lado, no balcão da loja de material escolar, a cunhada, Teresa Dias, solta: "Falta informação, deviam mandar cartas às pessoas". E acrescenta: "Eles, no consulado, tratam mal as pessoas. Se já é um custo ir lá quando é preciso, quem é que vai só para votar?".

Percorridas umas quantas ruas, o candidato poderia entrar num centro comercial. Encheria os olhos com o grande sorriso de Maria Celeste Sousa, filha, e de Maria Celeste Sousa, mãe. Estão no interior de uma loja de cosméticos estas duas madeirenses radicadas na Venezuela há 21 anos. "Quem vota é o meu marido, mas nem sei em quem. A gente não fala sobre isso", diz a mais jovem. Nenhuma delas foi alguma vez a uma mesa de voto meter um papel dobrado. "Esses assuntos nunca me chamaram a atenção. A minha tia, que tem RTPi, conta que quem vai ganhar é o que já lá está - o Sampaio, não é?", atira Maria filha.

Depois de muito andar pelas ruas sujas da Candelária, depois de ouvir para cima de 20 portugueses inaptos para votar, depois de levar o lenço ao rosto um par de vezes para limpar o suor alimentado pelo calor, talvez o tal candidato presidencial tivesse a sorte de, ao parar num sítio para tomar uma água, encontrar Manuel Vieira, de 51 anos, natural de Aveiro. Este representante de vendas renovou o cartão de eleitor em 1996 e até sabe em quem vai votar - "quando estava em Portugal, era militante do Partido Socialista". Para Vieira, não tem muito sentido os emigrantes votarem nas autárquicas, porque "não conhecem os candidatos". Para a Presidência da República "já é diferente". "Estava mal não termos direito ao voto. Afinal, nós não somos menos portugueses do que os outros. E o presidente é isso mesmo: a pessoa que representa os portugueses."

Contente por ter encontrado alguém que vai num dos próximos dias 12, 13 ou 14 ao Consulado-Geral de Caracas exercer o seu direito ao voto, o candidato poderia ir até ao hotel descansar um pouco e refrescar-se. Para, já de noite, retomar a campanha no Centro Português de Caracas. É lá que se reúnem os mais ricos, alegadamente mais informados...

Quem vai ao Centro tem TV Cabo, sabe que em Portugal haverá eleições no dia 14. Mas também aqui a vontade de votar é pouca. Humberto Ferreira, membro do Congresso das Comunidades Madeirenses, por exemplo, diz que não vai às urnas porque não tem informação suficiente. Levanta o braço em direcção à parede: "Não há informação nenhuma. Isto é culpa dos nossos representantes [consulado e embaixada]. Custava alguma coisa mandar unas folhas para afixar no Centro? E não é só aqui, também no Centro Luso-Venezuelano de Caracas, no Centro Luso-Venezuelano de Cátia La Mar e nos outros sítios de portugueses".

Se o candidato passar, como é já da praxe dos políticos que vêm à Venezuela, pela Missão Católica Portuguesa, ouve queixas semelhantes. Também o padre Alexandre Mendonça refere que não vai votar por estar "mal informado". "Eles pensam que toda a gente tem TV Cabo? Isso aqui é muito caro, muito poucas pessoas têm acesso à RTP Internacional." E sustenta que alguma informação deveria ter chegado à igreja para ser afixada.

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